domingo, 31 de janeiro de 2016

As Leis do Sangue


O vampirismo está sempre associado a um drama, uma maldição, uma doença psíquica hereditária. Na epopeia negra e vermelha dos vampiros apareciam casais amaldiçoados, homicidas megalômanos tais como o príncipe VIad Drakul, grandes famílias atingidas por um mal misterioso, como os Bathory ou os Cillei na Romênia do século XV.
   
Todos eles fascinados por uma espécie de vontade mórbida, rapidamente transformada em neurose, em obsessão. Cultivam desejos dos mais perturbadores, tais como Bárbara Cillei e seu irmão partilhando da mesma cama ou Vlad Drakul empalando os seus prisioneiros e fazendo-se servir de faustosas refeições, entre cadáveres suspensos de lanças e piques.

Vive-se febril e loucamente a sexualidade e a morte. O leito nupcial torna-se fúnebre pelas maldições e juramentos terríveis nele feitos. «Voltarei! » Uiva Bárbara Cillei antes de morrer. Herman, seu irmão, invocará os demônios da antiga magia para que a irmã ressuscite. As crônicas romenas da região da Transilvânia afirmam que o êxito teria sido completo. Bárbara Cillei saiu do túmulo visitando o castelo de Varazdin, onde tem a sua sepultura. Coincidências ou epidemias diabólicas? Em 1936, na aldeia de Kneginecc – perto de Varazdin – várias pessoas novas, mocinhas, pereceram de maneira estranha.

«Algumas morreram em poucas semanas, em dois ou três meses no máximo, sem se lhes conhecer qualquer doença. Todas tinham sobre a garganta duas ou três manchas azuladas. Muitos destes jovens acordavam durante a noite atormentados por horríveis pesadelos. »

O ritual do exorcismo praticou-se nas ruínas de Varazdin por um sacerdote ortodoxo da igreja do Oriente. Rapidamente pararam as manifestações. Dizem os velhos de Kneginec que o Grande Exorcista libertou a aldeia, mas ninguém esclarece se os restos mortais de Bárbara Cillei, morta no século XV, foram ou não exumados.

Os processos verbais que relatam os fenômenos vampirescos demonstram-nos através de que mecanismos o não morto se propaga e contamina quantos leiam. Citemos por exemplo o inquérito conduzido pelo tenente Buttner, do regimento de Alexandre de Vurtemberga, a 7 de janeiro de 1732, o Visum et Repertum, que intrigou Luís XV e o duque de Richelieu:

«Tendo ouvido dizer por mais de uma vez que na aldeia de Medwegga, na Sérvia, os pretensos vampiros provocavam a morte de muita gente sugando-lhes o sangue, recebi a ordem e missão, através do comando superior de Sua Majestade, para que o caso fosse esclarecido beneficiando, para questão de inquérito, do apoio de oficiais e de dois Unterfeldscherer.

»Perante o capitão da Companhia de Heiduques Gorschitz, Heiduck, Burjaktar e os outros heiduques mais antigos do local, examinamos os fatos. Estes, logo que interrogados, nos relataram unanimemente um caso ocorrido, havia cinco anos, com um heiduque da região (um heiduque é um membro da nobreza local) chamado Arnold Paul que ao cair do carro de feno partira o pescoço. Mais tarde, passados alguns anos, teria contado repetidas vezes ter sido vítima de um vampiro, perto de Casanova, na Pérsia turca. 

»Teria por esse fato resolvido comer alguma terra no túmulo de um vampiro, esfregando-se com o sangue do mesmo, uma vez ser voz corrente evitar assim a maléfica influência. Todavia, vinte ou trinta dias após a sua morte havia gente se queixando que Arnold Paul os atormentava, chegando mesmo a matar quatro pessoas. Para que se acabasse com este perigo, o heiduque aconselhou os habitantes dessa região a desenterrarem o vampiro e assim foi, quarenta dias depois da morte deste. Encontraram-no em perfeito estado de conservação; a carne não decomposta, os olhos injetados de sangue fresco que também escorria do nariz e dos ouvidos, sujando-lhe a camisa e a mortalha. As unhas das mãos e pés estavam soltas, e novas unhas cresciam em seu lugar, pelo que se concluiu tratar-se de um arqui-vampiro. Assim, segundo a norma do sítio, atravessaram-lhe o coração com uma estaca.

