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quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Galland e os Contos Árabes

Alguém já teve uma boa tia que cuidando da gente, nós naquela época com sete ou oito anos (deveria ser o ano de 1967 ou 1968), contasse histórias fantásticas, de aventuras mirabolantes, de aves gigantes, príncipes, sultões, reinos, ciclopes ou gênios enquanto nossos pais iam para a noite? Muita criança deve ter tido essa sorte e nós, eu e meu mano, também tivemos.

A tia Lea nos contagiou com o “extraordinário” e jamais esqueceremos aquelas noites felizes. Ela simplesmente nos contou todas as “As mil e uma noites”: quatro volumes traduzidos pelo francês Galland do árabe. “As nove viagens e aventuras do marinheiro Simbad”, “Ali Babá e os quarenta ladrões”, “Aladim e a lâmpada maravilhosa” é só um pouquinho do vasto conteúdo da obra que contagiou a minha imaginação infantil.

A obra, na verdade, parece ser mais antiga, narrativas que os árabes herdaram dos antigos persas, de cultura diferente, e que sincretizaram. Nas aventuras desses contos árabes é comum o califa Harun-Al-Rashid, grande comendador dos crentes (Bagdad, ano 840 d.C.) se disfarçar, junto com seu grão-vizir, de gente comum e sair pela cidade para descobrir as quantas andava sua popularidade. Isso não é propaganda para vender livro! Por favor! É só uma nostalgia que me acomete...

Entendo agora o porquê de eu gostar tanto da obra "Cem anos de Solidão": García Marquez usa muito dessa magia de tapetes voadores, ciganos, adivinhos, etc. Adoro mesmo essa tia Lea, até desconfio que ela fosse Sheerazade, a princesa que contava histórias toda noite, nunca as terminava, porque senão morreria... (este blogueiro saudoso).

"Não há necessidade de preveni-los sobre o mérito e a beleza dos contos incluídos nesta obra. Eles próprios se recomendam: basta lê-los para se concordar que, em tal gênero, jamais se viu coisa tão linda até agora noutra língua. Com efeito, haverá algo mais engenhoso do que se ter feito um todo de uma prodigiosa quantidade de contos, cuja variedade é tão surpreendente e cuja concate nação é tão admirável que parece haver sido escritos para compor a ampla coletânea donde estes foram extraídos? Digo ampla coletânea, pois o original árabe, intitulado “As Mil e Uma Noites”, possui trinta e seis partes; e não é senão a tradução da primeira que hoje damos a lume. Ignora-se o nome do autor de tão grande obra, mas provavelmente ela não pertence a um único homem, porque, como se pode crer que um único homem tenha tido imaginação suficiente para tanta ficção? Se os contos dessa espécie são agradáveis e divertidos pelo maravilhoso que neles reina, estes devem superar quantos hajam aparecido, por estarem repletos de fatos que surpreendem e seduzem o espírito, e fazerem ver como ultrapassam os árabes as demais nações em tal gênero de composição” (Prefácio de Galland sobre a sua tradução de ‘Contos árabes’).

Antoine Galland nasceu em 1646 de pais pobres, fixados numa aldeiazinha da Picardia. Tinha apenas quatro anos, e era o sétimo filho, quando seu pai faleceu. Sua mãe, não sabendo que destino dar-lhe, e reduzida ela própria a viver do trabalho, tanto fez que conseguisse colocá-lo no colégio de Noyon, onde o principal e um cônego da catedral dividiram os cuidados e o custo da sua educação. Ali ficou até os treze anos, quando perdeu ao mesmo tempo os dois protetores, o que o obrigou a voltar para sua mãe com um pouco de latim, grego e até hebraico. Sua mãe decidiu, então, que ele devia aprender um oficio. Antoine obedeceu e, apesar da sua aversão, permaneceu um ano com um mestre.

Certo dia, porém, abandonou o serviço e tomou o caminho de Paris, sem outros recursos que o endereço de uma velha parente e o de um bom eclesiástico que vira, às vezes, em casa do cônego de Noyon. A tentativa logrou êxito que ultrapassou as suas esperanças. No colégio du Plessis, continuou os seus estudos; em seguida, com Petitpied, doutor da Sorbona, aprofundou- se no conhecimento do hebraico e outras línguas orientais, e preparou um catálogo dos manuscritos orientais da biblioteca de Sorbone. Transferiu-se, depois, para o colégio Mazarino; um professor, Godoum, reunindo certo número de meninos de três ou quatro anos de idade somente, entre os quais o duque de la Meiileraye, pro pusera-se ensinar-lhes latim fácil e rapidamente, colocando-os ao lado de pessoas que não falassem outra língua. Galland, associado a tal trabalho, não teve tempo de ver o resultado.

