sábado, 6 de julho de 2013

Que desejava Fawcett afinal?

Coronel Fawcett
No mais entranhado da selva brasileira, na região mais desconhecida, inexplorada e desconforme, cortada por gigantescos rios, fecha o seu mistério para o planalto central, com suas tribos temíveis, suas feras e suas riquezas dignas das páginas das mil e uma noites, a história de Fawcett. Há por ali, o espectro fantástico de um passado, cujas trevas, a História ainda não conseguiu desvendar.

Percorrer aquelas trilhas é como caminhar num planeta distante, ou num oceano de folhas. Em cada ramo, há um perigo. Por trás de cada tronco, espia o imponderável. A alucinação persegue o viajante. Em todas as crônicas dos bandeirantes e exploradores do sertão imenso, mescla-se o divino com o humano, o fantástico com o real.

Lendas majestosas envolvem a selva. Ouro, ouro, ouro... E houve quem visse, na bárbara e cerrada floresta, ruínas de cidades de mármore, esculpido e outros vestígios de remotas civilizações. A lenda avolumou-se, o mistério da selva fez delirar as cabeças audaciosas. Sábios, exploradores e estudiosos, arquitetaram teorias e temeridades. Pensou-se que a milenar Atlântida, berço da civilização, seria hoje, o planalto central do Brasil, e que o mar verde da selva amazônica, de Mato Grosso, das regiões ignotas, entre cerros e pântanos inexpugnáveis, existiria ainda, uma civilização diferente da nossa, vinda em linha reta, do fundo das idades.

Mas foram os europeus que se, embrenharam na selva, uns com as bandeiras que dilataram os horizontes da Pátria, outros como missionários e outros, como exploradores. Entre estes, Fawcett.

A história de Fawcett

Como outros, o coronel Fawcett que andava havia vinte anos pela selva brasileira, como participante das comissões de limites de fronteira, sentiu-se um dia, fascinado pelas lendas da selva virgem. Em 1925, acompanhado de seu filho Jack e do explorador norte-americano Raleigh Rinsell, internou-se pela região até então inexplorada do Xingu, com auxílio do governo que lhe forneceu uma escolta e subsídio. Pouco depois, uma centena de quilômetros adiante, Fawcett despediu a escolta e apenas acompanhado dos seus, internou-se mais e mais no inferno verde. Parecia tomado de uma ideia fixa. Dizia-se que no Rio de Janeiro entrara em comunicação com espíritos e recebera mensagens do Além. Trazia uma flor mágica que esperava prodígios numa região onde eles eram pródigos. E julga-se que, no decorrer das suas viagens pelo sertão, recebera notícias dos índios que lhe faziam prever fulgurantes descobertas.

Já no ano anterior, o coronel Fawcett com a mesma mira ostensiva das rebuscadas atlântidas, embrenhara-se na região mesopotâmica do Paranapitinga e do Xingu. A selva, porém, fora, fora inexpugnável. O coronel, no ano seguinte, com o filho e amigo, insistiu, pelo mesmo trilho impossível. Por quê? O que buscava ele nesta insistência pela mesma senda de dificuldades e perigos?

Em julho de 1925, perto do rio das Mortes, a missão Fawcett deixou de ser conhecida no mundo. Os três aventureiros sumiram-se no mar vegetal de Mato Grosso. Em busca de quê? Não se sabe ao certo. Ir ao centro dos sertões procurar as ruínas de marmóreas da Atlântida parece façanha de visionário. E as circunstâncias que envolvem a sua excursão pelo matagal, demonstram que a milenar Atlântida, serviu apenas de disfarce à audaciosa caravana. O que parece provável é que Fawcett procurava as minas de ouro descobertas por Bartolomeu Bueno, o célebre "Anhanguera" dos índios, até hoje inexploradas por não ter sido possível localiza-las de novo. O roteiro seguido por Fawcett encaminhava-se para o local provável das minas, que no dizer dos antigos, são mais ricas do que as de Minas Gerais.

