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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A Origem dos Maiores Contos de Terror

Cena de "Bride of Frankenstein" (1935): Byron, Mary e Percy Shelley na noite tempestuosa

Entre 15 e 17 de junho de 1816, uma tempestade deixou cinco amigos ingleses presos na mansão Villa Diodati, às margens do lago Genebra, na Suíça. Fechados na casa cercada de vinhedos e com vista para montanhas nevadas, começaram a ler contos de terror em voz alta. Quando se cansaram, resolveram escrever suas próprias histórias de fantasmas. 

Acontece que aquela não era uma casa qualquer - já tinha abrigado o poeta John Milton e os pensadores Rousseau e Voltaire. E esta turma também não estava para brincadeira. Seu líder era George Gordon Byron, o lorde Byron, o mais famoso poeta romântico da literatura britânica. A seu lado estavam o médico e escritor John William Polidori, o poeta Percy Shelly, sua namorada Mary e a meia-irmã dela, Claire Clairmont.

Em três dias de verão suíço, esses colegas de farra criaram dois dos maiores personagens de terror já inventados: o doutor Frankenstein, com sua criatura feita de pedaços de cadáveres, e lorde Ruthven, antecessor direto do conde Drácula moderno.

Para alguns dos presentes, a proposta de Byron não foi muito longe. John Polidori começou a escrever o caso de uma mulher que espia por um buraco de fechadura e tem a cabeça transformada em caveira.

Percy Shelley redigiu o hoje pouco conhecido "Fragmento de uma História de Fantasma".

Byron elaborou o fragmento da história de um nobre imortal, Augustus Darvell, que se alimentava do sangue de suas vítimas.

Mas, para Mary, a tarefa chegou perto da obsessão. A ponto de, dois anos depois, a escritora ter aproveitado um sonho macabro que teve em Villa Diodati para publicar o romance que daria origem ao gênero do "cientista louco" na cultura popular.

Em 1819, começou a circular pela Europa o conto "The Vampyre", creditado a lorde Byron. O texto contava a história de lorde Ruthven, um viajante inglês que arruina a vida de um jovem cavaleiro chamado Aubrey. O sucesso foi estrondoso. No ano seguinte, a história ganhava uma continuação em que o nobre realiza uma turnê em busca de sangue por diversas cidades, de Florença a Bagdá. Nos anos seguintes, o nobre vampiresco se tornaria uma verdadeira coqueluche nos teatros europeus. E assim Byron passava a ser mencionado como o autor de mais um sucesso estrondoso com o público. O problema é que o conto não havia sido escrito por ele.

O excêntrico John Polidori era o braço direito de Byron durante as férias suíças. Como responsável por organizar os papéis do grande poeta, ele leu o manuscrito elaborado na Villa Diodati. Polidori já tivera contato com um romance alemão de 1801, chamado "Der Vampyr", de Theodor Arnold, e conhecia alguns dos monstros folclóricos que, durante vários séculos e nas mais diversas culturas e civilizações, eram conhecidos por viver do sangue das vítimas. Mas, na hora de desenvolver o conto do antigo mestre, John, de apenas 20 anos, sintetizou as características mais duradouras dos vampiros modernos. Seu personagem era um nobre bonito (ainda que muito pálido) e sedutor, que atacava donzelas indefesas por onde passava. O conto foi redigido em 1819, três anos depois de o médico ser demitido por Byron. "Escrevi em duas ou três manhãs livres", ele relataria depois.

O nome do vilão, lorde Ruthven, era um ataque ao próprio Byron. Afetado e arrogante, o vampiro de Polidori sabia ser desagradável e repulsivo. Talvez tenha sido por isso que, quando o conto foi publicado como se fosse criação sua, Byron refutou enfaticamente a autoria. Ao que tudo indica, o engano foi provocado pelo editor da obra, que queria pegar carona na fama do poeta inglês. Polêmicas literárias à parte, o conto iniciado à beira do lago Genebra marcou as décadas seguintes. Ao longo do século 19, escritores de peso, como Edgar Allan Poe, Alexandre Dumas, Guy de Maupassant e H.G. Wells criariam personagens inspirados no vampiro de Polidori. Até que, em 1897, lorde Ruthven ganhou seu descendente mais famoso: o conde Drácula, inventado pelo escritor irlandês Bram Stoker.


Se a criação do vampiro moderno envolveu dois nobres e alguma dose de rancor, a história por trás das origens de Frankenstein tem elementos de novela mexicana, com traição, luxúria, morte e dor, muita dor. Os protagonistas são Percy Shelley e sua namorada Mary.

Nascido em 1792, Percy era um poeta e ativista radical que, nos idos de 1814, estava na rua da amargura e lidava ainda com um casamento em pandarecos. Quando conheceu o filósofo e escritor William Godwin, famoso por defender o ateísmo e o anarquismo, estava precisando de pão, ombro e carinho. Godwin apadrinhou Shelley, emprestando-lhe dinheiro e abrindo as portas de sua casa. O protegido acabaria se apaixonando pela filha do padrinho, Mary. Cinco anos mais nova que o poeta, ela também enfrentava seus demônios pessoais, tendo perdido a mãe dias depois de nascer.

O pai dera a Mary uma rica educação, mas não parecia se preocupar com a crueldade de Mary Clairmont, sua segunda esposa, que encarnava com perfeição o estereótipo de madrasta malvada. Mergulhar nos estudos era uma das únicas distrações da moça, que falava francês e italiano fluentemente. Não era surpresa, então, que Mary estivesse em volta da mesa nas muitas ocasiões em que seu pai e Percy Shelley passavam horas debatendo temas políticos na casa da família, em Londres. Godwin, porém, era bem menos liberal na prática que na teoria. Logo ele proibiria a filha de encontrar o protegido. "Mary viveu uma tremenda distância emocional e se tornou uma adolescente sedenta de emoção e aventura. Percy Shelley apareceu feito um cometa em sua vida", diz Miranda Seymour, autora de uma das mais respeitadas biografias da escritora.

Mary não só desobedeceu às ordens do pai como fugiu com Percy para uma viagem pela Europa, em 1814. No ano seguinte, tiveram uma filha, Clara, que morreu com poucas semanas de vida. Em 1816, porém, Percy e Mary finalmente se casaram depois de Harriet, a primeira mulher do poeta, morrer afogada - a versão oficial, ainda hoje bastante questionada, é a de que ela se suicidou em um lago do Hyde Park, em Londres. Antes de oficializar a união, aceitaram o convite de lorde Byron para a temporada à beira do lago Genebra.

Estavam acompanhados da misteriosa Claire Clairmont, a meia-irmã de Mary cujo papel nos últimos anos emergiu como algo bem maior que uma simples companheira de viagem. De acordo com estudos recentes de acadêmicos britânicos, as duas não só disputavam as atenções de Percy como dividiam a cama com ele. A moça também não escapou das atenções de lorde Byron - com quem ele teria uma filha, Allegra, nascida no ano seguinte.

Na temporada suíça, Mary era uma ouvinte atenta das conversas entre lorde Byron e Percy Shelley sobre o que era conhecido como galvanismo, uma teoria sobre a possibilidade de trazer organismos à vida com o uso de descargas elétricas. Por sinal, cientistas da época viam-se engajados em debates sobre as fronteiras da vida e da morte. A primeira mulher de Percy, por exemplo, tinha sido levada para um hospital de Londres em que experimentos de ressuscitação com vítimas de afogamento eram comuns.

Aliado às conversas, havia o tempo do lado de fora. Tempestades fenomenais foram comuns naquele 1816, que acabou conhecido como "o ano sem verão": a chuva caiu em 130 dos 183 dias em que a temperatura deveria ser quente. As sessões com lorde Byron eram, então, veneno antimonotonia. Especialmente porque o anfitrião era um verdadeiro pop star do século 19. O britânico era um dos mais populares poetas da Europa graças a suas posições contestadoras, em especial a defesa do amor livre, o que invariavelmente atraía as atenções do público para seu estilo de vida. Byron era conhecido pelo hábito de sair com senhoras casadas e pelas tendências bissexuais. O poeta contava ainda com uma astúcia fora do comum, inclusive para lidar com os muitos críticos de sua obra e de sua conduta. "Li uma crítica que me derrubou. Em vez de ter um aneurisma, tomei três garrafas de vinho e comecei a escrever uma resposta", disse ele num de seus mais famosos comentários.

O charme de Byron, porém, não resistiria ao poder dos boatos. Sua separação de Annabella Milbanke resultou em uma imensa lavagem de roupa suja em público, apimentada por uma série de intrigas espalhadas pelos advogados dela. Sua imagem no Reino Unido ficou arranhada e suas finanças, arruinadas. Quando chegou à Suíça, em 1816, Byron era um intelectual à procura de refúgio (reza a lenda que ele partiu de mala e cuia pouco antes da chegada de credores que vinham tomar sua casa). Porém, até que as chuvas isolassem a casa, o grupo não conseguiu privacidade total: Villa Diodati era observada por curiosos com lunetas, e nos arredores do lago Genebra era comum ouvir histórias de orgias e uso de láudano (um tipo de ópio) no casarão.

A farra no verão gelado inspirou Mary a escrever seu grande romance, mas não acabou com as tempestades em sua vida. Ainda em 1816, sua meia-irmã Fanny cometeu suicídio. No ano seguinte, morreu sua terceira criança, Clara, enquanto a segunda, William, faleceria três anos depois, vítima de malária. Em 1822, Percy Shelley morreria afogado durante um acidente num passeio de barco na Itália.
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Mary enfrentava ainda a dor da falta de reconhecimento. Já em 1824, seis anos depois da publicação da primeira edição de "Frankenstein", e quando começavam a surgir as primeiras adaptações teatrais, críticos creditavam a autoria do livro a seu marido. Um debate que, por sinal, persiste. Em 2007, o acadêmico John Lauritsen publicou um livro cujo título, "O Homem que Escreveu Frankenstein", já era provocativo por si só. Lauritsen, porém, ia além de argumentos discutidos à exaustão, como o fato de o manuscrito estar repleto de anotações feitas por Percy. Para ele, a profundidade e a complexidade de Frankenstein estavam além da capacidade de uma escritora amadora. "A grande pista é que toda a produção posterior de Mary Shelley é ordinária em comparação com o primeiro trabalho", ele afirma.

