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domingo, 14 de agosto de 2011

Uma ilusão referente a um Urso e um Asno

Um cavalheiro sóbrio e grave, cujo nome não darei nesta história, porque ela é antes produto de uma enfermidade do espírito do que de uma real deficiência do cérebro, tinha, por um longo desuso da parte viva de seu sentido, parte que não lhe faltava em outros tempos, se deixado afundar numa condição muito baixa de espírito, e permitido que a hipocondria se espraiasse, em vapor e fumaças, em sua cabeça.

Era uma enfermidade que tinha suas crises e seus intervalos. Algumas vezes, ele via clara e justamente as coisas, mas, outras vezes, enxergava estrelas ao meio-dia e demônios de noite. Numa palavra, o mundo era uma aparição para a sua faculdade imaginativa quando a doença prevalecia e o aborrecimento dele tomava conta. Tudo isso ele não sabia explicar, nem podia ajudar a operação de seu físico por qualquer dos poderes de que dispunha para curar-se.

Aconteceu que ficou fora de casa, na residência de um amigo, mais tarde do que de costume, uma noite, mas, como havia lua cheia e ele tinha a companhia de um empregado, sentia-se bem, e mostrou-se animado e mesmo alegre, com uma forte soma de bom humor - mais do que se observara nele por muito tempo.

Conhecia perfeitamente o caminho de volta, porque não se encontrava a mais de três milhas da cidade em que vivia, e estava muito bem montado. Mas, embora a lua brilhasse no céu, perturbou-o o acidente de que havia nuvens, e, mais do que tudo, de que uma nuvem muito escura apareceu subitamente (quer dizer, sem que ele a notasse, e assim subitamente para ele) e pairou sobre sua cabeça, o que tornou tudo muito escuro. E, para mais perturbá-lo, ainda, começou a chover violentamente.

Nessas condições, estando muito bem montado, como eu já disse, resolveu galopar, pois não estava a mais de duas milhas da cidade. Assim, esporeando o cavalo, fê-lo correr. O empregado, cujo nome era Gervásio, não estando tão bem provido de montaria, ficou para trás. A escuridão e a chuva juntas irritaram um tanto o nosso cavalheiro, mas como eram coisas inesperadas fizeram-no galopar com mais velocidade, em vez de diminuir o ritmo do cavalo.

Um Acusador Fantasmagórico

Ouvi contar a história que me parece verídica de um homem trazido à barra da justiça por suspeita de assassinato, mas de um assassinato que ele não imaginava ser possível ao conhecimento humano desvendar.

Quando teve de fazer juramento no tribunal declarou-se inocente, e a corte começou a carecer de provas, só aparecendo suspeitas e circunstâncias. No entanto, todas as testemunhas possíveis foram examinadas, colocando-se estas, como é de costume, num pequeno estrado, para serem visíveis de todo o tribunal.

Quando a corte pensou que não tinha mais testemunhas para inquirir e já estava o homem prestes a ser absolvido, ele deu um salto no lugar onde se achava, como se alguma coisa o amedrontasse. Recobrando, no entanto, a coragem, apontou com o braço para um sítio onde se situavam usualmente testemunhas para depor em julgamento, e fazendo sinais com a mão disse:

- Meritíssimo. Isso não é justo. Isso não é legal. Ele não é uma testemunha legal!

A corte ficou surpresa e não podia entender o que queria dizer o homem. Mas o juiz, um homem de mais penetração, compreendeu o que se passava e, fazendo calar alguns da corte, que desejavam falar e que talvez tivessem ajudado o homem a recuperar a razão, disse:

-Quietos! - disse ele. - O homem vê alguma coisa mais do que nós vemos. Começo a entendê-lo.

E, virando-se para o prisioneiro:

-Como? - disse ele. - Ele não é uma testemunha legal? Creio que a corte aceitará o que disser quando vier a falar.

O Diabo brinca com um Mordomo

Um cavalheiro na Irlanda, que vivia perto da casa do conde de Orrery, enviou seu mordomo uma tarde para uma aldeia próxima, a comprar cartas de baralho.

Quando este passou por um campo, divisou um grupo no meio, sentado em torno de uma mesa, onde havia várias iguarias. Quando se aproximou do grupo, todos os seus componentes se levantaram e o saudaram, expressando o desejo de que se sentasse e com eles partilhasse da comida. 

Um deles, no entanto, sussurrou as seguintes palavras no seu ouvido: - Nada faça do que eles o convidam a fazer. - Então, como ele recusou a aceitar-lhes o convite, a mesa e todas as iguarias que a eles guarneciam desapareceram, mas o grupo entrou a dançar ao som de vários instrumentos.

