sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aviso Macabro

Foi na ilha de Peel, conhecida pelas suas lendas o assombrações que se deu o inexplicável caso de telepatia que vamos referir: um senhor, digno de todo crédito, contou que, indo visitar as ruínas de famoso castelo, uma tarde, sentiu, repentinamente, a cabeça tonta e procurou um banco para sentar-se. Havia uma pedra perto da torre principal do castelo e ali o visitante descansou.

Caiu em sono esquisito e começou a sonhar, mas o sonho era tão claro que mais parecia realidade.

Ao acordar, estava de tal maneira impressionado que tomou nota na sua carteira do que se havia passado: vira um homem, vestido de preto e muito pálido, chegar a ele e dizer:

— Senhor, um estrangeiro acaba de ser vítima de sério acidente, venha depressa.

Acompanhando o interlocutor, entrou numa sala onde diversas pessoas rodeavam o corpo de um rapaz que tinha a cabeça horrivelmente ferida. “A morte devia ter sido instantânea”, disse o homem que o havia chamado, “pois do elevado morro em que ele estava ninguém cairia sem morrer imediatamente”.

— Isso não é verossímil, retorquiu outro homem presente, porque o relógio que está no bolso do colete não parou, portanto ele não caiu, nem houve choque violento.

— Conhece-o? — perguntou ao homem que o chamara.

— Pessoalmente, não, mas sei que morava no mesmo hotel em que estou.

Neste ponto o visitante de Peel acordou.

Passados três anos, o mesmo homem que tivera o sonho no castelo mal assombrado, estava em um hotel na Itália. Uma tarde passeava no parque quando um senhor pálido, evidentemente o mesmo do sonho, veio chamá-lo, para ver um estrangeiro que sofrera um acidente. Ao chegar ao salão do hotel, viu a perfeita reprodução da cena da visão de havia três anos, inclusive o detalhe do relógio.

Nunca se soube como se dera a morte do rapaz, apesar do tal homem de preto dizer que devia ter sido causada pela queda do alto do morro. Mas o relógio andando afastava toda a possibilidade dessa asserção. O senhor que sonhara, sempre desconfiou que se tratasse de um assassinato e que o culpado fosse o homem de preto que o chamara em sonho e acordado.

Mas o crime ficou impune.


Fonte: Revista "Careta", de 23/12/1939.

O Drama de Peel

Peer Castle - Isle of Man

No mar da Irlanda, a leste da Ilha do Homem, está situada a pequena ilha rochosa de São Patrick. Ergue-se ali, debruçado sobre um pequenino golfo, o castelo de Peel, obra do século XV, que hoje vive apenas de suas lendas e de seus mitos. 

Atraído por essas alusões, viajou para ali velho amigo meu que queria conhecer o misterioso drama do castelo de Peel. Ao desembarcar na ilha procurou um guia e se dirigiu às vetustas ruínas.

Ao regressar me contou ele: — Ninguém vai à noite ao Castelo porque, segundo os naturais, vagueiam entre as paredes e nos subterrâneos animais encantados, almas penadas, entes sobrenaturais... O certo é que, quando a gente pisa no chão do castelo, um frêmito terrível nos percorre o corpo. Entre todas as assombrações, a mais temível é a do cão infernal: é ele um grande animal preto, cujos olhos projetam fogo nas trevas... Os habitantes da ilha só de lembrá-lo tremem. Sentado sobre enorme pedra, junto á entrada de um dos subterrâneos, foi que ouvi do meu guia a seguinte historia:

«Quando o castelo vivia em seu esplendor e era guarnecido pelas forças lusidas, o cão aparecia frequentemente no corpo da guarda e lentamente, rosnando, percorria o corredor que ligava aquela dependência aos aposentos do comandante da guarnição. Afastada do corpo principal da casa e próximo à guarda achava-se a capela. Às seis horas em ponto as chaves de todas as dependências deviam ser entregues ao comandante da praça. Nenhum soldado se atrevia a passar depois dessa hora pelo corredor mal assombrado.

