quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O Compromisso


A paixão que existia entre Carla e Armando era tanta que os amantes não mais se contentavam em jurar amor apenas por toda vida. Prometiam fidelidade para além da morte. Se um deles morresse, viria buscar o outro, para ficarem juntos pela eternidade.

O destino quis que Armando se fosse primeiro. Uma doença rara, em poucos meses, acabara com sua vida.

A princípio, Carla pensou em suicídio, mas logo percebeu que seu amor pela vida era ainda maior que sua dedicação pelo marido.

A promessa feita, contudo, não a deixava em paz. Passou a ouvir ruídos, distinguir passos. Tinha pesadelos com o cadáver do ex-marido perseguindo-a, puxando-a para debaixo da terra.

Uma noite, despertou sentindo um hálito quente na nuca, uma língua áspera a lamber-lhe o rosto. Gritou o mais alto que seus pulmões permitiam. O gato, seu bichinho de estimação, pulou da cama, saindo correndo do quarto. Fora apenas um susto.

Carla percebeu então, que seus nervos estavam, realmente, em estado deplorável. Não poderia mais ficar sozinha naquela casa, em que cada objeto parecia lembrar-lhe as juras feitas. Arrumou rapidamente uma pequena mala, decidida a voltar, pelo menos por um tempo, para a casa dos pais.

Retirou o carro da garagem, acelerou fundo e partiu. Repentinamente, sentiu um forte puxão no seu braço. Não conseguiu mais controlar o carro, que se despedaçou contra uma árvore, numa curva que conhecia muito.

Morrendo percebeu que, sob aquela árvore, ela e Armando haviam trocado seu primeiro beijo.


Fonte: "Crônicas de terror de Zé do caixão" - Editora Associação Beneficente e Cultural Zé do Caixão, SP, Brasil, 1993.

O Engano


Cíntia andava rapidamente. Já ia entardecendo e não havia sinal de pessoas as quais pudesse pedir por socorro. Ouvia o barulho das folhas secas sendo pisadas, como se estivesse sendo seguida. Receosa, começa a correr, ao que os passos também se apressam. O pânico toma conta da moça, que corre desorientada.

À sua frente, surgindo de trás de uma árvore, um homem. Assemelhava-se a um zumbi, a pele escura e enrugada, os olhos sem vida, um verdadeiro cadáver ambulante. Ela retorna, em fuga, mas de todas as direções aquelas figuras vão aparecendo, cercando-a. Parecia um filme de terror, como dezenas que já havia assistido. Os mortos se levantavam e iriam levá-la.

Paralisada, Cíntia olha aqueles seres que se aproximam. As roupas em retalhos, lábios, orelhas e narizes meio comidos pelos vermes. Pedaços de carne pendurados àqueles corpos, imensas crateras nos rostos, eles a queriam.

Apontam para ela, mas, estranhamente, não pareciam inamistosos. Mantêm distância, como que respeitando seu pavor. Ela percebe, então, que eles têm algo a dizer.

Somente então ela percebe. Há sangue em sua roupa.

Tomada por repentina consciência, leva as mãos à cabeça: seu crânio, estourado, deixava escapar um líquido viscoso, que vazava do seu cérebro. Ela havia sofrido um acidente, seu carro caíra num barranco.

Aqueles cadáveres não iriam fazer-lhe mal. Ao contrário, davam-lhe as boas-vindas ao reino dos mortos.


Fonte: "Crônicas de terror de Zé do caixão" - Editora Associação Beneficiente e Cultural Zé do Caixão, SP, Brasil, 1993.

A Iniciação da Bruxa

Ensayos - Los Caprichos, 1799 - Goya
O antropólogo espanhol Carmelo Lisón Tolosana cita o caso das "Bruxas de Zugarramurdi" como um exemplo para explicar a iniciação à bruxaria, seguindo a relação do processo inquisitorial publicado em Logroño no início de 1611, poucos meses depois de se realizar o auto de fé em que seis bruxas e bruxos foram queimados vivos.