Foi outra vez o mordomo solicitado a participar dos divertimentos, mas nada o convencia a neles ingressar. Por esse motivo, os membros do grupo abandonaram o seu divertimento e começaram a trabalhar, solicitando ainda ao mordomo que a eles se juntasse. Este, no entanto, recusou. Assim, diante de sua terceira recusa, eles todos desapareceram e deixaram o mordomo sozinho, o qual, muito consternado, regressou à casa sem os baralhos, desmaiou quando passou pela porta, mas recuperou os sentidos e contou a seu patrão tudo o que se passara.

Na noite seguinte, um dos fantasmas veio para o pé de sua cama e disse-lhe que, se ousasse dela sair no dia seguinte, seria carregado. Aceito esse conselho, manteve-se quieto até a tardinha, mas, tendo necessidade de urinar, aventurou-se a colocar um pé para fora da porta, coisa que ele tinha acabado de fazer quando uma corda lhe foi passada pela cintura, à vista de várias testemunhas, e o pobre homem foi arrastado para fora da casa com uma rapidez inexplicável, seguido por muitas pessoas.

O Espectro e o Salteador

Uma história nos conta que Hind, o famoso assaltante, o mais famoso desde Robin Hood, encontrou um espectro na estrada num sítio chamado Stangate-hole, no condado de Huntingdon, lugar onde usualmente cometia seus roubos, e famoso por muito assalto de estrada, desde então.

O espectro apareceu na forma de um simples vendedor rural de gado. E como o diabo conhecia muito bem os lugares em que Hind se escondia e que freqüentava, chegou a uma hospedaria, pôs o cavalo na cocheira e fez com que o hospedeiro carregasse a mala que trazia, que era muito pesada, até o quarto que alugara.

Quando se viu no quarto, abriu a mala, retirou o dinheiro, que parecia estar contido em vários pequenos embrulhos, e o colocou em não mais do que dois sacos, distribuídos de maneira a pesar igualmente dos dois lados do cavalo e a chamar tanta atenção quanto possível.

E raro que as hospedarias que abrigam ladrões não sejam freqüentadas por espias, para que proporcionem aos primeiros as necessárias informações. Hind soube do dinheiro, olhou o homem, olhou o cavalo, para que os pudesse reconhecer. Apurou a direção para onde se dirigia o comerciante. Esperou-o e encontrou-o em Stangate-hole, bem no fundo da garganta entre as duas colinas, e o fez parar, dizendo-lhe que devia entregar o dinheiro.

Quando Hind mencionou o dinheiro, o vendedor simulou surpresa, fingiu cair em pânico, tremeu, demonstrou bem o medo, e num tom digno de compaixão disse:

sábado, 13 de agosto de 2011

A Aparição da Senhora Veal

Este relato é verdadeiro e cercado por muitas circunstâncias que podem induzir qualquer homem sensato a acreditar nele. Foi enviado por um cavalheiro, um juiz da paz em Maidstone, no Kent, e pessoa de muita inteligência, a um amigo seu em Londres, tal como está aqui redigido.

O texto é certificado por uma dama parente do citado juiz da paz e que é pessoa de mente sóbria e de grande compreensão, a qual vive em Canterbury, a umas poucas portas da casa em que mora a senhora Bargrave, nomeada no relato. O juiz da paz acredita que sua parente é de espírito tão atilado que nunca se deixaria enganar por qualquer fraude. Ela própria garantiu-lhe positivamente que a questão toda tal como aqui relatada e redigida constitui a verdade, e a mesma coisa que ela ouviu aproximadamente nas mesmas palavras da boca da mesma senhora Bargrave, a qual, ela sabe, não tinha razão para inventar e divulgar tal história, nem desejo de forjar e contar uma mentira, sendo uma mulher muito honesta e virtuosa, e toda a sua vida um exemplo de piedade.

O proveito que podemos tirar desse documento é ter em mente que há uma vida por vir depois desta e um Deus justo que retribuirá à cada um segundo os atos feitos com este corpo atual; devemos, portanto, refletir no que tem sido a nossa vida; não esquecer de que o tempo de que dispomos é curto e incerto e que, se quisermos escapar à punição reservada aos ímpios e alcançar a recompensa dos que procedem bem, que é a vida eterna, temos de, no tempo que nos resta, voltar a Deus por um rápido arrependimento, deixando de co¬meter o mal e aprendendo a fazer o bem. partindo em busca de Deus, se com felicidade Ele possa ser de nós encontrado, e de levar tais vidas no futuro que Lhe possam ser agradáveis.