E assim, de forma curiosa, lorde Ruthven e Frankenstein compartilham a polêmica em torno da paternidade. Quanto ao berço, que eles também têm em comum, a Villa Diodati ainda existe e continua sendo observada de longe. A mansão fica no fim de uma estrada particular e os donos não permitem visitas, com raras exceções para grupos de estudos literários.



Fonte: http://oficina-literaria.blogspot.com.br/2009/11/bebidas-orgias-e-muita-chuva-o-fim-de.html

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Manuscrito de Frankenstein online

Página do manuscrito de Frankenstein — The New York Public Library/Shelley-Godwin Archive
Manuscrito de Frankenstein ganha vida em arquivo online dos Shelley — Objetivo do site é reunir todos os manuscritos conhecidos de Percy e Mary Shelley.

“Frankenstein”, de Mary Shelley, escrito durante o verão de 1816, já inspirou incontáveis peças, filmes, quadrinhos e aplicativos de iPhone. Agora o manuscrito original se tornou a peça central da primeira fase do Arquivo Shelley-Godwin, um ambicioso projeto digital que entra no ar neste Dia das Bruxas.

O arquivo, cuja abertura será celebrada com um evento nesta quinta-feira na Biblioteca Pública de Nova York, é resultado de uma colaboração entre essa biblioteca e o Maryland Institute for Technology, com contribuições de várias outras entidades. O objetivo é reunir todos os manuscritos literários de Percy Bysshe Shelley e Mary Shelley, sua segunda esposa, assim como os pais de Mary, William Godwin e Mary Wollstonecraft — a “primeira família da literatura inglesa”, como o arquivo classifica.

O manuscrito de “Frankenstein”, propriedade da biblioteca Bodleian de Oxford, é ele mesmo uma espécie de monstro reconstruído, explica Neil Fraistat, um dos líderes do projeto. Ele é composto principalmente de dois cadernos de notas escritos por Mary, com comentários de Percy. No site, os internautas podem apertar um botão para ver apenas as palavras escritas por um ou pelo outro.

Fraistat conta que durante seu relacionamento, as letras de Percy e Mary foram se tornando cada vez mais parecidas, dando origem a debates sobre que era responsável por quais trechos. Em “O homem que escreveu Frankenstein”, publicado em 2007, John Lauritsen chega a dizer que Percy é o verdadeiro autor do livro, com Mary, na época uma adolescente, servindo apenas como copista, trabalho que ela costuma fazer para ele.

Para Fraistat, o arquivo digital dará a pesquisadores e fãs comuns uma ligação direta com a colaboração literária dos Shelley. Ele ressalta dois momentos em particular nos quais Percy deixa de lado o papel de editor e se dirige à mulher de forma mais intima. Num deles, corrige a ortografia de “enigmatic”, usando um de seus apelidos favoritos, “pecksie”. Ela chamava o marido de “Elf”.

A próxima fase do arquivo online, financiado com uma verba de US$ 300 mil, trará manuscritos de “Prometheus Unbound” e cerca de 30 páginas de cadernos de Percy Shelley. Alguns deles, afirma Fraistat, revelam a influência Mary no trabalho do marido.

“Era uma colaboração de mão dupla”, diz. “Não era apenas ele supervisionando o trabalho dela.”


Fonte: New York Times.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Conto do Mortal Imortal

"Dezesseis de julho de 1833. Este é um aniversario especial para mim, cumpro trezentos e vinte três anos!

O judeu errante? Decerto que não, por ele já passaram mais de oito séculos. Em comparação com ele sou um imortal muito jovem.

Serei imortal? Isso é o que me tenho perguntado dia e noite durante os últimos trezentos anos, e ainda não fui capaz de responder. Precisamente hoje descobri um cabelo branco entre meus fartos morenos, e isso certamente significa que começo a envelhecer. Ainda que também poderia já estar ali escondido durante trezentos anos, pois algumas pessoas têm o cabelo completamente branco antes de cumprir os vinte.

Vou contar a minha historia; e logo, deixarei que os leitores julguem por mim. Assim, enquanto a conto, irão passando umas tantas horas desta longa eternidade que me está sendo tão insuportável. Para sempre! É isso possível? Viver para sempre!

Tenho escutado sobre encantamentos em que as vítimas foram entregues a um profundo sono e despertaram cem anos depois, frescas coma uma rosa. Ouvi falar, por exemplo, dos Santos dormentes e do feliz que foi o lendário Nourjahad. Ser imortal dessa maneira não seria cansativo porém, ai, que insuportável se faz o peso do tempo eterno, o lento passo das horas sucedendo-se sem fim! Mas sigo com meu relato.

Todo o mundo ouviu falar de Cornelius Agrippa. A sua memória é tão imortal como sou eu, por causa da sua sabedoria. Todo o mundo ouviu também falar daquele discípulo seu que, sem querer, invocou o Inimigo na ausência do mestre e foi destruído por ele. O relato deste acidente, verdadeiro ou falso, pôs em apuros o célebre filósofo. Abandonaram-no todos alunos seus, e os seus serventes desapareceram. Não tinha quem mantivesse o lume aceso enquanto dormia ou quem prestasse atenção às mudanças de cor das suas poções enquanto estudava. Um após outro, estragavam-se todos seus experimentos, já que duas mãos não bastavam para ter conta deles. Os espíritos das trevas riam-se dele por não conseguir reter um só mortal a seu serviço.

Eu era naquela época mais novo, muito pobre e estava muito apaixonado namorado. Fora discípulo de Cornelius durante um ano mais ou menos, porém estava ausente quando ocorreu o acidente. Quando regressei, os meus amigos pediram-me que não voltasse àquela casa. Tremia quando me contaram aquela arrepiante historia e não esperei por um segundo aviso; assim que, quando Cornelius me veio oferecer uma bolsa de ouro para ficar sob seu teto, senti como se o próprio Satanás me estivesse a tentar. Estava arrepiado, batiam-me os dentes e sai correndo tão rápido quanto me permitiam as minhas debilitadas pernas.

Desfalecido, deixei que os meus passos me levassem ao lugar onde me dirigira cada serão dos dois últimos anos: a uma fonte da qual brotava suavemente uma água pura e limpa, perto da qual aguardava uma moça de cabelos mouros com olhos fixos no caminho pelo qual eu acabava de chegar. Não recordo o tempo em que não amava Bertha: fomos vizinhos e companheiros de jogos desde crianças; os seus pais, coma os meus, eram de condição humilde porém honrados, e nosso amor era fonte de alegria para eles. Mas um funesto dia, uma febre maligna levou seu pai e sua mãe, e Bertha ficou órfã. O meu pai a acolheria de bom grado sob nosso teto, porém, desgraçadamente, a dona do castelo vizinho, rica, solitária e sem filhos, declarou a sua intenção de apadrinhá-la. Daí em diante, Bertha vestiria roupas de seda, moraria num palácio de mármore e todos a veriam como aquela a quem sorria a fortuna. Realmente, apesar da sua nova situação e os seus novos amigos, Bertha seguia fiel a seu amigo de tempos mais humildes. Visitava amiúde a casa do meu pai, e quando lhe proibiram ir ali, desviava-se para um caminho próximo para encontrar-se comigo na sombria a fonte.

Dizia amiúde que com a sua nova protetora não tinha um compromisso tão sagrado como o que a unia comigo. E como eu não era bastante rico para poder casar, ela começava a estar farta de viver atormentada por causa minha. Era orgulhosa porém também impaciente, e exasperava-se pelos obstáculos que impediam a nossa união. Ela estivera muito aflita enquanto eu estava fora, e agora lastimava-se com amargura e me reprovava por ser pobre. Respondi-lhe sem pensar: "Sou pobre porém honrado! Não te preocupes, quem sabe logo serei rico!"

Esta afirmação deixou-a cheia de perguntas. Tinha medo de assustá-la se lhe confessasse a verdade. Porém conseguiu que eu contasse; e então, com um olhar de desprezo, disse: "Diz que me ama, não obstante tem medo de enfrentar o diabo por mim!"

Assegurei-lhe que só temia ofendê-la, porém ela teimava que receberia uma magnífica recompensa. Assim, alentado e envergonhado por ela, cego pelo amor e pela esperança e rindo-me dos meus temores, voltei com passo rápido e coração ligeiro para aceitar a oferta do alquimista, quem me devolveu imediatamente o meu antigo posto.

Passou um ano e ganhei uma soma considerável de dinheiro. O costume espantou os meus temores. Ainda que estava à espreita em todo momento, nunca achei nenhuma pegada de bode na nossa casa, nem se viu nunca a tranqüilidade do nosso estudo perturbada por gritos demoníacos. Segui vendo Bertha às escondidas e a esperança renasceu em mim; esperança sim, mas não felicidade completa, pois que Bertha cuidava que a segurança era inimiga do amor e se comprazia-se fazendo-me elixir entre eles. Ainda que fiel, era bastante coquete e fazia-me adoecer de ciúmes. Desprezava-me de mil maneiras e nunca se desculpava, fazia-me gemer de raiva e logo obrigava-me a suplicar-lhe perdão. Às vezes, quando cuidava que não era submisso o bastante, inventava alguma historia dum rival que era o preferido da sua protetora. Vivia rodeada de moços vestidos de seda, ricos e galantes, que oportunidade poderia ter o esfarrapento discípulo de Cornelius comparado com eles?