De acordo com esta relação, a iniciação à bruxaria começava cedo. As bruxas-mestras, à noite, retiravam de suas camas crianças com menos de cinco anos enquanto seus pais dormiam, e as levavam voando para o Sabbath. Se elas contassem aos pais ou a alguém desses passeios noturnos, seriam espancadas por essas "tias" malignas.

Uma das tarefas dessas crianças, entre outras, era cuidar dos sapos pelos quais as bruxas obtinham unguentos ou pomadas que as faziam voar. A princípio, não eram obrigadas a abjurar de sua fé, porque ainda pequenas eram simplesmente apresentadas ao demônio, mas quando completavam seis anos de idade as bruxas-mestras as convenciam a renunciar Cristo através de guloseimas e promessas de coisas fantásticas.

A cerimônia de apostasia começava duas horas antes do Sabbath, quando a bruxa-mestra despertava o novato (a) o untando com um líquido fedorento verde-escuro — obtido de sapos — mãos, plantas dos pés, seios, cada uma das partes laterais e da frente da cabeça, proeminências, orelhas e partes pudendas do corpo, transportando seu corpo pelo ar.

Depois desse ritual é conduzido à reunião, onde diabo já o aguarda sentado em seu trono com uma aparência entre homem e bode, olhos enormes e assustadores, mãos como garras de aves de rapina, coroa com chifres pequenos e um grande chifre que saí de sua frente iluminando a reunião de bruxos e bruxas — a quem a bruxa-mestra apresenta a seu discípulo com as palavras: "Senhor, este eu trago e apresento".

Em seguida, o menino ou a menina ajoelhada ainda repete a renúncia (abjuração) pronunciada pelo diabo. "Negar a Deus, a Virgem Maria, Todos os Santos, batismo e confirmação, de ambas as crismas, de seus padrinhos e pais, da fé e de todos os cristãos”.

Depois de aceitar como seu novo deus e mestre Satanás, — que lhe levará ao paraíso — a nova bruxa ou bruxo faz seu primeiro ato de adoração ritual, beijando-lhe a mão esquerda, depois sua boca, seios, sobre o coração e nas partes íntimas; então o diabo se volta para o seu lado esquerdo, levanta a sua cauda que é igual à dos asnos, descobrindo assim seu imundo traseiro e o oferece para o discípulo (a) beijar.

Ósculo infame de uma bruxa no diabo - Compendium maleficarum, 1608

Satisfeito por esse ósculo infame, o novo senhor faz uma marca com uma unha da mão esquerda em algum lugar do corpo da nova bruxa, um sinal durará para sempre e que irá causar dor pelo menos um mês. Também marca a menina dos olhos deixando impressa a figura de um sapo, um sinal de que lhe servirá para conhecer outros membros da seita. Em seguida, é enviado para se divertir e dançar com outros bruxos (as) jovens ao som de pandeiro e flauta.

Mas eles ainda não são totalmente bruxos ou bruxas. Com os novos poderes que ganharam são obrigados a executar o mal, liderados por suas bruxas-professoras. Só com o passar do tempo é que recebem a “dignidade” de poder fazer poções ou venenos mediantes à bênção com a mão esquerda que lhes faz o diabo na reunião em que participam.

Em seguida, ele lhes entrega os sapos vestidos que deu às suas professoras quando renegaram a Cristo e, a partir de então, já podem obter destes o líquido fedorento com que hão de se untar para poderem voar, produzir poções ou venenos para matar pessoas e animais, destruir culturas e frutas.

A partir de agora eles não vão mais precisar de padrinhos ou professores, irão sozinhos às reuniões noturnas e poderão ser admitidos aos maiores segredos e maldades. Já são magos ou bruxas, membros de pleno direito da seita, desfrutando de interação direta, pessoal e mútua com seu deus e senhor.


Fonte: eanswers - Bruja