Nointel, nomeado para a embaixada de Constantinopla levou-o consigo, para obter certas provas sobre artigos de fé que constituíam motivo de disputa entre Arnaud e o ministro Claude. Galland, chegado a Constantinopla, adquiriu em pouco tempo o uso do grego vulgar, e acompanhou Nointel a Jerusalém e demais lugares da Terra Santa, onde se pôs a pesquisar, anunciando ao embaixador as curiosidades descobertas; copiou inscrições, desenhou da melhor maneira possível outros monumentos, removendo-os também às vezes, e é a ele que devemos, entre outros, os singulares mármores hoje no gabinete de Baudelot. Galland não julgou oportuno acompanhar a Constantinopla Nointel, preferindo voltar para Paris, onde chegou em 1675. Ali travou conhecimento com Vaillant, Carcavy e Giraud.

Estes o enviaram de novo ao Oriente, donde ele trouxe, no ano seguinte, numerosos medalhões. Em 1679, Galland empreendeu terceira viagem, por conta da companhia das Índias Orientais. As mudanças sobrevindas na companhia interromperam os estudos, dezoito meses depois: mas Colbert, informado, empregou-o por conta própria; após a sua morte, o marquês de Louvois fez com que Galland continuasse ainda por algum tempo as suas pesquisas, com o título de antiquário do rei. Durante a sua longa permanência, Galland aprendeu a fundo o árabe, o turco e o persa.

Em Esmirna, quase morreu num espantoso tremor de terra. Na sua volta a Paris, auxiliou Thévenot, guarda do biblioteca do rei, até que este faleceu. Empregou-o em seguida Herbelot. Mas este também morreu em breve, deixando incompleto o seu trabalho. Continuou-o Galland, tal qual o temos, e escreveu o prefácio da obra, que passou a chamar-se Biblioteca Oriental. Participou da edição do Menagiana, aparecida então. Julga-se até que foi êle que forneceu o material do primeiro volume. Pouco antes, dera a lume uma Relação da morte do sultão Osmã, e da coroação do sultão Mustafá, traduzida do turco, e uma Coletânea de máximas e ditos, tirados das obras dos orientais.

Após a morte de Herbelot, apegou-se Galland a Bignon, primeiro presidente do grande conselho, que, por gosto hereditário, queria ter sempre ao seu lado um homem de letras. Bignon morreu no ano seguinte. Parecia ser destino de Galland perder sempre tão úteis proteções. Mas a proteção do digno magistrado ultrapassou os limites comuns, tanto que lhe deixou uma pensão. Além disso, Foucault, conselheiro de Estado, intendente naquela ocasião na Baixa Normandia, chamou-o ao seu lado.

No suave lazer de tão tranqüila posição, no meio de uma ampla biblioteca, Galland compôs várias obras menores. Foi aí que começou a imensa tradução dos Contos Árabes, tão conhecidos pelo nome de Mil e Uma Noites. Galland foi admitido pelo rei à academia das Inscrições. E imediatamente empreendeu para ela um Dicionário numismático, contendo a explicação dos nomes das dignidades, dos títulos de honra, e em geral de todos os termos singulares encontráveis nas medalhas antigas, gregas e romanas. Regressou, finalmente, para Paris em 1706.

Em 1709 foi nomeado professor de língua árabe no colégio real. Há outras obras escritas por Galland: Uma Relação das suas viagens, uma descrição particular da cidade de Constantinopla, adendas à Biblioteca Oriental de Herbelot, um catálogo dos historiadores turcos, árabes e persas, uma história geral dos imperadores turcos, uma tradução do Corão, com notas histórico-críticas, uma continuação da tradução das Mil e uma Noites.

Galland trabalhava sem cessar, fossem quais fossem as suas condições, pouca atenção dando às necessidades, e nenhuma ao conforto. Só tinha em mente a exatidão. Simples nos hábitos e nas maneiras como nas obras, teria ensinado por toda a vida a crianças os primeiros elementos de gramática com o mesmo prazer com o qual demonstrava a sua erudição em diferentes matérias.

Morreu em 17 de fevereiro de 1715, aos 69 anos.O amor das letras foi a última coisa que nele se extinguiu. Pouco antes da morte, julgou que as suas obras, o único bem por ele deixado, poderiam perder-se, pelo que deixou disposições, fielmente executadas, a fim de que os manuscritos orientais passassem para a biblioteca do rei, o Dicionário numismático para a Academia, e a sua tradução do Corão para o padre Bignon, como penhor da sua estima e do seu reconhecimento.

