quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Hoje é Halloween


Hoje, dia 31 de outubro, se comemora o Halloween, mais conhecido no Brasil como o “Dia das Bruxas”. As comemorações do Halloween são mais comuns nos países anglo-saxônicos, com especial relevância aos Estados Unidos, Canadá, Irlanda e Reino Unido, tendo como base e origem as celebrações dos antigos povos celtas. Acredita-se que "na passagem dessa noite as almas saem de seus túmulos e partem pelas ruas amedrontando todos aqueles que estão por perto".

O dia das bruxas se infiltrou em nossas comemorações de forma tímida, pois o Brasil, país que celebra as coisas boas da vida, não se vê em meio a festividade aos mortos. Apesar de sua pequena influência, pode ser vista em escolas, clubes, casas noturnas e shoppings de várias cidades, mas como dito anteriormente, não adquire força expressiva, já que nem o folclore local é efetivamente comemorado.

Muitos nacionalistas dão créditos à influência do imperialismo cultural americano a vinda do halloween, assim, alguns brasileiros, localizados em São Luiz do Paraitinga, cidade paulista, decretou o dia 31 de outubro como o dia oficial do Saci Pererê em protesto à inclusão do Halloween. A maioria das manifestações critica a posição dos brasileiros em importar a cultura americana, já que o país tem grande diversidade folclórica que não é aproveitada e comemorada.

Apesar de todo o esforço da imprensa em destacar essa festividade norte-americana, os brasileiros não costumam festejar a data. É uma festa celebrada por poucos. No Rio de Janeiro as manifestações são caracterizadas por placas espalhadas pela cidade opondo tal prática e ainda em pedido ao retorno das considerações brasileiras, isto é, dar valor e importância às crenças nascidas no país, deixando manifestar o patriotismo dentro de nossa cultura.

Fonte: Brasil Escola; Wikipedia.

Manuscrito de Frankenstein online

Página do manuscrito de Frankenstein — The New York Public Library/Shelley-Godwin Archive
Manuscrito de Frankenstein ganha vida em arquivo online dos Shelley — Objetivo do site é reunir todos os manuscritos conhecidos de Percy e Mary Shelley.

“Frankenstein”, de Mary Shelley, escrito durante o verão de 1816, já inspirou incontáveis peças, filmes, quadrinhos e aplicativos de iPhone. Agora o manuscrito original se tornou a peça central da primeira fase do Arquivo Shelley-Godwin, um ambicioso projeto digital que entra no ar neste Dia das Bruxas.

O arquivo, cuja abertura será celebrada com um evento nesta quinta-feira na Biblioteca Pública de Nova York, é resultado de uma colaboração entre essa biblioteca e o Maryland Institute for Technology, com contribuições de várias outras entidades. O objetivo é reunir todos os manuscritos literários de Percy Bysshe Shelley e Mary Shelley, sua segunda esposa, assim como os pais de Mary, William Godwin e Mary Wollstonecraft — a “primeira família da literatura inglesa”, como o arquivo classifica.

O manuscrito de “Frankenstein”, propriedade da biblioteca Bodleian de Oxford, é ele mesmo uma espécie de monstro reconstruído, explica Neil Fraistat, um dos líderes do projeto. Ele é composto principalmente de dois cadernos de notas escritos por Mary, com comentários de Percy. No site, os internautas podem apertar um botão para ver apenas as palavras escritas por um ou pelo outro.

Fraistat conta que durante seu relacionamento, as letras de Percy e Mary foram se tornando cada vez mais parecidas, dando origem a debates sobre que era responsável por quais trechos. Em “O homem que escreveu Frankenstein”, publicado em 2007, John Lauritsen chega a dizer que Percy é o verdadeiro autor do livro, com Mary, na época uma adolescente, servindo apenas como copista, trabalho que ela costuma fazer para ele.

Para Fraistat, o arquivo digital dará a pesquisadores e fãs comuns uma ligação direta com a colaboração literária dos Shelley. Ele ressalta dois momentos em particular nos quais Percy deixa de lado o papel de editor e se dirige à mulher de forma mais intima. Num deles, corrige a ortografia de “enigmatic”, usando um de seus apelidos favoritos, “pecksie”. Ela chamava o marido de “Elf”.

A próxima fase do arquivo online, financiado com uma verba de US$ 300 mil, trará manuscritos de “Prometheus Unbound” e cerca de 30 páginas de cadernos de Percy Shelley. Alguns deles, afirma Fraistat, revelam a influência Mary no trabalho do marido.

“Era uma colaboração de mão dupla”, diz. “Não era apenas ele supervisionando o trabalho dela.”


Fonte: New York Times.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Morte às Bruxas - Parte 3


Intermediárias do Demônio — Uma história incrível passada há 300 anos nos tribunais de Massachusetts Dezoito mulheres enforcadas e duzentas pessoas levadas ao cárcere O senado daquele estado norte-americano proclamou, não há muito, a inocência dos mortos e dos martirizados.

Em pouco tempo o povoado havia sido contaminado de estranho delírio. Todo o mundo em Salem temia, mas clamava contra as bruxas e exigia providências das autoridades competentes.

— Morte às bruxas!

Esse era o grito que se ouvia por toda a parte.

