Um cavalheiro na Irlanda, que vivia perto da casa do conde de Orrery, enviou seu mordomo uma tarde para uma aldeia próxima, a comprar cartas de baralho.
Quando este passou por um campo, divisou um grupo no meio, sentado em torno de uma mesa, onde havia várias iguarias. Quando se aproximou do grupo, todos os seus componentes se levantaram e o saudaram, expressando o desejo de que se sentasse e com eles partilhasse da comida.
Um deles, no entanto, sussurrou as seguintes palavras no seu ouvido: - Nada faça do que eles o convidam a fazer. - Então, como ele recusou a aceitar-lhes o convite, a mesa e todas as iguarias que a eles guarneciam desapareceram, mas o grupo entrou a dançar ao som de vários instrumentos.
Foi outra vez o mordomo solicitado a participar dos divertimentos, mas nada o convencia a neles ingressar. Por esse motivo, os membros do grupo abandonaram o seu divertimento e começaram a trabalhar, solicitando ainda ao mordomo que a eles se juntasse. Este, no entanto, recusou. Assim, diante de sua terceira recusa, eles todos desapareceram e deixaram o mordomo sozinho, o qual, muito consternado, regressou à casa sem os baralhos, desmaiou quando passou pela porta, mas recuperou os sentidos e contou a seu patrão tudo o que se passara.
Na noite seguinte, um dos fantasmas veio para o pé de sua cama e disse-lhe que, se ousasse dela sair no dia seguinte, seria carregado. Aceito esse conselho, manteve-se quieto até a tardinha, mas, tendo necessidade de urinar, aventurou-se a colocar um pé para fora da porta, coisa que ele tinha acabado de fazer quando uma corda lhe foi passada pela cintura, à vista de várias testemunhas, e o pobre homem foi arrastado para fora da casa com uma rapidez inexplicável, seguido por muitas pessoas.
Mas não foram bastante ágeis para alcançá-lo, até que um cavaleiro, muito bem montado, encontrando-o na estrada e vendo muitos seguidores atrás de um homem puxado por uma corda, sem que ninguém o forçasse, pegou da corda e o parou em sua carreira, mas, em pagamento, recebeu uma tal lambada nas costas, com uma das extremidades da corda, que quase caiu do cavalo. No entanto, sendo um bom cristão, ele se mostrou excessivamente forte para o diabo, e resgatou o mordomo dentre as mãos dos espíritos, trazendo-o de volta para seus amigos.
O lord Orrery, ouvindo falar de tais lances, para conhecer-lhes melhor a verdade, mandou chamar o mordomo, com permissão de seu empregador, e pediu-lhe que passasse algumas noites em sua casa, ao que o empregado obedeceu. O empregado, depois de ali pernoitar pela primeira vez, disse ao conde que o espectro voltara a visitá-lo e lhe dissera que naquele mesmo dia ele desapareceria nos braços dos espíritos, por mais que se tomassem medidas para impedir que isso acontecesse. Diante do que foi levado a um grande aposento, onde se encontravam em grande número pessoas santas para defendê-lo dos assaltos de Satã, entre as quais estava o famoso restaurador de pessoas enfeitiçadas, o senhor Geatrix, que morava nos arredores, e sabia, como se pode supor, como tratar o diabo tão bem quanto qualquer outra pessoa. Além disso, havia dignitários eminentes na casa, entre os quais dois bispos, todos esperando o acontecimento maravilhoso de tal inexplicável prodígio.
Até que decorresse parte da tarde, o tempo passou-se em paz e tranqüilidade, mas, por fim, percebeu-se que o paciente encantado elevava-se do solo sem qualquer ajuda visível, o que fez com que o senhor Geatrix e outro homem, este muito forte, o agarrassem pelos ombros e procurassem trazê-lo de volta ao solo, mas sem resultado. Pois o diabo mostrou-se excessivamente poderoso e, depois de uma luta renhida entre as partes opostas, obrigou os seus inimigos a largar o homem e, retirando-lhes o mordomo, transportou-o por sobre a cabeça dos presentes e o atirou no ar, de um lado para o outro, como se fosse um cachorro num lençol, enquanto várias pessoas corriam por debaixo do pobre homem para evitar que caísse ao chão. Por quais meios, quando terminou a brincadeira dos espíritos, não se pôde achar como naquela baderna, houvesse o amedrontado mordomo recebido o menor dano, saído ileso, aparecendo no mesmo lugar, na mesma condição, para provar que o demônio é um mentiroso.