»Mas enquanto se procedia a esta ação, jorrou do corpo uma enorme quantidade de sangue, acompanhada de um lancinante grito. Nesse próprio dia foi queimado, e as cinzas lançadas ao túmulo. Aquela gente afirmava que as vítimas dos vampiros se transformam, por sua vez, em vampiros. Por tal razão se decidiu proceder da mesma forma para com os quatro corpos atrás referidos.

»O caso não ficou por aqui porque o dito Arnold Paul atacara não só pessoas, mas também gado!

»Aqueles que diziam ter comido carne de animal contaminado e que disso vieram a morrer ficaram presumíveis vampiros, tanto que no espaço de três meses, (em dois ou três dias) sem nenhuma doença previamente detectada, pereceram dezessete pessoas das idades mais diversas.

»Heiduque Joika faz saber que a sua nora, Staha Joica, se tendo deitado quinze dias antes de perfeita saúde, soltou durante a noite um grito medonho, acordou em sobressalto tremendo de medo, queixando-se de ter sido ferida no pescoço por um homem, filho do heiduque Milloe, que morrera havia quatro semanas. Desde então definhando hora a hora, morria oito dias depois.

»Por todas estas coisas nessa mesma tarde, depois de ouvidas as testemunhas, fomos ao cemitério acompanhados pelo heiduque da aldeia, para que se abrissem os túmulos suspeitos e se observassem os corpos.

»Esta investigação revelou os seguintes fatos:

»– Uma mulher de nome Stana, ao dar um filho à luz e no seguimento de uma curta doença de três dias, morreu aos 20 anos e 3 dias confessando que, para se livrar de toda a espécie de influências, se esfregara com sangue de vampiro. O seu estado de conservação era excelente. Aberto o corpo descobriu-se uma grande quantidade de sangue fresco na cavitate pectoris.

»– Miliza, uma mulher com 60 anos que morreu após três meses de doença e enterrada noventa e tal dias depois, tinha ainda uma quantidade de sangue em estado líquido.

»– Os oficiais do rei enumeram ainda onze pessoas da mesma aldeia, mortas em circunstâncias estranhas mantendo sangue fresco e concluem a seguir, no seu relatório: ‘Depois de devidamente registrado o que atrás foi exposto, ordenamos à ciganagem que passava que decapitassem todos esses vampiros. Foram queimados os corpos e espalhadas as cinzas por Morávia, enquanto, devolviam aos caixões, os corpos encontrados em estado de decomposição. ’

EU AFIRMO e os Unterfeldscherer, QUE TODAS AS COISAS SE PASSARAM TAL COMO ACABAMOS DE RELATA-LAS, em Medwegya, na Sérvia, a 7 de janeiro de 1732. »

Assinatura: os oficiais do rei... As testemunhas. Belgrado, 26 de janeiro 1732.


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

Vampirismo, uma Doença da Alma


"Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a ignomínia, para a reprovação eterna". Daniel (XII 1-3)

Segundo as lendas e as crenças o vampiro seria uma criatura da noite, um não morto absorvendo a vitalidade dos vivos para escapar ao túmulo. Construiria dessa forma uma espécie de imortalidade mágica na região das trevas, que separam a vida da morte.

Os vampiros existiram?

Processos verbais e crônicas do século XVIII são explícitos. No decorrer de certas exumações, sob o controle das autoridades locais, desenterraram-se cadáveres em perfeito estado de conservação: «O corpo não libertava qualquer cheiro, tinha sim, pelo contrário, mantido o seu estado de frescura sem que se apresentem o mínimo sinal de decomposição. O sangue que saía da boca do cadáver era tão fresco como se de uma pessoa sã se tratasse. O cabelo, a barba e as unhas tinham crescido e a pele começava a separar-se do corpo, enquanto uma nova se formava. O rosto, as mãos, os pés, estavam igualmente conservados» (Asfeld, 1730.)