Numa ocasião, o filósofo tinha-me tão ocupado que não pude encontrar-me com ela tal como combináramos. Cornelius andava enredado em trabalho muito importante, e tive que ficar alimentando o forno e vigiando os preparados químicos dia e noite, enquanto Bertha esperava em vão na fonte. Era orgulhosa, e zangou-se muito por isso. Quando por fim pude escapar durante os escassos minutos que tinha para dormir, esperava que ela me confortasse; contudo, recebeu-me com indiferença e desprezo, e assegurou-me que não havia concedido sua mão a um homem que não fosse capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo por ela. Jurou que se vingaria, e decerto que o fez. Enquanto eu sofria em silêncio minha derrota, escutei dizer que ela estivera caçando acompanhada de Albert Hoffer. Hoffer era o preferido da sua protetora, e um dia passaram os três cavalgando diante de minha casa. Pareceu-me que mencionavam o meu nome, seguido duma risada burlesca, enquanto Bertha cravava os seus olhos escuros, cheios de desprezo, na minha velha casa.

Todo o veneno e o desassossego dos céus assolou meu coração. Primeiro derramei um rio de lágrimas pensando que nunca chegaria a ser minha, e logo reneguei da sua veleidade. Porém ainda assim tinha que seguir atiçando o lume e vigiando as mudanças das ininteligíveis mezinhas do alquimista.

Cornelius levava três dias e três noites de vigília sem sequer cerrar olhos. As poções dos seus alambiques progrediam a um ritmo mais lento do que ele esperava. Apesar de sua preocupação, já não podia manter os olhos abertos; custava-lhe um tanto sacudir o sono que lhe cegava uma e outra vez os sentidos. Por fim, olhou melancólico os crisóis e murmurou: "Ainda não está pronto, terá que passar ainda outra noite antes de que a obra esteja pronta. Winzy, filho, tu que és arguto e leal e dormiste pela noite, vigia este vaso. Contém um líquido duma cor ligeiramente rosada; quando começar a mudar de tom, acorde-me, até então deixa-me fechar um pouco os olhos. Primeiro põe-se branco, e depois despende faiscas douradas; porém não esperes até que passe disso, quando a cor rosa começar a sumir, acorda-me". Estas últimas palavras, murmuradas enquanto adormecia, já quase não as escutei. Mas, nem sequer então se deixou dobrar pelas leis da natureza e seguiu dizendo: "Winzy, filho, não toques o vaso, não se te ocorra levá-lo aos lábios. É um filtro que cura o amor, e tu não queres deixar de amar a tua Bertha, não é? Pois muito cuidado com ele!"

Repousou a venerável testa no peito e caiu no sono, apenas se escutava a sua respiração. Observei o vaso durante uns minutos, porém o tom rosa do liquido não mudou. Então, a minha mente começou a vagar, vi-me na fonte, em lembrando cenas encantadoras que nunca haviam de voltar, nunca! Quando a palavra "nunca" começou a tomar forma nos meus lábios encheu-me o coração de veneno. Traidora!, traidora e cruel! Nunca tornaria a olhar como olhava Albert. Mulher detestável e odiosa! A coisa não podia ficar assim, como vingança havia de dar morte a Albert a seus pés... mataria a ela com minhas próprias mãos... Sorria triunfante e altiva, consciente da minha aflição e o seu poder. Mas, que poder tinha ela sobre mim? O poder de provocar minha ira, o meu desprezo mais absoluto, a minha... qualquer coisa menos indiferença! Se pudesse conseguir isso! Se pudesse olhá-la com olhos indiferentes e entregar-lhe esse amor não correspondido a outra mais pura e sincera, isso seria, sem dúvida, uma vitória!

De repente, um luz intensa cintilou ante meus olhos. Já me esquecera da poção do mestre. Contemplei-a com assombro: a superfície do liquido refulgia com beleza admirável, despendia umas faíscas mais brilhantes que as produzidas pelos raios de sol ao passar através de um diamante. Uma fragrância deliciosa embebeu meus sentidos, o vaso parecia uma bola luminosa e brilhante, fascinante para a vista e cativante para o olfato. A minha primeira reação, inspirada instintivamente pelos sentidos, foi: "quero beber! tenho que beber!" Levei o vaso aos lábios e murmurei: "Curara-me deste amor, desta tortura!" Quando o filósofo acordou, já eu engolira a metade do licor mais delicioso que provou o paladar humano. Assustei-me e deixei cair o vaso, o liquido derramou cintilando pelo chão e começou a arder. Entretanto, senti como Cornelius me apertava a garganta berrando: "Desgraçado, destruíste o trabalho de toda a minha vida!"

Não se deu conta de que eu bebera parte da poção. Cria que pegara o vaso por curiosidade e que o deixara cair, assustado pelo resplendor e a intensa luz que desprendia; versão que eu admiti implicitamente. Nunca lhe contei a verdade. Apagamos o lume e o resto da poção foi-se esvaecendo, Cornelius recuperou a serenidade, como deve fazer todo filósofo ante as maiores adversidades, e deu-me permissão para descansar.

Seria inútil tentar descrever o sono celestial que elevou a minha alma ao paraíso do gozo durante as restantes horas daquela noite inesquecível. As palavras seriam simples representações banais da satisfação e da alegria que assolavam o meu coração quando despertei. Flutuava no ar, o meu pensamento vagava pelas nuvens. A terra parecia o céu, e o meu legado desse paraíso era viver num êxtase de gozo. "Isto é estar curado do amor", pensei. "Hoje irei visitar a Bertha e mostrar-me-ei frio e distante, demasiado feliz como para tratá-la com desprezo, porém completamente indiferente ante ela!"

As horas voavam e Cornelius, certo de que se o conseguira a primeira vez também o havia lograr uma segunda, começou de novo a elaborar a sua poção. Fechou-se com os livros e as ervas, e deu-me uns dias de descanso. Vesti-me cuidadosamente e olhei-me num escudo velho porém brilhante que me serviu de espelho; parecia que o meu aspecto melhorara extraordinariamente. com bom ânimo e rodeado de toda a beleza do céu e da terra, sai para fora dos limites da cidade. Fui ao castelo, chegando lá, dei-me conta conta de que era capaz de ver suas grandiosas torres com espírito leve, porque já estava curado do amor. Bertha viu-me ao longe quando subia pelo caminho, e não sei que repentina força despertou no seu peito que, ó verme, desceu a escada de mármore brincando com uma corça e começou a correr para mim. Mas também me viu a velha bruxa fidalga que se fazia chamar sua protetora e, na realidade, era a sua tirana; subia abafada e coxeando para o pórtico, enquanto um pagem, tão feio coma ela, lhe sustentava o vestido. Foi ele que deteve minha linda amiga dizendo: "Onde vais com tanta pressa, desvergonhada? Volta à tua gaiola, que fora revoam os falcões".

Podem apreciar como Bertha apertava as mãos, com olhos ainda voltados para mim. Como aborrecia a velha harpia que teimava em reprimir os nobres impulsos da minha amada quando por fim começava a comover-se! Até então, eu sempre evitara defrontar-me com a senhora do castelo por respeito, porém naquele momento não reparei em considerações tão triviais. Já curara do amor e estava por cima de qualquer temor humano, assim apurei o passo e cheguei em seguida ao pórtico. Bertha estava preciosa! Brilhavam-lhe os olhos e ardiam de impaciência e raiva, estava mais garrida e encantadora que nunca, porém eu já não a amava Oh, não! Adorava!, Venerava! Idolatrava!

Aquele dia pressionara-a com mais insistência que nunca para que consentisse em casar de imediato com meu rival. Reprovava-lhe que lhe tivesse dado azos, e ameaçava-a com expulsá-la da casa envergonhada e desonrada. Ela, orgulhosa, rebelou-se contra a tal ameaça; mais, ao lembrar todos os desprezos que me fizera, e que, quiçá por isso, perdera o que agora considerava o seu único amigo, rompeu a chorar com raiva e remorsos. Nesse momento apareci. "Oh, Winzy!", exclamou. "Leva-me em seguida a cabana da teu pai. Renego todos os luxos desta suntuosa casa que não me trouxe mais que desgraças, leva-me de volta à pobreza e à felicidade!"

Colhi-a nos braços, extasiado. A velha ficou muda de raiva, e quando começou a proferir impropérios já estávamos longe, caminho da casa dos meus pais. A minha mãe recebeu com ternura e alegria a coitadinha refugiada, que acabava de escapar duma gaiola de ouro buscando a liberdade na singeleza; e o meu pai, que lhe queria coma a uma filha, deu-lhe as boas-vindas de todo coração. Foi um dia de júbilo, o meu coração pulava de alegria sem necessidade de nenhuma poção mágica.

Pouco depois daquele dia tão agitado casei com Bertha. Deixei de ser discípulo de Cornelius, porém segui sendo seu amigo. Sempre lhe estive agradecido por permitir, sem saber, tomar um gole daquele elixir divino que, em vez de curar-me do amor ?triste cura!, um remédio cheio de saudade e dor contra uma coisa que hoje se assemelha a uma bênção? infundiu em mim a coragem e resolução necessárias para conquistar o inestimável tesouro que resultaria ser Bertha.

Com freqüência, recordo aquela época de embriaguez quase hipnótica. A beberagem de Cornelius não cumprira o cometido para o que ele afirmava que fora preparada, mas não há palavras que possam expressar os efeitos tão maravilhosos que produziu em mim. Ainda que o efeito se ia esvaecendo, durou muito tempo e encheu-me a vida de delícia. Às vezes, Bertha abraçava-se ao me ver tão alegre e entusiasmado, algo inusitado em mim já que antes era mais bem sério, mesmo tristonho. Agora, com meu novo caráter, ainda me queria mais, e nas nossas vidas não havia lugar para a tristeza.