Aconteceu que, certa vez, não foi possível levar as chaves á hora exata. E John, jovem e destemido recruta, se ofereceu para entregá-las ao oficial, atravessando a passagem terrível. Os companheiros, mais prudentes, procuraram dissuadi-lo. Ele, porem, riu-se da advertência e meteu-se no sinistro corredor. Os outros soldados, apreensivos e ansiosos, ouviam os passos de John ecoando entre as paredes de pedra e o ruído da espada arrastando-se no lajedo. Poucos minutos decorreram. De repente, pesado silêncio envolveu tudo. E, a seguir, gritos pavorosos mesclados de uivos inimitáveis saiam do corredor macabro. Um frêmito de pavor imobilizou os soldados. Nenhum deles se aventurava a socorrer o imprudente. Reuniram-se junto ao fogão, trêmulos e cabisbaixos, sem pronunciar uma palavra. Os uivos diabólicos e os gritos dolorosos não cessavam... Cinco minutos, que pareceram cinco séculos decorreram. E o silêncio voltou. Os guardas entreolharam-se horrorizados.

«Depois de algumas horas encontraram o corpo inerte de John na porta que dava para o corredor fatal. Ele passou desacordado dois dias. Manteve os olhos cerrados e no rosto uma expressão cadavérica. Junto ao seu leito, na enfermaria do castelo, permanecia a linda jovem. Era a noiva do infeliz. Lágrimas de vez em quando lhe corriam pela face linda. E ela, nervosa, acariciava as mãos do doente.

Quando voltou a si, ainda estava apavorado. A expressão cadavérica não desaparecera de seu rosto e, a muito custo, com voz fraca, disse:

— Ao entrar na sala de armas do apartamento do capitão, que estava ausente, vi um enorme cão preto sentado em sua cadeira... Seus olhos demoníacos expeliam faíscas... Vendo-me — que horror! — aproximou-se rapidamente de mim e, rosnando, farejou todo meu corpo... Senti que a vida me abandonava e gritei .. Não me lembro de mais nada...

Calou-se, voltando novamente ao estado de letargia.

Enquanto falara a moça estava inquieta, seus olhos não pousavam em coisa alguma e as lágrimas não cessavam de cair... Fora ela que, secretamente, exigira dele uma grande prova de coragem em troca do seu amor.

Algumas horas depois a morte levou John para seu abismo sem fim... E os médicos não souberam diagnosticar-lhe o mal.

A jovem, diariamente, ao cair da noite, era vista ajoelhada à porta da igreja, orando. E, num anoitecer daqueles, os guardas do castelo, assombrados, viram junto ao corpo desfalecido da moça um grande cão preto de olhos luminosos, a lamber-lhe as mãos muito alvas e longas, caídas no solo, como dois lírios abandonados...


(Orvacio Santamarina)

Fonte: Revista “Careta”, de 21/01/1939.

A Casa Aberta

O encontro de Grace O’Malley com a Rainha Elizabeth I

Existe em Howth, perto de Dublin, um vasto castelo que conhecido pelo nome de “Casa Aberta”. Aberta, a casa não está constantemente. Só durante as horas das refeições as janelas e as portas estão escancaradas e isso há quatro séculos.

A origem desse costume é dos mais curiosos. Há quatrocentos anos, Grace O’Malley, a célebre e temível mulher-pirata irlandesa, apresentou-se diante do castelo exigindo hospitalidade. Os donos do castelo evitaram acolher hóspede tão indesejável. Então Grace O’Malley rouba o filho dos castelões e lhes manda dizer que só restituiria o garoto sob uma condição: a de que para o futuro todas as portas e janelas do castelo, sem exceção, fossem abertas nas horas das refeições. Os proprietários do Howth — os Saint-Lawrence — foram obrigados, então, a aceitar o ultimato.

Desde então cumpriram escrupulosamente sua promessa. E a respeitaram tão bem que após sua morte o ultimo representante direto da família interditou, por testamento, a venda do castelo se o comprador não se conformasse com a tradição, comprometendo-se ainda exigir que a respeitassem seus herdeiros e todos os compradores eventuais.  A lenda pretende que o fantasma de Grace O’Malley aparece no castelo para fiscalizar o pacto.

A propósito do castelo de Howth se conta ainda outra lenda: no parque, próximo ao edifício, achava-se outrora um carvalho magnífico. Uma velha cigana que passou por ali declarou que o carvalho perderia um de seus galhos cada vez que morresse um membro da família  dos Saint-Lawrence. Coincidências? Sem dúvida. Mas a verdade é que a profecia se realizou plenamente. O carvalho mantinha apenas um galho e este tombou em 1898, no dia em que faleceu o ultimo Saint-Lawrence.

O velho tronco ainda existe, mas sem força para lançar novos ramos para o céu...


Fonte: Revista "Careta", de 17/12/1938.