Ofir, as amazonas, Salomão e as descobertas do "Anhanguera"

Quem pode precisar onde estava a lendária Ofir dos tempos de Salomão, onde o potentado ia buscar as suas riquezas? Quem pode deixar de ligar o nome da grandiosa região brasileira, com as amazonas de que falam as lendas, as célebres mulheres guerreiras que defendiam a terra a ferro e pedra? Numa de suas incursões temerárias, Bartolomeu Bueno descobriu as minas a que chamou dos Martírios e de onde trouxe uma pepita de ouro que ofertou a Nossa Senhora da Penha, em São Paulo. Falhos de material para exploração, o bandeirante e sua gente regressaram ao litoral. O sertanista morreu, legando ao seu filho um roteiro impreciso, com o qual, no ano seguinte, uma nova bandeira se internou na selva em busca do imenso tesouro.

Não foi possível encontrá-lo. Homens e haveres perderam-se na expedição. Outras foram empós, procurando as minas de deslumbramento. Nunca as encontraram. Depois dessas malogradas expedições, deixou-se de procurar as minas dos Martírios. As jazidas famosas, passaram ao domínio da lenda, e houve mesmo quem duvidasse de sua existência. Ninguém mais se embrenhou nesses sertões - que, em 1924 e 1925, Fawcett devassa, em perseguição da Atlântida...

A presumível ossada do cel. Fawcett
É certo que os bandeirantes paulistas, assim contavam de minas de ouro e diamantes, falavam de cidades maravilhosas, mergulhadas na selva inextricável. Na Biblioteca Nacional existe um manuscrito datada de 1753, onde se conta que, no decurso de longas peregrinações pelo sertão, bandeirantes encontraram uma cidade magnífica, fortificada, que parecia ter sido destruída por um terremoto, e descrevem-na assim:

"Tem à entrada, três arcos gigantescos, com inscrições, e logo a seguir uma rua com casas de dois andares, as frontarias em pedra esculpida. Uma das pedras tem o relevo de um adolescente quase nu, coroado de louros, e armado de escudo. Penetramos nas casas, mas não vimos móveis ou quaisquer objetos. No fim da rua, encontramos uma enorme praça, com uma coluna de granito no meio, e, ao alto, a estátua de um homem de pé, com o braço direito apontando o Norte. Noutro ponto havia um palácio magnífico. Mais além um templo, com naves de granito, esculturas, emblemas diversos, e quantidades de ornatos."

O manuscrito relata mais maravilhas da cidade deserta, envolta nas ramarias verdes dos cipós. Outros bandeirantes deixaram relatos de cidades, com portadas de prata e ouro, colunas de prata, e mais fabulosas riquezas.

Fawcett, porém, desapareceu

De quando em quando, surge alguém que pertuba o mundo com a sombra de Fawcett. O engenheiro francês Conteville que em outubro de 1926 andou entre o Rio de Janeiro e Lima, numa entrada perigosa, aludiu a Fawcett, dizendo tê-lo encontrado em Mato Grosso, estropiado e febril, fechado numa atitude hostil para o europeu que invadia a selva onde ele investigava. Em agosto de 1927, o etnógrafo alemão Sandknehler declarou que encontrara Fawcett em Diamantina, pela mesma época em que Conteville declara tê-lo encontrado num local diametralmente oposto.

O sertanista Villas Boas segura o presumível crânio de Fawcett, ao lado do índio intérprete Narro.


Em 1928, o norte-americano Dyott percorreu os sertões em busca de Fawcett e diz ter recolhido a certeza de que o explorador havia sido morto por antropófagos. Contudo, o nosso governo afirmou desde logo que, pelo menos no lugar onde Gyott apontava o desaparecimento, não existiam antropófagos, mas apenas algumas tribos mansas. E continuou a novela em torno do explorador. A viúva afirmou que sabia, por comunicações espíritas, que seu marido continuava vivo prisioneiro dos índios, e que voltaria breve à civilização, portador de maravilhosas revelações. Um outro viajante surgiu, para informar que Fawcett vivia na Bolívia, como fazendeiro. Por fim, o caçador Ratin atirou ao mundo a notícia de ter encontrado Fawcett, preso na tribo dos Morcegos, índios que não existem na América do Sul...

Preso, assassinado com seus companheiros, Fawcett desapareceu, isso é certo, no inferno verde. As minas do "Anhanguera", as cidades maravilhosas da Atlântida, continuam ignoradas entre a muralha vegetal.

E a selva terrível continua a guardar o seu mistério.

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Fonte: "A Noite Illustrada", de 08/06/1954 - Texto: Roberto Ruiz.