Isto que vou contar é tão raro em todas as suas circunstâncias, e fundado em tão boa autoridade, que toda a minha leitura e as minhas conversas nada me forneceram de semelhante. E coisa apta a satisfazer o investigador mais destro e exigente.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Daniel Defoe

O profundo conhecimento da sociedade em que viveu e o talento para analisar os mínimos detalhes da existência cotidiana fizeram de Defoe um precursor do romance realista inglês.

Daniel Defoe nasceu em Londres em 1660. Membro de uma família dissidente da Igreja Anglicana, recebeu esmerada educação literária. Pretendia seguir a carreira eclesiástica, mas acabou se estabelecendo como comerciante por volta de 1683.

Atraído pela política, começou a escrever numerosos panfletos, um dos quais motivou seu encarceramento e a condenação ao pelourinho. Enquanto aguardava o cumprimento da pena, Defoe redigiu o célebre Hymn to the Pillory (1703; Hino ao pelourinho), que transformou a sentença num retumbante triunfo para ele. Contudo, ficou quase um ano preso em Newgate.

Uma vez livre, Defoe, cujos negócios estavam falidos, fundou em 1704 o periódico Review, de tendência conservadora, em que tratava de uma grande variedade de temas, e por isso foi considerado um precursor do jornalismo moderno. Decidindo-se pela literatura, publicou em 1719 Robinson Crusoe, romance que o tornou célebre.

Vazado em estilo realista e simples, inspirava-se na história verídica de Alexander Selkirk, marinheiro abandonado durante anos numa ilha deserta. A obra fez grande sucesso, embora, a princípio, fosse considerada apenas um relato de aventuras e só depois tenha assumido o caráter de símbolo do homem que enfrenta a natureza valendo-se apenas de suas forças e de sua razão.

Moll Flanders (1722) trazia o mesmo substrato moralista da obra anterior, mas graças à vivacidade da narrativa e à descrição realista da vida nas camadas inferiores da sociedade, constituiu um passo decisivo na história do romance social.

Em seus últimos anos de vida, o escritor manteve intensa atividade, mas tanto A Journal of the Plague Year (1722; Diário do ano da peste), minuciosa descrição dos horrores provocados em 1665 pela peste em Londres, quanto o romance Roxana (1724) são marcados por certa monotonia estilística.

Daniel Defoe morreu em Londres em 24 de abril de 1731.

Fonte: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

sábado, 22 de novembro de 2008

O Diabo e o Relojoeiro


Vivia na paróquia de S. Bennet Fynk, perto da Bolsa Real, uma viúva pobre e honesta, a qual, tendo perdido o marido, aceitou inquilinos em sua casa, isto é, alugou algumas peças desta a fim de reduzir a despesa do aluguel.

Entre outras, cedeu a água-furtada a um fabricante de maquinarias de relógio, ou que fazia peças do gênero, e, segundo o hábito da época, trabalhava para as relojoarias.

Certo dia, um homem e uma mulher subiram para falar com o relojoeiro sobre alguma coisa relacionada a sua profissão. Chegando perto da escada, e vendo a porta inteiramente aberta, conseguiram enxergar o pobre infeliz (o fazedor de relógios ou de seus mecanismos) enforcado numa viga que saía da parede, um pouco abaixo do teto. Surpreendida com o espetáculo, a mulher parou e gritou para o homem que a seguia pela escada para que corresse e cortasse a corda do infeliz.

Naquele momento, de um canto do quarto, que da escada não era possível ver, corre outro homem, trazendo na mão um banco dobradiço, como quem vinha com muita pressa, e coloca-o no chão debaixo do pobre enforcado, e, apressado sempre, sobe ao banco, tira do bolso uma faca e, segurando a corda com uma das mãos, acena com a cabeça para o casal que se achava na porta, como para dizer-lhes que parassem, que não subissem, e mostra-lhes a faca na outra mão, como se estivesse a ponto de cortar a corda do enforcado.

Nisso a mulher estacou, mas o homem que estava no banco dobradiço continuava a remexer na corda com a mão e com a faca, como procurando o nó, mas sem dar o corte. Então a mulher gritou outra vez, e o homem que vinha atrás dela falou:

— Vamos subir – disse ele – supondo que havia algum obstáculo – e ajudar o homem que está no banco.