Uns cinco anos depois, Cornelius mandou-me chamar a seu leito de morte requerendo a minha presença imediata. Achei-o deitado no leito cunha febre altíssima; a faísca de vida que lhe restava brilhava-lhe no penetrante olhar, fixo num vaso de vidro que continha um líquido rosado.

?Notaste do insignificante que é a vontade humana? ?disse com voz entrecortada e como para si. Pela segunda vez estão a ponto de ver-se cumpridas as minhas esperanças, e uma segunda vez me escapam. Vês essa poção? Lembra que há uns cinco anos preparei a mesma beberagem com mesmo resultado: daquela, como agora, esperava poder saciar a minha sede com elixir da imortalidade então, entregá-lo a ti e agora, já é tarde demais!

Falava com dificuldade e tinha que recostar-se contra a almofada. Mas não pude evitar dizer-lhe:

?Porém, venerado mestre, como pode um remédio contra o amor devolver-lhe a vida?

?Um remédio para o amor e para tudo: o Elixir da Imortalidade! Ai, se pudesse bebê-lo agora viveria para sempre! ?disse, de maneira case ininteligível, enquanto que um vago sorriso lhe iluminava a cara.

E, dizendo isto, do vaso surgiu um resplendor dourado, e uma fragrância bem conhecida por mim espalhou-se no ar. Apesar de débil que estava, ergueu-se e estendeu o braço, a força parecia retornar a seu corpo como por arte de magia. A mim assustou um forte estalo, o elixir despendeu fagulhas e o vaso quebrou em mil cacos. Olhei para o filósofo: caíra de costas e tinha os olhos vidrados e as feições rígidas, estava morto!

Porém eu estava vivo e ia viver para sempre! Isso disse o desafortunado alquimista, e durante uns dias acreditei nas suas palavras. Recordava a felicidade embriagadora que me inundou depois de tomar aquele trago às escondidas. Passei a observar as mudanças que se produziram no meu corpo e na minha alma: a exultante elasticidade do primeiro e o eufórico entusiasmo da última. Examinei o meu rosto detalhadamente no espelho, e não notei que se tivesse produzido nenhuma mudança nas minhas feições durante os últimos cinco anos. Recordava a luminosa cor e o aroma daquela deliciosa bebida, dignos do poder que possuía. Portanto, eu era Imortal!

Uns dias mais tarde, eu mesmo ria da minha credulidade. O velho provérbio que diz que "ninguém é profeta na sua terra" resultou ser verdade tocante a mim e meu defunto mestre. Eu apreciava-o como pessoa e respeitava-o como mestre, porém a idéia de que pudesse ter algum poder sobre as forças das trevas parecia-me ridícula e ria- me do medo supersticioso com que o olhavam. Era um filósofo sábio, mas não conhecia outros espíritos que não fossem os recobertos de carne e osso. Os seus conhecimentos eram puramente humanos; e o saber humano, conseguiu convencer-me, nunca chegaria a dominar as leis da natureza até o ponto de poder encerrar a alma para sempre na sua morada carnal. Cornelius elaborara uma bebida que restabelecia o espirito, uma bebida mais embriagadora que vinho e mais doce e olorosa que nenhuma fruta, e que provavelmente tinha poderes medicinais: proporcionava alegria ao coração e vigor aos membros. Porém os seus efeitos acabariam desaparecendo, no meu corpo já começavam a minguar. Considerava-me um tipo afortunado porque o meu mestre me obsequiara com boa saúde e alegria e quiçá uma longa vida. Porém a minha boa fortuna acabava ai, a longevidade era bem diferente da imortalidade.

Segui abrigando esta crença durante muitos anos, ainda que às vezes me passava uma idéia pela cabeça: estava realmente equivocado o alquimista? Mas, em geral, seguia a crer que chegaria a minha hora como a qualquer cristão, talvez um pouco tarde porém, a uma idade normal. Mas não havia dúvida que tinha uma aparência extraordinariamente juvenil. As pessoas riam de minha vaidade por olhar-me no espelho com tanta freqüência. Porém era tudo debalde, já que na minha fronte não se via uma ruga; as madeixas, os olhos, tudo eu seguia tão jovem como aos vinte anos.

Estava desconcertado, olhava a mirrada beleza de Bertha, e parecia mais a minha mãe. Pouco a pouco, os vizinhos começaram a fazer comentários deste tipo e finalmente, descobri que me chamavam "o rapaz amigado". Mesmo Bertha começou a inquietar-se, tornou-se zelosa e irritável e, com o tempo, começou a fazer perguntas. Não tínhamos filhos, estávamos completamente sós; porém, assim como tudo, ao ir envelhecendo, o seu caráter leve e esperto acabou por aquietar-se, e a sua beleza começou a murchar. Contudo, eu apreciava-a como a amante que adorara na juventude e a esposa que conquistara com tanta dedicação.

A final, a situação tornou-se insuportável. Bertha tinha cinqüenta anos e eu vinte. Envergonhado, adotei costumes de velho: nos bailes já não me juntava com moços, ainda que o meu coração brincava com eles e tinha que conter os pés para não dançar; fazia uma figura ridícula entre os homens maduros da vila. Porém as coisas já começaram a mudar antes de tudo isso. Rejeitavam-nos todos porque acreditavam que fizéramos, pelo menos eu, um pacto diabólico com algum dos supostos aliados do meu antigo mestre. De mim tinham medo e aborreciam, e a pobre Bertha, ainda que lhe tinham mágoa, abandonaram-na à sua sorte.

Que podíamos fazer? Ficar sentados a frente do lume vendo como a pobreza entrava na nossa casa, já que ninguém queria comprar os produtos da minha granja. Amiúde tinha que fazer vinte milhas de viagem para poder vendê-los em local onde não me conhecessem. Menos mal que tínhamos algo guardado por virem maus tempos.

Ficávamos sós, o moço avelhentado e a sua antiquada mulher sentados diante do fogo. Bertha seguia insistindo em saber a verdade, juntava tudo o que escutara sobre mim e tirava as suas próprias conclusões. Chegou a suplicar-me que desfizesse aquela magia. Tentou convencer-me de quanto mais formosas eram as cãs que meus cabelos castanhos, elogiava o respeito e a veneração que inspira a velhice, comparados com a escassa consideração que se tem com os jovens. Como podem imaginar que o desprezável dom da juventude e a beleza seria mais forte que ódio, o desprezo e a vergonha? Acabariam queimando-me por praticar magia negra, e a Bertha ?a que não fora capaz de transmitir nem sequer uma pequena parte da minha boa fortuna? poderiam dilapidá-la por ser a minha cúmplice. Por último, chegou a insinuar que devia compartilhar meu segredo com ela para que pudesse gozar dos mesmos benefícios, se não queria que me denunciasse, e depois começou a chorar.

Vi-me tão encurralado que pensei que o melhor era dizer-lhe a verdade. Contei com todo o tato que pude, e não lhe falei de imortalidade, senão duma longa vida, que era também o que melhor encaixava com a idéia que eu tinha do assunto. Quando rematei o relato, pus-me de pé e disse-lhe:

?E agora, Bertha, ainda queres denunciar o teu amante de juventude? Sei que não o farás, porém seria injusto que ui, a minha querida esposa, sofresse as conseqüências da minha má sorte e das artes malditas de Cornelius. Devo-me ir. A ti fica o bastante para viver; e, quando eu partir, voltarão os velhos amigos para dar-te uma mão. Ainda pareço novo e sou forte, posso trabalhar e ganhar o pão onde ninguém me conheça nem suspeite de mim. Amei-te de moço e ponho a Deus por testemunha de que não te abandonaria na velhice, se não fosse pela tua própria segurança e felicidade.

Vesti o casaco e dirigi-me à porta; porém em seguida senti que os braços de Bertha rodeavam o meu pescoço e os seus lábios bicavam os meus. "Não, meu queridinho, meu Winzy", disse,"não te irás só, leva-me contigo; deixaremos este lugar e, como ti disseste, entre desconhecidos estaremos seguros e livres de qualquer suspeita. Ainda não sou tão velha para envergonhar-te. Seguramente há de desaparecer logo o feitiço e, por Deus, envelhecerás como deves. Por favor, não te vás sem mim!"

Abracei-a forte contra o meu peito e disse-lhe: "Não temas, não te deixarei, não o pensara nem por um momento. Seguirei sendo o teu maridinho fiel e cuidarei de ti até que Deus te chame a seu lado".

No dia seguinte preparamo-nos em segredo para a partida. Teríamos que renunciar a muitas coisas, era inevitável. Reunimos a soma de dinheiro necessária para manter-nos pelo menos enquanto Bertha vivesse e, sem dizer adeus a ninguém, deixamos nossa terra natal para refugiar-nos num lugar remoto do oeste de França.

Foi cruel afastar a pobre Bertha da sua vila natal e os seus amigos de juventude e levá-la a um país com outra língua e outros costumes. Para mim, a partida era algo sem demasiada importância devido ao segredo do meu insólito destino. Compadecia-me profundamente dela e alegrava-me comprovar que encontrava consolo para as suas desgraças em pequenas casualidades ridículas. Longe de todos os conhecidos, ela tentava ocultar a evidente diferença de idade que nos separava mediante milhares de truques femininos: punha carmim nos lábios, usava roupa juvenil e comportava-se coma uma mocinha. Não podia aborrecer-me com ela, não levava eu também uma máscara? Por que havia de discutir com ela se os seus truques não funcionavam tão bem como os meus? Uma tristeza infinita assolava o meu coração quando lembrava que essa era a minha Bertha, a que eu amara tão apaixonadamente, a que tanto me custara conquistar. Aquela garota de cabelos mouros e olhos escuros, com sorriso pícaro e cativador, que saltitava como uma corça, convertera-se nessa velha mexeriqueira e zelosa. Deveria venerar as suas cãs e rugas! Sabia que era o meu dever.