Na maior parte dos casos; neste tipo de sepulturas (contrastando com as outras) registram-se tenebrosas vibrações. Fazem-se na aldeia o levantamento de muitas e misteriosas mortes, ocorridas na proximidade do cemitério. Animais degolados, homens e mulheres exangues, crianças mortas por debilidade e outros tantos casos de enlouquecimento.

Os agentes da polícia e os religiosos encarregados de fazer o inquérito dirigiram-se por fim ao cemitério, como era inevitável!

Os túmulos são abertos e o coração do cadáver é trespassado com o auxílio de uma estaca, a cabeça cortada à machadada e o caixão cheio de cal viva. Processos verbais, são redigidos e assinados pelos oficiais do rei e autenticados pelas autoridades locais.

Em 1776, D. Agustin Calmet, padre beneditino e abade de Senóvia, redigiu o seu Tratado sobre as aparições dos espíritos, reencarnações, anjos, demônios, e vampiros da Silésia e da Morávia, dedicado ao príncipe Carlos de Lorena, Bispo d’Olmütz.

Relata-nos ele: «Citam-se e ouvem-se testemunhas, examinam-se situações, observam-se os corpos exumados procurando sinais vulgares, como a mobilidade, a flexibilidade dos membros, a fluidez do sangue, a incorruptibilidade do corpo. Se tais pormenores forem na verdade observados concluir-se-á que são eles quem molesta os vivos, pelo que são entregues ao carrasco a fim de que ele os queime» E mais adiante, adverte do perigo que paira: «Este mal que espalha o terror, castiga particularmente a Hungria, a Polônia, a Silésia, a Morávia, a Áustria e a Lorena. Quem dele nos livrará, pois não deixará de aumentar caso não se puser cobro a tal situação? »

E conclui por fim: «No meio de tudo isto, não vejo senão trevas e dificuldades, cuja solução deixo aos mais hábeis e ousados. »

Superstições, alucinações, lendas ou presenças autênticas vindas de além-túmulo? A caça está aberta...

Quando se estuda o vampirismo pode dizer: “que se trata de uma via tenebrosa, de um culto da noite cuja divindade central seria o não morto visto que o vampiro cultiva a sua personalidade demoníaca. Ele ama o seu próprio corpo e tenta, por todos os meios mágicos, evitar a sua desintegração.

Os adeptos deste culto mudam de nome segundo as regiões, os dialetos, os costumes. O jesuíta Gabriel Rzazcynsi explica em 1721: «Há mortos que mesmo no túmulo conservam a avidez de devorar e que, à boa maneira dos espectros, fazem as suas vítimas pela vizinhança; os polacos dão-lhe o nome especial de Upiers e Upiercza. A Europa central foi, durante muito tempo, o feudo destes senhores da.noite, capazes de interromper o processo de decomposição do corpo, suspensos entre a vida e a morte nessas zonas de obscuridade que as antigas religiões povoavam de diabos, de demônios.

Nas províncias da Alemanha, em Hasse, Wurtenberg, Brunswick, afirmava-se que o cadáver-vampiro, uma vez saído do caixão, tinha o poder de se transformar em ave noturna e voar durante a noite à procura das suas vítimas.

Mais perto de nós, o professor Vukanovic assinalou danos causados pelos vampiros na Sérvia, nos anos de 1933,1940, 1947 e 1948, principalmente na província de Kosovo-Motohija.

Em 1970, o feiticeiro inglês David Farrant foi condenado, sem apelo nem agravo, a cinco anos de 'prisão por violação e profanação de sepultura. E no prosseguimento de numerosos testemunhos acerca de uma «presença» no cemitério de Highgate, no Norte de Londres, que Farrant e os seus adeptos tentaram um ritual de invocação do vampiro. Os jornais ingleses seguiram esta rocambolesca aventura durante várias semanas. Falou-se no caso de um caixão arrombado, de um cadáver decapitado por Farrant, de símbolos mágicos pintados sobre as sepulturas, de obsessões, de pesadelos que apavoravam os habitantes de Highgate, de animais degolados pelas veredas do cemitério, etc.