Mas o homem que estava no banco fez-lhe de novo sinais para ficarem quietos e não subirem, como a dizer: — Faço isso num instante. Deu dois cortes com a faca como se cortasse a corda e parou outra vez. Entretanto, o pobre continuava enforcado e, consequentemente, morrendo. Nisso a mulher pergunta:

— Que há? Por que não corta a corda duma vez?

E o homem que estava atrás dela, esgotada a paciência, empurrou-a para o lado e disse-lhe:

— Deixe que resolvo isso!

E sobe correndo e invade o quarto.

Mas, quando ali chegou, vejam, o mísero lá estava enforcado, porem não se via nenhum homem com faca, nem banco dobradiço, nem outra coisa qualquer. Tudo isso não passara de espectro e ilusão, destinados, sem dúvida, a deixar perecer e expirar o pobre infeliz que se tinha enforcado.

O homem ficou tão surpreso e aterrado que, não obstante a coragem de que dera mostra, caiu no chão como morto. E a mulher viu-se na obrigação de cortar a corda ao enforcado com uma tesoura, só o conseguindo com grande esforço.

Como não tenho motivo para duvidar da veracidade desta história, que soube por pessoas em cuja honestidade posso confiar, penso que não nos será nada difícil saber quem podia ser o homem do banco: era o Diabo, que lá se pusera a fim de acabar o assassínio do homem, a quem, na sua condição de Diabo, havia tentado e levado a ser o carrasco de si mesmo. O fato, aliás, corresponde tão bem a natureza do Diabo e ao seu ofício, o de assassino, que nunca o pus em dúvida. Nem me parece injustiça com o Diabo acusá-lo desse crime.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Fantasma Útil

Um cavalheiro residente no campo, possuía na sua área um antigo mosteiro, já em ruínas, e resolveu demolir o que restava dele. Logo surpreendeu-se com os custos da demolição e a remoção dos materiais. Astuto, ele imaginou uma estratégia para espalhar a notícia de que a casa era mal-assombrada.

Em pouco tempo todos os moradores da região começaram a acreditar no fantasma, pois o cavalheiro contratara um cidadão para atravessar correndo pelo interior das ruínas, envolvido num lençol branco, sempre que os moradores por ali passassem nas noites escuras.

Foi grande o número de pessoas que ouviram aquelas histórias e, apesar de não poderem distinguir de que se tratava, passaram a crer na mistificação imaginada pelo proprietário. O contratado divertia-se também, fazendo com enxofre e outros materiais de média combustão, a formação de lampejos de fogo e fumaça.

O plano surtiu seu efeito e o cavalheiro fantasiou ainda mais, passando a idéia de que naquelas fundações haviam antigas moedas de grande valor. Então o contratado, compreendendo a idéia do contratante, a cada saída fazia barulho com os pés parecendo estar cavando. Na verdade o cavalheiro se mostrava indiferente com relação às moedas e alguns cidadãos da aldeia não percebendo essa fingida displicência, propuseram fazer a escavação, desde que lhes entregasse parte das moedas. Ávidos e certos do sucesso, propuseram pôr a casa abaixo se ficassem com o dinheiro.

No entanto, o cavalheiro não concordou e achou a proposta injusta. Consentiria a escavação, desde que transportassem todo o material e o lixo, empilhassem os tijolos e as madeiras no pátio junto da casa, e se contentassem com a metade do dinheiro encontrado.

Eles acabaram concordando e puseram mão à obra. A primeira coisa que demoliram foram as chaminés - um trabalho árduo. Temendo que desistissem, o cavalheiro escondeu vinte e sete moedas de ouro num buraco, que fechou com tijolos. Quando encontraram o dinheiro se entusiasmaram e correram para o cavalheiro, que se mostrou generoso e deixou que todas as moedas fossem distribuídas entre eles, mas acrescentou que a partir dali as moedas encontradas seriam divididas com ele.

Portanto, esse primeiro bocado fez com que os camponeses passassem a trabalhar com redobrada dedicação. Tiveram ainda mais empenho quando descobriram vários objetos de valor, assim considerados por eles originários da primitiva condição de mosteiro. E assim, entre sonhos e a realidade, se animaram de tal forma que arrancaram do chão as raízes e cavaram nos alicerces na busca das moedas.

Para o cavalheiro estava tudo resolvido a custo reduzido. No entanto, tão forte era a convicção de que encontrariam mais dinheiro, que os aldeões continuavam a trabalhar ininterruptamente, como se as almas das velhas monjas ou frades estivessem ainda resguardando algum tesouro escondido, sem lhes permitir o repouso eterno, temendo que tantos anos depois ele pudesse ser encontrado naquelas ruínas de duzentos anos.

por Daniel Defoe