Porém esse tipo de decadência não era o que me aborrecia nela. A sua desconfiança não tinha limite. A sua principal ocupação era descobrir que, apesar da aparência externa, eu também estava a envelhecer. Creio que, no fundo, a pobre amava-me de verdade; mas nunca conheci uma mulher com forma tão opressiva de mostrar o seu carinho. Descobria rugas no meu rosto e debilidade no meu andar, enquanto eu brincava com vitalidade juvenil e parecia o mais novo dos moços do lugar. Nunca se me ocorreria falar a outra mulher; porém, numa ocasião, ela, crendo que a beleza da vila me via com bons olhos, comprou-me uma peruca cinza. O tema habitual de conversação com suas amizades era que, ainda que parecesse tão novo, o meu corpo estava a deteriorar-se e o pior sintoma, afirmava, era essa aparente saúde. Dizia que a minha juventude era uma enfermidade e que devia estar preparado, se não para uma morte repentina e horrível, quando menos para espertar uma manhã com o cabelo todo branco, cuvado e com todos os achaques da velhice. Deixava-a falar e amiúde mesmo corroborava as suas conjecturas, que concordavam com minhas eternas especulações sobre o meu estado. Até cheguei a tomar um sério ainda que doloroso interesse por escutar tudo o que o seu rápido engenho e a sua imaginação exaltada podiam discorrer sobre o tema.

Para que estender em mais detalhes? Ainda vivemos juntos muitos anos. Bertha ficou paralítica e prostrada numa cama. Cuidei dela como uma mãe cuidaria um filho. Com o tempo, tornou-se ainda mais raivosa e obsessiva, sempre cismando sobre quanto tempo eu ia sobreviver. Consola-me saber que cumpri escrupulosamente o meu dever para com ela. Foi a minha companhia na juventude e foi também na velhice e, afinal, quando enterrei o seu corpo, chorei desconsolado pela perda do único elo que realmente me unia a este mundo.

Desde então, quantas foram as minhas preocupações e pesares e que poucas e vãs as alegrias! Vou deixar a minha historia neste ponto, não paga a pena seguir. Um marinheiro sem temor nem compaixão, sacudido por um mar tormentoso; um viajante perdido num monte imenso, sem luzes nem estrelas que o guiem: isso é o que eu sou e estou mais perdido e desesperado que nenhum deles. Um barco próximo ou a luz d?alguma casa ao longe poderiam salvá-los, porém para mim não há outro farol que a esperança da morte.

Morte! misteriosa dama de escuro rosto que alentas os pobres mortais! Por que, entre todos eles, tivestes que me privar a mim do teu abraço protetor? Oh, a paz, o profundo silêncio da tumba! Se o meu cérebro se detivesse e o meu coração deixasse de sentir emoções que só variam em novas formas de tristeza!

Então, sou imortal? Volto com a primeira pergunta. Em primeiro lugar, nao é mais provável que a poção não concedesse a vida eterna, senao uma longa vida? Isso é o que eu espero. Ademais, só tomei a metade da poção, não teria que bebê-la toda para completar o feitiço? Portanto, tomar a metade do Elixir da Imortalidade só suporia ser semi-imortal e assim, a minha eternidade ficaria truncada e invalidada.

Ora, de todo o modo, quem poderia saber quantos anos são a metade da eternidade? Amiúde, trato de adivinhar segundo que regra se pode dividir o infinito. Às vezes imagino que me acho velho. já encontrei uma cã. Porém sou um tolo!! ainda me lamento? Sim, invade-me com freqüência o medo da velhice e morte; e, ainda que aborreço a vida, quanto mais vivo mais me aterra a morte. Ai, o ser humano é um mistério! Nascemos para perecer e teimamos em lutar, como faço eu, contra as leis que regem a nossa natureza.

Maldita contradição, estou certo de que algum dia hei morrer. A poção do alquimista não poderá mais que o fogo, uma espada ou as profundas águas dum rio. Já me tenho visto mais duma vez nas azuis profundidades de um plácido lago ou nos tumultos rápidos dum imenso rio, pensando que a paz reside nas suas águas. Porém, assim mesmo, sempre dei volta para seguir vivendo outro dia mais. Pergunto eu se o suicídio será um pecado para alguém que não tem outra forma de cruzar as portas do outro mundo. Fiz de tudo, exceto apresentar-me voluntário para o exército ou um duelo, porque desta maneira não só destruiria a mim mesmo, não, senão também outros mortais, por isso dei para trás. Os mortais não são os meus iguais. A inesgotável força vital que habita o meu corpo e a sua existência efêmera nos faz tão opostos como os pólos. Por isso, eu não seria quem ergueria uma mão nem contra o mais débil nem o mais forte deles.

Assim vivi durante todos estes anos, só e aborrecido de mim mesmo, desejando morrer porém ainda vivo: um mortal imortal. não tenho ambições nem sou cobiçoso, e esse ardente amor que me rói o coração ?esse que não voltará nunca, porque nunca encontrei um igual a quem possa entregá-lo? perdura só para atormentar-me.

Precisamente hoje, ideei um projeto com o qual poderei acabar com tudo sem ter que suicidar-me nem fazer doutro homem um Caim: uma expedição a que nenhum mortal, nem sequer alguém novo e forte como eu, havia sobreviver. Desta maneira, porei à prova a minha imortalidade e descansarei para sempre ou voltarei para converter-me num prodígio da natureza e um benfeitor da humanidade.

Mais antes de partir, a vaidade levou-me a escrever estas páginas. Não quero morrer sem deixar pegada. Já passaram três séculos desde o funesto dia em que bebi aquela poção e não há de passar outro ano antes de que, enfrentando enormes perigos, lutando contra as forças do céu no seu próprio terreno, açoitado pelo temporal, a fome e a fatiga, abandone a ação da chuva e o vento este corpo que se converteu numa gaiola demasiado resistente para uma alma tão sedenta de liberdade. Porém se sobrevivo, o meu nome será lembrado como um dos mais célebres entre os mortais. E, daquela, hei empregar métodos mais contundentes para dispersar e aniquilar todos os átomos que compõem o meu corpo e liberar a vida encadeada dentro, a que tão cruelmente se lhe impediu ascender deste mundo de trevas a uma esfera mais adequada á sua essência imortal."

por Mary Shelley - tradução : Jô Andrada

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mary Shelley

Mary Wollstonecraft Shelley (Londres, 30 de agosto de 1797 - idem, 1 de fevereiro de 1851), mais conhecida por Mary Shelley foi uma escritora britânica, filha do filósofo William Godwin e da pedagoga e escritora Mary Wollstonecraft.

Sua mãe morreu ao dar a luz a ela. Ela foi então criada pelo pai e pela sua madrasta, que a odiava. Sua irmã era depressiva e cometeu suicídio; na família havia também dois irmãos.

Ela conheceu o poeta Percy Bysshe Shelley em 1813. Ele tinha apenas 20 anos, mas já era casado - e infeliz no casamento. Ela e ele casaram-se depois do suicídio da primeira esposa. Seu pai deserdou-a por isso.

O casal teve quatro filhos, mas apenas um viveu bastante. Em 1822 seu marido morreu, e então a vida de mary terminou.

Embora ela tenha vivido por mais trinta anos, nunca mais teve a mesma chama, como quando na companhia de seu brilhante marido e seus amigos, como o poeta Lorde Byron.

A obra mais famosa é Frankenstein escrita entre 1816 e 1817. O romance obteve grande sucesso e gerou todo um novo gênero de horror, tendo grande influência na literatura e cultura popular ocidental.

Fonte: Wikipédia - A Enciclopédia Livre.

Mary Shelley - Ensaio

Aos 25 anos, você já é um grande poeta. Os críticos o adoram e, a cada novo poema seu, eles o comparam a Keats e Lord Byron. A imortalidade o espera, e você até já mandou fazer uma roupa nova para o retrato que aquele famoso artista insiste em pintar. Um dia, a sua mulher descobre que há mais coisas na vida do que passar o dia posando de musa, e resolve escrever um livro.

Você está muito ocupado lendo os próprios poemas para se interessar pelo que ela escreveu. Cento e cinqüenta anos depois, ambos já morreram, e agora só os poetas amadores e os leitores profissionais sabem que você foi uma glória da literatura. Em compensação, o mundo inteiro já leu e vai continuar lendo Frankenstein, o livro da sua mulher. Ah, Shelley, se tivesse sido tão bom adivinho quanto poeta, terias aproveitado quando Mary foi lá dentro lavar os pratos, para dares uma espiada no manuscrito.

Quando Mary Shelley escreveu Frankenstein, em 1818, tinha 21 anos. Com pouco menos teria sido barrada pelo porteiro. Nada de estranho nisso. Considerando-se os seus antecedentes e a entourage em que vivia, o espantoso é que ela não o tenha escrito mais cedo. Vejam agora se a vida de Mary Shelley não daria o perfeito romance gótico. Seu pai, William Godwin, influenciou toda a geração de 1790, com algumas idéias que pediu emprestado a Rousseau e que nunca se lembrou de devolver.