Os duendes tendo, nessa ocasião, abandonado o seu passatempo e deixado o objeto de seu escárnio repousar um pouco, para que se pudesse revigorar antes do novo ataque, o lorde ordenou que, na mesma noite, dois de seus empregados com ele dormissem, com medo de que o diabo ou outra entidade viesse e o agarrasse, cochilando. Não obstante isso, o mordomo disse ao lorde na manhã seguinte que o espírito voltara a visitá-lo, com a aparência de um falso médico, e trazia na mão direita um prato de madeira cheio de um licor verde, como caldo de carne, à vista do que tentou acordar os seus companheiros de leito.
Mas o espectro disse-lhe que suas tentativas eram baldadas, pois seus companheiros, encantados, estavam mergulhados num profundo sono, e avisou-o para não se atemorizar, porque ele era o mesmo espírito que o precavera no campo, para que não se juntasse ao grupo que ali se reunia, quando partira para comprar cartas de jogar; acrescentou o espírito que se o mordomo não se tivesse recusado a obedecer ao que lhe pedia o grupo teria passado a sofrer a vida inteira. Também o espírito se mostrou espantado de que o mordomo houvesse escapado no dia anterior, porque sabia que contra ele se formara uma poderosa combinação. Disse que no futuro não haveria mais tentativas da mesma natureza. Afirmou o espectro que sabia que o mordomo era sujeito a duas espécies de acessos e que, como amigo, trouxera um remédio que o curaria de ambos, aconselhando-o a que o tomasse.
Mas o pobre paciente, que fora miseravelmente tratado por tal espécie de charlatães vestidos de médicos, e temendo que o demônio estivesse no fundo do prato, não queria deixar-se convencer a engolir a dose, o que enfureceu o espírito. Este disse-lhe, no entanto, que sentia afeição por ele, mordomo, e que, se este amassasse as raízes de uma bananeira, sem as folhas, e bebesse o sumo, ficaria certamente curado de uma espécie de seus acessos. Mas, como punição por causa da teimosia que o mordomo havia demonstrado, sofreria da outra espécie de acessos até morrer.
Então, o doutor espiritual perguntou ao paciente se o conhecia. O mordomo disse que não.
- Eu sou - disse ele - o fantasma errante, a alma penada de seu velho conhecido John Hobby, que faleceu e foi enterrado faz sete anos. E desde então, por causa do mal que fiz em vida, tenho andado em companhia desses maus espíritos que você viu no campo, e sou levado de um lado para o outro nessa condição em que não encontro repouso, estando fadado a continuar no mesmo estado miserável até o dia do juízo final. - Acrescentou o espírito fantasiado de falso médico: - Se você tivesse servido o seu Criador nos dias da juventude, e rezado na manhã em que saiu para comprar cartas de baralho, não teria sido tratado pelos espíritos que o atormentaram com tanto rigor e severidade.
Depois que o mordomo relatou tais passagens maravilhosas ao lorde e família, consultaram-se os dois bispos, presentes entre outras pessoas de qualidade, para saber se devia o mordomo seguir o conselho do espírito e tomar o sumo da bananeira, e se fizera bem ou mal ao recusar tomar o líquido que o espectro lhe oferecera. A questão ao princípio pareceu objeto de discussão, mas, depois de algum tempo, chegaram os bispos à conclusão de que o mordomo agira como um bom cristão, em todo o assunto, pois era um grande pecado seguir o conselho do diabo em qualquer coisa, e que nenhum homem devia praticar o mal com a esperança de conseguir o bem.
Em resumo, o pobre mordomo, depois de seus sofrimentos, não obteve qualquer recompensa pelo que passara, tendo-lhe sido negado, pelos bispos, o benefício, ou a aparência de benefício, que o espírito pretendia conferir-lhe.
Daniel Defoe (1660-1731), o célebre autor de As aventuras de Robinson Crusoé
foi um dos mais prolíficos escritores que se conhece, com mais de 500
títulos publicados. Entre os inúmeros gêneros que abordou (religião,
política, sociologia, história, ficção, poesia) no seu jornal The Review
(que ele escrevia praticamente sozinho). Defoe acreditava profundamente
na reencarnação e escreveu Contos de Fantasmas baseado em
entrevistas ou relatos conhecidos. Segundo ele, os episódios aqui
relacionados – com exceção dos que estão agrupados sob o título de
"Falsos fantasmas" – são todos verdadeiros e, em alguns deles, ele
estaria disposta a ir em juízo, levando testemunhas e provas concretas.
"A aparição da senhora Veal" é um dos exemplos.
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Grande d +
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