Petrônio (circa 27-66 d.C), mestre da literatura latina, autor de “Satiricon”, descrevia uma boneca de prata capaz de se mover como um ser humano. Bonecas semelhantes foram descritas em contos de fadas indianos.
No século XIII, o mago e frade dominicano Alberto Magno teria construído uma cabeça falante, mas tão falante que, perturbando os estudos de Tomás de Aquino, seu aluno, este a destruiu a golpes de bengala. Também o filósofo Roger Bacon teria criado mecanismos semoventes, tal como mais tarde René Descartes, que fabricou a boneca Francine.
Sobre Descartes, se conta que numa viagem de navio à Suécia, em 1640, a tripulação foi informada de que o filósofo viajava com sua filha Francine, mas até então ninguém a vira à bordo. Desconfiados e atemorizados durante uma violenta tempestade, os supersticiosos marinheiros foram em busca de Descartes e sua filha, mas no aposento deles só encontraram tudo revirado e, dentro de um baú, uma boneca como nunca haviam visto, totalmente articulada, feita com partes de metal e engrenagens de relógio. Temendo ser uma arte diabólica, o capitão mandou jogá-la no mar.
Descartes havia construído um simulacro de sua filha, após a morte da mesma, aos cinco anos de idade. Tratava a boneca como "Ma fille Francine", possivelmente sem distinção entre ela e sua falecida filha, bem de acordo com sua filosofia explicitada em seu livro "Tratado do Homem", onde o Homem é máquina, pois o Homem possui um corpo capaz de movimento resultante do engenho divino, enquanto um autômato possui um corpo capaz de movimento resultante do engenho humano. Seja qual for a relação entre Descartes e a boneca, seis meses após a "segunda morte" de sua filha, Descartes veio a falecer.
Essas invenções proliferaram no Século das Luzes, quando Friedrich von Knaus projetou uma máquina escrevente. Jacques de Vaucanson criou o Flautista. Pierre Jacquet-Droz e seu filho Henri-Louis apresentaram três criações fabulosas: o Escrivão, que traçava frases num papel; o Desenhista, que executava caprichosamente cinco desenhos diferentes; e a Tocadora, que dedilhava num cravo cinco diversas melodias. Wolfgang von Kempelen inventou o Falador e, depois, o Jogador dc Xadrez.
O século XIX foi assombrado pelo Turco Enxadrista de Johann Maezel, inventor do metrônomo. Enquanto diversão de salão, os autômatos - cuja fascinante trajetória foi contada por Mario Losano em “Histórias de Autômatos” - permaneceram ligados à idéia de encantamento; em suas aparições controladas, se mostraram inofensivos. No imaginário, porém, o inanimado a se mover adquire uma obscura vontade própria. Mas se ele produz catástrofes, a culpa não é dele - não é mau por natureza, tanto mais que não pertence à natureza: sua essência está em sua artificialidade.
Ninguém melhor que Carlo “Collodi” Lorenzini captou, em “Le Aventure di Pinocchio”, a ambigüidade do autômato. Ao ganhar de Mestre Cereja um pedaço de pau que chora e ri como criança, Gepeto tem a idéia de nele esculpir um boneco maravilhoso, que saiba dançar, jogar e saltar. Pinóquio corresponde apenas parcialmente às intenções do criador, já que nasce recusando toda e qualquer responsabilidade, matando o Grilo Falante - sua consciência - com um golpe de martelo, deixando o fogo queimar seus próprios pés, vendendo a cartilha que Gepeto lhe comprara depois de empenhar seu único capote.
Todo autômato, produto de experiências mágicas ou científicas, está sujeito a erros de cálculo. E nessa falha que o sinistro se insinua, o autômato torna-se monstruoso quando o sopro de vida, fornecido pela magia, pela alquimia, pela química, pela eletricidade, pela radioatividade ou pela engenharia genética, dota-o de uma atina misteriosa. O autômato pensante descobre sua origem, suas limitações, seu destino; sabendo-se monstro, passa a agir em conseqüência.
Em 1920, Karel Capek introduziu no imaginário ocidental a figura dos robôs, na peça “R.U.R.” (Rosum’s Universal Robots): eram humanóides destinados a cumprir ordens, criados a partir dc um protoplasma sintético. Assim a palavra “robô” (do tcheco robotit ou robota, evocando labuta, escravidão, trabalho pesado ou forçado), inventada por Capek, passou ao vocabulário de todas as línguas. Capazes de executar qualquer trabalho, mas desprovidos dc sensibilidade, exceto para a dor, com o intuito de diminuir acidentes, os robôs acabam por exterminar os homens, que consideram seus parasitos, assumindo o controle do mundo. Contudo, dois robôs, macho e fêmea, por algum defeito de fabricação, tornam-se “humanos”, apaixonam-se, criam filhos e reproduzem a civilização.
Desde então, a literatura e o cinema conheceram uma infinidade dc robôs; quando domesticados, permanecem amigos dos humanos: é o caso das latas velhas das produções B da science fiction dos anos 50; do robô ingênuo manipulado pelo covarde Mr. Smith, de “Perdidos no Espaço”; do pioneiro militante homem bicentenário de Isaac Asimov; dos autômatos espertos da série “Star Wars”.
Mas a atração pelo mal, a intenção destrutiva e a revolta contra o criador também encontram residência no coração dos robôs - dos mecanismos rebeldes de “Westworld” aos exércitos de autômatos de “Terminator”. Em “Blade Runner”, Ridley Scott apresentou criaturas tão semelhantes ao criador que se revoltam ao descobrir que, embora tecnicamente perfeitas, capazes de gozar a vida, não podem durar mais do que quatro anos.
Na verdade, a ficção, as lendas, assim como as maravilhas reais da Internet e do notebook em que agora escrevo, são todas filhas do gênio humano chamado "Dr. Frankenstein".
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Fontes: "Da Natureza dos Monstros", de Luiz Nazario; Wikipedia; Saindo do Matrix.
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