Sua mãe, Mary Wollstonecraft (ou seja, a avó de Frankenstein), foi uma das primeiras feministas da História, autora de uma famosa Declaração dos direitos da mulher, e só não queimou espartilhos em praça pública porque tinha vergonha de sair exibindo suas peças íntimas pela rua. Ela morreu quando Mary nasceu, em 1797, e o velho Godwin, depois de percorrer em vão terras distantes em busca de uma noiva, acabou se casando com uma vizinha, a Sra. Clairmont, a qual o viu na janela e o laçou com a seguinte cantada: “Será possível que eu esteja a contemplar o imortal Godwin?” O que era apenas uma força de expressão porque, embora célebre, Godwin já estava naquele tempo mais para moribundo do que para imortal. Seja como for, ela ainda lhe deu outra filha, Jane, que viria a ser a amante de Lord Byron.

Em 1811, logo após ser expulsa de Oxford, Shelley se casara com Harriet Westbrook, uma dondoca londrina. Ele com 19, ela com 16. O casamento foi um fracasso desde o começo, porque Harriet achava Shakespeare muito mais poeta do que Shelley, e escolhia os momentos mais impróprios para lhe dizer isto. Esta brincadeira durou três anos — até Shelley ser introduzido na casa de Godwin. As testemunhas afirmam que foi amor à primeira vista: Shelley olhou para Mary, que olhou para Shelley, que foi examinado dos pés à cabeça por Godwin, o qual não gostou nada da história. Mas Shelley puxou um revólver, e Godwin, que sempre pregara o primado da razão sobre todas as coisas, preferiu não discutir. Shelley e Mary zarparam em ilícita lua-de-mel para Paris, com a Sra. Godwin nos calcanhares. Despistaram-na na Suíça, onde Mary botou Frankenstein para dormir, e pularam grandes carnavais em Veneza, na companhia de Lord Byron, entre outros nudistas e vegetarianos. Já então Byron estava de amores com Jane Clairmont, a outra filha de Godwin — e este, mais do que nunca, sabia agora por que Platão não admitia poetas na sua República.

Dois anos depois, Harriet, a primeira mulher de Shelley, foi encontrada morta, boiando num rio. Shelley apresentou vários álibis diferentes, todos perfeitos, e pôde finalmente se casar com Mary, para grande satisfação de Godwin, que nunca aplicou na prática as suas teorias sobre o amor livre. E só não se pode dizer que foram felizes para sempre porque Shelley, que já havia driblado várias gripes (dessas mortais em poetas), acabou morrendo em 1822, aos 30 anos, naufragando nas costas da Itália a bordo de um veleiro chamado Don Juan. O corpo de Shelley foi jogado à praia, em Viareggio, ali ficando enterrado pelo vento e areia durante mais de um mês. Pouco antes, Aleggra, a filha de Byron e Jane, também morrera de tifo. E daí a dois anos seria a vez do próprio Byron. Mary ficou sozinha, com seus fantasmas, para contar a história. O que teve tempo de sobra para fazer, pois só morreu em 1851, aos 54 anos, e mesmo assim de tédio — um recorde, na época.

Mas não se pense que toda a vida de Mary Shelley tenha sido um romance gótico, com seqüestros, amantes no armário, acessos de tosse e baratos de ópio. Foi também muita cultura, muita filosofia. Frankenstein, apesar de todos os sustos, era um livro sério quando foi escrito, e só começou a perder a seriedade quando os leitores também começaram a perder a inocência. (Parece que agora começaram a recuperá-la.) Frankenstein é um coquetel das idéias de Rousseau, através de Godwin, da mitologia grega e de preocupações religiosas — tudo isto com uma cereja gótica por cima. Está cheio de implicações metafísicas sobre Deus e o homem, e, principalmente, daquelas conotações sociais vigentes em 1818 — como, por exemplo, se era mesmo o pecado original o responsável pelas mazelas humanas, ou se o homem nascia bom e era a sociedade que o corrompia. A segunda hipótese, na qual Mary apostava timidamente, já estava ganhando por vários corpos de frente, mas ninguém se atrevia a botar a mão no fogo.

O fogo que Prometeu roubou de Zeus para levar aos homens também é um dos motivos subjacentes em Frankenstein. Zeus, o profeta do óbvio, achava que os homens ainda não eram bastante sábios para possuir o fogo, porque do fogo se fundem os metais, e dos metais tanto pode surgir a civilização, como podem ser fabricadas as armas que significam a guerra e a destruição. No fundo, apenas uma maneira diferente de contestar a fábula do pecado original, e de insinuar que não há nada como uma boa sociedade injusta para estragar um produto perfeito na origem, ou seja, o homem. Esta é simplesmente a história de Frankenstein e, não por coincidência, o título completo do livro de Mary Shelley é Frankenstein, ou o moderno Prometeu. Eu só queria saber se ela estava pensando em tudo isto ao escrever a sua historinha de terror, ou se foram os críticos que, habituados a extrair sangue de pedra, descobriram essas implicações. Nenhuma dúvida. Se os críticos tivessem tanta imaginação, estariam escrevendo os romances que criticam.

Experimente desligar a sua TV a cores por alguns minutos para reproduzir a espécie, e você verá como é fácil criar um ser à sua imagem e semelhança (ou da sua mulher). Agora, tente fazer isto numa mesa de laboratório, usando restos de cadáveres, e o que sairá? Robert Redford? Não. Boris Karloff. (Se você viu o filme, não vale.)

Ao contrário de Drácula — aquele seu colega de repartição que vivia se gabando dos antepassados hunos, vikings, saxões e magiares —, o ser criado pelo cientista Victor Frankenstein num laboratório em Ingolstadt não tinha história. Sua dinastia começava com ele. Tudo teve início quando Frankenstein se decidiu a aplicar alguns conhecimentos teóricos de fisiologia e filosofia natural, a fim de descobrir se o princípio que animava a estrutura do corpo humano sobrevivia, depois que o indivíduo baixava os sete palmos. Revoltava-o a corrupção da matéria inanimada e o fato de que “o verme era o herdeiro das maravilhas de um olho ou de um cérebro”. Incentivado por uma série de pesquisas prévias, Frankenstein pôs-se enfim ao trabalho de criar um ente, a partir de materiais roubados em túmulos, casas funerárias e laboratórios de dissecação.

O trabalho não era fácil: ele teria não só que dar animação à matéria, como preparar toda uma estrutura para recebê-la, com seus complexos de fibras, músculos e veias. Para que o leitor não dormisse nos primeiros capítulos, Mary Shelley omitiu a maior parte dos processos científicos que Frankenstein teria usado para levar adiante o projeto. A própria necessidade de violar sepulturas e dissecar cadáveres é apenas sugerida pela narrativa: os mais mórbidos podem suspeitar da origem do material pelas constantes exclamações de asco do cientista ao lidar com ele.

Como a extrema minúcia da mais insignificante das partes do organismo lhe trazia grandes dificuldades, Frankenstein resolveu o problema criando um indivíduo de estatura gigantesca, cerca de dois metros e meio. O tempo gasto na criação é medido na narrativa pelas estações se alternando, enquanto Frankenstein trabalha em seu laboratório, isolado do resto da casa. Dois anos, a obra-prima fica pronta, e Frankenstein, encontrando os óculos que perdera no inverno passado, pode finalmente contemplar o resultado do seu trabalho. E, naturalmente, fica horrorizado com a aparência física da sua criação: olhos aquosos e amarelados, pele enrugada, beiços retos e negros, estatura descomunal, membros desproporcionados. (Pitanguy já deu jeito em coisa pior.) O insano entusiasmo com que Frankenstein se entregara ao trabalho é agora superado por um súbito acesso de náusea e lucidez. Seguem-se várias considerações filosóficas sobre o Direito da Criação, não faltando sequer uma carapuça para a criação divina. Enquanto isto, Frankenstein foge apavorado e o monstro se evade.

Em seu espontâneo exílio, Frankenstein pode finalmente se entregar às delícias de uma tensão nervosa e passa vários meses em recuperação. Nunca mais ouve falar no monstro. Anos depois, regressa a Genebra, onde vive sua família, e fica sabendo da morte de seu irmão caçula, William, estrangulado por mãos poderosas. Sua irmã de criação, Justine, é acusada do crime e executada. Frankenstein sabe que o monstro é o responsável e começa a se torturar por ter criado um ser que já lhe provocou duas mortes na família. Sai então à procura do monstro e o localiza, escondido bem no finalzinho de um capítulo.

A partir daí, grande parte do relato é ocupado pelo ogre, que descreve ao cientista todo o seu itinerário, desde a fuga do laboratório. Conta como se refugiou nos arredores do casebre de uma família francesa refugiada e, pela constante observação, aprendera-lhe os costumes, além daquilo que para ele era o mais importante: a linguagem. Imitando os sons humanos e conferindo-lhes significado, exatamente como um personagem de Vila Sésamo, ele era agora capaz de se comunicar sem mais grilos.

Narra então a clássica cena: ao mirar-se no regato, constatou que sua aparência era monstruosamente diferente dos demais seres que observara. Depois, aprenderia noções elementares sobre a propriedade, os direitos e o reconhecimento social. Progressivamente foi ganhando consciência de que era um pária, sem passado e sem futuro, sem posses e com uma aparência física que o tornaria rejeitado por quantos de quem se aproximasse. Um dia, aguardou que o velho cego ficasse a sós no casebre e apresentou-se a ele como um viajante em busca de acolhida. Mas, no exato momento em que o velho ia oferecer-lhe o cafezinho, os demais membros da família chegaram, agrediram-no e o expulsaram como se ele fosse um monstro.

Completamente só e já sem esperanças de ser integrado ao convívio humano, a criatura passa a detestar seu criador e procura localizá-lo, o que consegue através dos documentos no bolso das calças de pescar siri que roubara no laboratório. Finalmente em Genebra, descobrira uma criança no bosque e, ao saber que se tratava do irmão caçula de Frankenstein, estrangulara-a.