As Mil e uma Noites

Longe da finalidade moralizadora ou didática que caracteriza a literatura oriental, As mil e uma noites devem seu êxito e atualidade ao entretenimento que proporcionam: a magia, a aventura, o sobrenatural e o fantástico, a intervenção de gênios, gigantes e duendes fazem de muitos de seus contos clássicos da literatura universal.

As mil e uma noites (Alf layla u layl) são uma coletânea de contos orientais, de procedência diversa e autoria desconhecida. Sua trama central é bem conhecida. Desiludido das mulheres porque sua esposa o traíra, o rei Xariar ordena ao vizir que todas as noites lhe traga uma donzela.

Após possuí-la, manda matá-la na manhã seguinte. Por fim, cabe a vez a Xerazade, formosa filha do vizir. Esta, porém, concebe um estratagema. Noite após noite conta ao rei uma história, mas, interrompendo-a habilmente ao clarear o dia e retomando-a ao cair da noite, consegue manter sempre vivo o interesse do monarca, até ele resolver poupar sua vida.

Esse fio condutor é de origem indiana e chegou aos árabes pelos persas. Os contos que a ele se ligam, contêm elementos sobretudo árabes, persas e indostânicos. Supõe-se que tenham aparecido pela primeira vez, em língua árabe, no século VII, talvez adaptados de uma coletânea persa chamada Hazar afsaneh (Mil narrativas), conhecida por referências em obras de autores árabes do século X. Outros contos foram incorporando-se ao longo dos séculos ao relato central, até a versão definitiva da obra se completar no início do século XVI.

As histórias variam em sensibilidade e tipo. Em geral são de fadas, feiticeiros e "djins" (gênios), de amor cortesão, de viagens ou aventuras, de animais (fábulas), de fundo didático-moral, histórico, religioso, humorístico e erótico. Entre as mais conhecidas estão Aladim e a lâmpada maravilhosa, As aventuras de Simbá o marujo, Ali-Babá e os quarenta ladrões, A história do pescador e do gênio, O cavalo mágico e A história dos sete vizires.

A obra existe em diferentes versões, conforme foi decalcada, alternativamente, em cada uma das três tradições dos manuscritos (duas egípcias e uma asiática). Compiladores e tradutores orientais e ocidentais adaptaram-na ou acrescentaram-lhe trechos e novos contos. Talvez no século XVIII tenha sido revista com base numa das versões egípcias e em 1853 impressa na forma árabe definitiva.

Entre 1704 e 1712 apareceram na Europa os 12 volumes da tradução francesa de Antoine Galland, Les Mille et une nuits, contes arabes traduits en français (As mil e uma noites, contos árabes traduzidos para o francês), que ficou também conhecida como Os contos das mil e uma noites para crianças. Foi a primeira versão européia publicada, realizada a partir de dois manuscritos incompletos e das histórias fornecidas por um sírio. Serviu de base a numerosas traduções e ao acréscimo de fontes manuscritas ou orais que se realizaram durante a primeira metade do século XIX e que foram recompiladas por Maximilian Habicht na variante conhecida como edição Breslau (1825-1843).

Uma edição publicada em 1835, no Cairo, constituiu outra fonte importante para as traduções posteriores, a mais famosa das quais foi a inglesa The Thousand Nights and a Night (1885-1888), de Sir Richard Burton.

Outras traduções foram a alemã de Enno Littmann, a inglesa de John Payne e a francesa de Joseph Charles Mardruss. Em português, há uma edição em seis volumes prefaciada por Aquilino Ribeiro e traduzida por vários escritores, publicada em 1958.

O aparecimento de As mil e uma noites foi ponto de partida de uma onda de interesse pelas coisas orientais no século XVIII e começo do século XIX. A obra foi imitada na forma e nos motivos: Robert L. Stevenson escreveu as New Arabian Nights (1882; Novas noites árabes) e More New Arabian Nights (Mais novas noites árabes).

As mil e uma noites também inspirou a visão transfigurada do Oriente de Les Orientales (1829; As orientais), de Victor Hugo, e de Die Abbassiden (1834; Os abássidas) de August von Platen, e influenciou de diversas maneiras os escritores, como Voltaire em Zadig. É sabido também que a suntuosidade oriental das versões européias de As mil e uma noites influiu, provavelmente, em poemas de Coleridge e outros.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.