Assim o vampirismo, que tem como figura principal a sombria e arrogante figura do famoso príncipe Drácula – embora estejamos longe das epidemias vampirescas dos séculos XVIII e XIX –faz sempre os seus discípulos. Propõe um método para vencer a morte, utilizando o fascínio e o desejo, jogando com o medo e a obsessão. E uma espécie de espiritualidade contraditória que procura evitar a decomposição do corpo, mantendo os instintos e os impulsos selvagens do homem para além-túmulo. O oposto às espiritualidades libertadoras que partem as amarras e comunicam ao homem o sentimento de eternidade, a união com Deus.

A magia negra do vampiro permitiria obter uma eternidade fictícia, uma espécie de estado letárgico intermediário. O vampirismo seria uma doença da alma.


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

David e Salomão


O rei Salomão em toda a sua glória (Gravura bíblica)

Há pouca dúvida de que David e Salomão existiram. Mas há muita controvérsia sobre seu verdadeiro papel na história do povo hebreu. A Bíblia diz que a primeira unificação das tribos hebraicas aconteceu no reinado de Saul. Seu sucessor, David, organizou o Estado hebraico, eliminando adversários e preparando o terreno para que seu filho, Salomão, pudesse reinar sobre um vasto império. O período salomônico (970 a.C. a 930 a.C.) teria sido marcado pela construção do Templo de Jerusalém e a entronização da Arca da Aliança em seu altar.

Não há registros históricos ou arqueológicos da existência de Saul, mas a arqueologia mostra que boa parte dos hebreus ainda vivia em aldeias nas montanhas no período em que ele teria vivido (por volta de 1000 a.C.) – assim, Saul seria apenas um entre os muitos líderes tribais hebreus. Quanto a David, há pelos menos um achado arqueológico importante: em 1993 foi encontrada uma pedra de basalto datada do século IX a.C. com escritos que mencionam um rei David.

Por outro lado, não há qualquer evidência das conquistas de David narradas na Bíblia, como sua vitória sobre o gigante Golias. Ao contrário, as cidades canaanitas mencionadas como destruídas por seus exércitos teriam continuado sua vida normalmente. Na verdade, David não teria sido o grande líder que a Bíblia afirma. Seu papel teria sido muito menor. Ele pode ter sido o líder de um grupo de rebeldes que vivia nas montanhas, chamados apiru (palavra de onde deriva a palavra hebreu) – uma espécie de guerrilheiro que ameaçava as cidades do sul da Palestina. Quanto ao império salomônico cantado em verso e prosa na Torá hebraica, a verdade é que não foram achadas ruínas de arquitetura monumental em Jerusalém ou qualquer das outras cidades citadas na Bíblia.

O principal indício de que as conquistas de David e o império de Salomão são, em sua maior parte, invenções é que, no período em que teriam vivido, a arqueologia prova que a cultura canaanita (que, segundo a Bíblia, teria sido destruída) continuava viva. A conclusão é que David e Salomão teriam sido apenas pequenos líderes tribais de Judá, um Estado pobre e politicamente inexpressivo localizado no sul da Palestina.

Na verdade, o grande momento da história hebraica teria acontecido não no período salomônico, mas cerca de um século mais tarde. Entre 884 e 873 a.C., foi fundada Samária, a capital do reino de Israel, no norte da Palestina, sob a liderança do rei israelita Omri. Enquanto Judá permanecia pobre e esquecida no sul, os israelitas do norte faziam alianças com os assírios e viviam um período de grande desenvolvimento econômico. A arqueologia demonstrou que os monumentos normalmente atribuídos a Salomão foram, na verdade, erguidos pelos omridas. Ou seja: o primeiro grande Estado judaico não teve a liderança de Salomão, e sim dos reis da dinastia omrida.

Enriquecido pelos acordos comerciais com Assíria e Egito, o rei Ahab, filho de Omri, ordena a construção dos palácios de Megiddo e as muralhas de Hazor, entre outras obras. Hoje, os restos arqueológicos desses palácios e muralhas são o principal ponto de discórdia entre os arqueólogos que estudam a Torá. Muitos ainda os atribuem a Salomão, numa atitude muito mais de fé do que de rigor científico, já que as datações mais recentes indicam que Salomão nunca ergueu palácios.


por Vinícius Romanini 
Para a Revista SuperInteressante