Mary Shelley chega agora à melhor parte da história: o monstro exige que Frankenstein lhe construa uma fêmea, tão abominável na aparência quanto ele, a fim de não ficar sozinho. Promete retirar-se com ela para locais que o homem não possa alcançar, mas Frankenstein recusa-se a duplicar o mal que já havia cometido. Sob as ameaças de destruição de toda a sua família, no entanto, Frankenstein é obrigado a concordar. O monstro o adverte de que o seguirá o tempo todo, para acompanhar o trabalho e certificar-se de que não ficará um único parafuso solto na sua companheira.

De volta ao laboratório em Ingolstadt, Frankenstein ainda hesita em repetir o processo, pensando que também a fêmea poderia voltar-se contra o seu companheiro, repelindo um pacto anterior à sua criação e preferindo a beleza superior (não muito) do homem. Ou poderiam igualmente unir-se e começar a produzir ogres em série, como os da família Kennedy. Mas, sentindo o halo da presença da criatura, Frankenstein volta ao trabalho. Certa noite, com este já bastante adiantado, o cientista percebe o olhar do monstro espreitando pela vidraça, e, impulsivamente, destrói o material inanimado que viria a ser a fêmea. Não ficou uma costela inteira. Revoltado, o monstro lhe jura eterno ódio e a toda a humanidade.

O resto da narrativa é uma sucessão de mortes, com o monstro eliminando um por um todos os membros da família de Frankenstein, inclusive a sua noiva, em plena noite de núpcias. O clímax só acontece quando Frankenstein parte em perseguição à criatura, entre as geleiras do mar do Norte, onde viria a morrer. O monstro lhe aparece pela última vez, mas já o encontra sem vida. Anuncia então que irá atingir a extremidade mais setentrional do globo para deitar-se numa pira funerária, cujas chamas destruirão de vez a carne de segunda com a qual foi criado. Mas atenção: nada faz garantir que ele tenha morrido, nem o leitor assiste ao seu fim. Mary Shelley esqueceu a porta aberta e deve ter sido por ela que saíram os monstros que andaram assombrando os críticos de cinema nos anos 50. Enfim, ainda sobrou muito material, não apenas para vários filmes em 3-D, como para diversas tragédias gregas e comédias de televisão.

Por falar em gregos, outro personagem da lenda de Prometeu capaz de ser localizado em Frankenstein é Pandora, aquela que Zeus teria enviado aos homens, depois que eles se apoderaram irreversivelmente do fogo. A idéia de Zeus era a de que Pandora, com a sua caixinha de maldades e armadilhas, seria “o preço do fogo”. Mais ou menos como o monstro, ao exigir que Frankenstein lhe construísse uma fêmea, como o preço pela sua própria existência. No fundo, o que Zeus queria era fornecer aos homens os motivos para se exterminarem, agora que tinham os meios para isso, e, depois de limpa a área, criar uma humanidade novinha em folha.

Frankenstein, que já havia lido Ésquilo e Hesíodo, não foi na conversa do monstro. Enfim, a se acreditar na história da pira funerária, o fogo de Prometeu até que acabou servindo para alguma coisa.

Claro que Frankenstein sempre foi um livro muito divertido. Por isso, até pouco tempo, ninguém tinha se interessado em levá-lo a sério. Mas, assim como há livros que são salvos pelos leitores, o de Mary Shelley foi salvo pelo cinema. Foram aquelas versões horrendas com Boris Karloff, Lon Chaney Jr. e outros que, por comparação, transformaram o livro numa obra de “arte”, e fizeram com que o público fosse procurar nele os sustos que os filmes transformaram em gargalhadas. (Vide, na versão de 1932, com Karloff, a seqüência à beira do lago, em que a garotinha oferece flores ao monstro e este fica sem saber se a afoga ou se lhe serve de baby-sitter.)

Aliás, o cinema tem sido responsável por vários desvios à interpretação correta do monstro. Para começar, não é verdade que ele tivesse um parafuso no pescoço. O parafuso só apareceu quando os maquiladores da Universal precisaram de alguma coisa para fixar a máscara sobre os ombros de Boris Karloff — cuja carantonha foi registrada sob copyright, certamente para impedir que José Mojica Marins viesse a lançar mão dela. Além disso, os filmes nunca deram a devida atenção aos bons sentimentos do monstro. Sempre o apresentaram como uma múmia ou vampiro vulgar, e nem levaram em conta a sua condição de underdog social, sem direito a greve ou sindicato.

Mary Shelley não foi a primeira a ter a idéia do boneco animado. O folclore judeu, algumas passagens da Bíblia e as lendas medievais estão cheios dessas histórias. Talvez ela tenha sido a primeira a usar o golem para fazer crítica social. A partir daí, as histórias de golens ficaram tão freqüentes na literatura gótica quanto as de fadas na literatura infantil. Os golens hoje andam tão fora de moda quanto as fadas, porque os romancistas descobriram bonecos de carne e osso mais adaptáveis à realidade — embora ainda não tenham achado substitutos para as bruxas.

Fonte: O Frankenstein de Mary Shelley - 25/7/2005 - Digestivo Cultural - Ensaios - Ruy Castro

Frankenstein

Frankenstein ou o Moderno Prometeu (Frankenstein or the Modern Prometheus, no original em inglês), mais conhecido simplesmente por Frankenstein, é um romance de terror gótico com inspirações do movimento romântico, de autoria de Mary Shelley, escritora britânica nascida em Londres.

O romance relata a história de Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que constrói um monstro em seu laboratório. Mary Shelley escreveu a história quando tinha apenas 19 anos, entre 1816 e 1817, e a obra foi primeiramente publicada em 1818, sem crédito para a autora na primeira edição. Atualmente costuma-se considerar a versão revisada da terceira edição do livro, publicada em 1831, como a definitiva.

O romance obteve grande sucesso e gerou todo um novo gênero de horror, tendo grande influência na literatura e cultura popular ocidental.

O romance é narrado através de cartas escritas pelo capitão R. Walton para sua irmã enquanto ele está ao comando de uma expedição náutica que busca achar uma passagem para o Polo Norte. O navio sob o comando do capitão Walton fica preso quando o mar se congela, e a tripulação avista a criatura de Victor Frankenstein viajando em um trenó puxado por cães. A seguir o mar se agita, liberando o navio, e em uma balsa de gelo avistam o moribundo doutor Victor Frankenstein. Ao ser recolhido, Frankenstein passa a narrar sua história ao capitão Walton, que a reproduz nas cartas a irmã. A história do capitão Walton é chamada de narrativa moldura (as vezes também narrativa quadro), onde uma história contém outra.

Victor Frankenstein começa contando de sua infância em Genebra como filho de um aristocrata suíço e adolescência como estudante autodidata dedicado e talentoso. Neste ponto ele apresenta Elizabeth, criada como irmã adotiva, e Henry Clerval, seu amigo para a vida toda. Frankenstein interessa-se pelas ciências naturais e acaba estudando livros de mestres alquimistas, especialmente Cornélio Agripa, Paracelso e Albertus Magnus até os 17 anos de idade, quando seus pais enviam-no para estudar na Universidade de Ingolstadt, na Alemanha. Porém, antes da partida sua mãe contrai escarlatina ao cuidar de Elizabeth, e vem a falecer.

Ao chegar em Ingolstadt o jovem Victor procura seus futuros mestres, que condenam fortemente o tempo de estudo dedicado aos mestres alquimistas, e apresentam-lhe as modernas ciências naturais. Empenhado em descobrir os mistérios da criação, Victor estuda febrilmente e acaba encontrando o segredo da geração da vida, o qual se recusa a detalhar ao seu interlocutor, o capitão Walton.

Frankenstein então dedica-se a criar um ser humano gigantesco, sacrificando o contato com a família e a própria saúde, e após dois anos obtém sucesso. Porém, Victor enoja-se com sua criação, e abandona-a, fugindo. É encontrado por seu amigo Clerval, que viera a Ingolstadt estudar. Exausto, sucumbe à febre, sendo cuidado por seu amigo pelos meses seguintes, até seu reestabelecimento.

Victor Frankenstein recebe uma carta de seu pai relatando o assassinato de William, o seu irmão mais novo, e pedindo a sua volta. Ao chegar em Genebra, é informado que Justine, uma criada muito querida da casa dos Frankenstein, é acusada do crime, sendo encontrada com ela a jóia que o menino levava antes de desaparecer, e que não estava junto ao cadáver. Mesmo assim Victor está convencido de que Justine é inocente, e o verdadeiro culpado é a sua criatura. Porém as evidências contra ela são fortes e Justine é condenada a morte e executada pelo crime. Frankenstein passa a se sentir culpado por ter criado o monstro, e o segredo e a culpa passarão a lhe torturar.

Lutando contra o desespero, o doutor Frankenstein resolve escalar o Mont Blanc. Durante a subida, é encontrado por sua criatura, que é surpreendentemente articulada e eloqüente. O monstro conta sua história, narrando como fugiu do laboratório de Frankenstein para uma floresta próxima, onde aprendeu a comer frutas e vegetais, e a usar o fogo. Porém, ao encontrar seres humanos era sempre escorraçado e agredido, então eventualmente esconde-se no depósito de lenha anexo a uma cabana.

Lá, observa através de frestas na parede a vida de uma família pobre de ex-nobres, afeiçoando-se a eles e ajudando-os em segredo. A família consistia de um pai cego e um casal de irmãos. Aprende a língua e a escrita espionando as aulas que davam à noiva árabe do irmão, e encontra livros onde aprende sobre a vida e a virtude.

Após longo tempo toma coragem para se apresentar a família, e consegue conversar com o pai cego, mas quando os filhos chegam e o vêem junto ao pai também escorraçam o monstro, e fogem para sempre da cabana. A criatura torna-se amargurada e resolve procurar seu criador, cujo diário descobrira no bolso do casaco que levou do laboratório na noite da fuga. Durante a travessia é sempre agredido pelos humanos.

Ao chegar em Genebra encontra o irmão mais novo de Victor, William, e assassina-o, incriminando depois Justine. Ao terminar sua história, o monstro exige a promessa de que Frankenstein construa uma fêmea para ele, prometendo por sua vez deixar a humanidade em paz e ir viver com a sua noiva nas selvas sul-americanas. Frankenstein concorda, e ao voltar para Genebra torna-se noivo de Elizabeth, partindo com Clerval para a Inglaterra, a fim de cumprir a sua promessa.

Na Grã-Bretanha, Frankenstein vai para uma ilha, onde começa a construir a fêmea. Entretanto, ele muda de idéia, temendo criar uma raça de monstros, e destrói a criatura incompleta. O monstro acompanha o ato, e jura se vingar. Em seguida assassina Clerval. Frankenstein chega a ser acusado do crime, mas é inocentado por possuir um forte álibi. Seu pai vem lhe buscar e ambos retornam à Suíça.

Mesmo devastado pela culpa e pela tristeza, Victor casa-se com Elizabeth e no mesmo dia sai para viajar em lua de mel. Na noite de núpcias, fica vigiando a casa, temendo um ataque da criatura contra ele, mas o monstro ataca Elizabeth e a estrangula. Victor volta a Genebra, e com a notícia da morte de Elizabeth, seu pai adoece e morre em seguida. Jurando vingança, o criador passa a perseguir a criatura, que o leva através de uma longa caçada em direção ao norte, prosseguindo pelos mares congelados, onde eventualmente são avistados pelo capitão Walton e sua tripulação.

O navio dos exploradores fica preso no gelo, e Victor, já bastante doente, acaba morrendo. O capitão Walton então surpreende a criatura na cabine, no leito de morte de Frankenstein, pranteando seu criador. Ela diz para Walton que não havia mais o que temer pois seus crimes terminaram com a morte de Frankestein e prometeu ir ao extremo Norte e lá ela cometeria o suícidio trazendo paz aos humanos.

Origens

Em 1815 o Monte Tambora na ilha de Sumbawa, na atual Indonésia, entrou em erupção. Como consequência, um milhão e meio de toneladas de poeira foram lançadas na atmosfera, bloqueando a luz solar, deixando o ano de 1816 sem verão no hemisfério norte.

Neste ano, Mary Shelley, então com 19 anos e ainda com o nome de solteira Mary Wollstonecraft Godwin, e seu futuro marido, Percy Bysshe Shelley, foram passar o verão a beira do Lago Léman, onde também se encontrava o amigo e escritor Lord Byron. Forçados a ficar confinados por vários dias em ambiente fechado pelo clima hostil anormal para a época e local, os três e mais outro hóspede, o também escritor John Polidori, passavam o tempo lendo uns para os outros historias de horror, principalmente histórias de fantasmas alemãs traduzidas para o francês.

Eventualmente Lord Byron propôs que os quatro escrevessem, cada um, uma história de fantasmas. Byron escreveu um conto que usaria em parte mais tarde na conclusão de seu poema Mazzepa. Inspirado por outro fragmento de história de Byron desta época, Polidori mais tarde escreveria o romance “O Vampiro”, que seria a primeira história ocidental contendo o vampiro como conhecemos hoje, e que décadas depois inspiraria Bram Stoker no seu Drácula. Porém, passados vários dias, Mary Shelley ainda não conseguira criar uma história. Eventualmente ela veio a ter uma visão sobre um estudante dando vida a uma criatura. Essa visão tornou-se a base da história de Frankenstein, a qual Mary Shelley veio a desenvolver em um romance, encorajada pelo seu futuro marido.

Desta forma, é curioso notar que o Frankenstein e o Vampiro vieram a ter sua gênese literária na mesma ocasião.

Shelley relatou sua versão da gênese da história no prefácio à terceira edição de seu romance.

O nome da criatura

Embora a cultura popular tenha associado o nome Frankenstein à criatura, esta não é nomeada por Mary Shelley como “criatura”, “monstro”, “demônio”, “desgraçado” por seu criador. Após o lançamento do filme Frankenstein em 1933 o público passou a chamar assim a criatura. Isso foi adotado mais tarde em outros filmes. Alguns argumentam que o monstro é, de certa forma, um “filho” de Victor, e portanto pode ser chamado pelo mesmo sobrenome.

Frankenstein é o antigo nome de uma antiga cidade na Silésia, local de origem da família Frankenstein. Mary Shelley teria conhecido um membro desta família, o que possivelmente influenciou sua criação.

Edições

Mary Shelley completou o romance em 1817 e Frankenstein ou o moderno Prometeu foi publicado em 1 de janeiro de 1818 por uma pequena editora de Londres, a Lackington, Hughes, Harding, Mavor & Jones, após ter sido rejeitada por duas outras editoras. A publicação não continha o nome da autora, somente um prefácio escrito por Percy Bysshe Shelley, seu noivo, e uma dedicatória a William Godwin, seu pai. A primeira edição foi feita em três volumes e teve impressas somente 500 cópias.

Apesar das críticas desfavoráveis, a edição teve um sucesso de público quase imediato. Ficou bastante conhecida, principalmente através de adaptações para o teatro e a obra foi traduzida para o francês. A segunda edição de Frankenstein foi publicada em 11 de agosto de 1823 em dois volumes, desta vez com o crédito como autora para Mary Shelley.

Em 31 de outubro a editora Henry Colburn & Richard Bentley lançou a primeira edição popular em um volume. Esta edição foi significativamente revisada por Mary Shelley, e continha um novo e longo prefácio escrito por ela, relatando a gênese da história. Esta edição é a mais conhecida e mais usada como base para traduções.

Temas

Frankenstein aborda diversos temas ao longo do texto, sendo o mais gritante a relação de criatura e criador, com óbvias implicações religiosas. Uma influência notável na obra é o poema Paraíso Perdido de John Milton, que aborda a criação do homem e sua subseqüente queda. A influência torna-se explícita tanto através da epígrafe que cita três versos do poema, quanto aparecendo diretamente em Frankenstein: é um dos livros que a criatura lê.

A queda, ou a ruína, está bastante presente no livro de Shelley, que traça a destruição física e moral de Victor Frankenstein, e é aludida não só nas citações de Paraíso Perdido, como no próprio título da obra: O Moderno Prometeu. Prometeu é um personagem da mitologia grega, um titã que, ao roubar o segredo do fogo, o qual era reservado aos deuses, para doá-lo a humanidade, é severamente punido por Zeus. O paralelo com a trajetória de Victor Frankenstein é direto, e o livro deixa claro que o segredo da criação da vida a partir de matéria inanimada é de natureza divina.

O poder exercido pela humanidade sobre a Natureza através da ciência e da tecnologia é outro tema principal da obra, e encaixa-se no espírito da época, o estágio inicial da Revolução Industrial.

Outros temas são abordados com menos ênfase. A amizade verdadeira é tratada, com o Capitão Walton desejando tornar-se amigo de Victor, e Victor elaborando sobre ela ao se referir a sua amizade com Clerval.

Preconceito, ingratidão e injustiça também estão presentes. A criatura é sempre julgada por sua aparência, e agredida antes de ter uma chance de se defender. Em um episódio, o monstro salva uma garotinha inconsciente e, ao tentar devolvê-la para seu pai, é baleado e acusado de tê-la agredido. A inveja também aparece, ao subverter os bons sentimentos iniciais do monstro.

A expressão do sublime através da grandiosidade da Natureza é um tema caro ao Romantismo, e aparece em Frankenstein nas descrições das grandes planícies de gelo e das paisagens da Europa.

Por fim, a inevitabilidade do destino, tema muito desenvolvido na literatura clássica, é constatemente aludida ao longo do romance, que é uma obra que se presta a múltiplas interpretações e leituras.

Adaptações

O romance foi primeiramente adaptado para o teatro, e posteriormente para um grande número de mídias, incluindo rádio, televisão e cinema, além de quadrinhos.

A primeira adaptação para o cinema foi feita pelos Edison Studios em 1910. Foi produzida por Thomas Edison e trazia Charles Ogle no papel da criatura. Uma das mais famosas transposições do romance para as telas é a realizada em 1931 pela Universal Pictures, dirigida por James Whale, com Boris Karloff como o Monstro. Esta adaptação deu a aparência mais conhecida do monstro, com uma cabeça chata, parafusos no pescoço e movimentos pesados e desajeitados (apesar do livro descrever a criatura como extremamente ágil). Este filme tornou-se um clássico do cinema.

Um grande número de continuações seguiram-se, mas desta vez divergindo bastante da história narrada no romance. Em 1943 o personagem foi vivido por Bela Lugosi em Frankenstein Encontra o Lobisomem. Já em 1969 foi a vez de Peter Cushing estrelar a versão do diretor Terence Fisher que levou o título de Frankenstein tem que ser Destruído. Na década de 80 o personagem voltaria em dois filmes: Frankenstein do diretor James Ormerod e Gothic de Ken Russell.

Em 1994 foi lançada uma adaptação cinematográfica dirigida por Kenneth Branagh de nome Mary Shelley's Frankenstein, com o próprio Branagh no papel de Victor Frankenstein, Robert De Niro como a criatura e Helena Bonham Carter como Elizabeth. Apesar do título sugerir uma adaptação fiel, o filme toma uma série de liberdades com a história original.

As representações do Monstro e sua história têm variado bastante, de uma simples máquina de matar sem capacidade de reflexão a uma criatura trágica e plenamente articulada, o que seria mais próximo do retratado no livro.

O romance Frankenstein ainda serviu como inspiração para o filme Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.