A mãe de Ana Putnam, língua viperina, fez-se chefe do grupo mais exaltado. Não se podia oferecer melhor ocasião para desforrar-se de agravos, relas ou supostos. E assim, dessa maneira, seus presumidos inimigos foram, de pronto, levados à barra dos tribunais, que haviam sido, então, estabelecidos com a exclusiva finalidade de julgar e sentenciar as bruxas.

Não faltavam testemunhas ansiosas de revelarem o que sabiam a respeito. As provas eram sempre multo contestáveis, mas os juízes não exigiam mais para exarar as sentenças.

Todos os plenários contavam com a presença das enfeitiçadas. Apenas aparecia o acusado na sombria sala do tribunal e as que desempenhavam aquele papel se atiravam ao chão, retorciam-se, descabelavam-se, mordiam-se até sangrar. Não havia mais dúvidas. Era Isso a prova da influência diabólica que a presença do réu determinava.

O julgamento de Ana Pudeator

Chegou certo dia a vez de uma pobre viúva — Ana Pudeator. Ali estavam seus acusadores, retorcendo-se, descabelando-se, rastejando o chão.

— Estas pequenas não estão enfeitiçadas; estão loucas, nada mais! — exclamou Ana, exasperada.

Essa observação irritou os juízes. Foi iniciada Imediatamente a prova testemunhal. A primeira testemunha foi Jeremias Neal.

— Sim, esta mulher é uma bruxa1 gritou Jeremias, apontando-a. Pediu-me emprestado um objeto de meu uso e mal o levou, morreu minha mulher. Logo em seguida, caí de uma árvore e fraturei a perna esquerda.

Os magistrados moviam a cabeça solenemente como para dar a entender que estavam de pleno acordo. Não havia mais dúvida. Era uma bruxa.

Foi chamada outra testemunha, uma pequena de nome Maria Warren. Jurou que a senhora Pudeator se havia confessado responsável pelo acidente sofrido por Jeremias. Maria Warren era uma das jovens que tomara parte no audit6rlo de Tituba, na casa do reverendo Samuel Parris.

E mais ainda — disse Maria Warren. A senhora Pudeator matou seu próprio marido, a primeira esposa dele e a mulher de John Best. Ela me confessou esses nomes.

Uma terceira testemunha foi ouvida depois: Samuel Pickworth.

— Certa noite, eu caminhava pela rua. — contou — e senti algo estranho que passou junto de mim, alguma coisa parecida com um morcego negro. Entrou, em seguida, em casa de Pudeator.

Sara Churchill, outra testemunha interrogada, disse:

— Tive, de certa vez, estranha visão. Apresentou-se a mim Ana Pudeator, que me oferecia o livro do Demônio para que nele eu escrevesse meu nome. Eu não sei bem se foi visão ou realidade... E claro que não assinei o livro.

John Best confirmou em plenário o que foi dito sobre sua mulher. E acrescentou que ela ficou com o corpo cheio de manchas negras e azuis. As declarações de seu filho constituíram, porém, o cúmulo desses absurdos.

— Fui ao pasto levar as vacas pertencentes a meu pai, disse o pequeno. A senhora Pudeator aborreceu-se porque não levei a sua novilha. Como sabia ela que, na verdade, a novilha se juntara ao lote das vacas pertencentes a meu pai e que eu a espantei para que não fosse ao pasto? Como sabia? Só uma bruxa poderia isso ter adivinhado...

Veja também: Morte às Bruxas - Parte 1   Morte às Bruxas - Parte 2


Fonte: Artigo adaptado e atualizado de “A Noite Ilustrada”, de 30/07/1946.

Morte às Bruxas - Parte 2

A escrava Tituba mostra às meninas de Salem, bem ao vivo, os ritos do bruxedo


Intermediárias do Demônio — Uma história incrível passada há 300 anos nos tribunais de Massachusetts — Dezoito mulheres enforcadas e duzentas pessoas levadas ao cárcere — O senado daquele estado norte-americano proclamou, não há muito, a inocência dos mortos e dos martirizados.

Todos esses fantásticos acontecimentos tiveram início pouco tempo depois de ter chegado a Salem, em 1691, o reverendo Samuel Parris, com dois negros escravos das Índias Ocidentais. Eram estes John Indian e sua mulher de nome Tituba.

Ao calor do fogão, na cozinha de Parris, Tituba costumava contar histórias singulares a certo grupo de meninas. Falava-lhes dos ritos das tribos do seu país; descrevia feitiços e encantamentos, e, assim, encheu de loucas idéias o débil cérebro de suas ouvintes.

Uma destas era a menina Abigail Williams, de 11 anos de idade, sobrinha do reverendo. Pequena astuta, mas meio desequilibrada, com megalomania. A outra era Ana Putnam, de 12 anos, epiléptica, filha de Thomas Putnam, criado do padre. As demais, contando de 17 a 20 anos, eram mocinhas da vizinhança, que procuravam a amizade da sobrinha de Parris e de Ana.

As histórias de Tituba produziram o efeito que era de esperar num bando de adolescentes criadas sob o terror do Demônio, dos pecados, do Inferno, semi-histéricas, preparadas dessa maneira para acreditar também em sortilégios, em bruxarias. E durante o inverno daquele sombrio ano de 1691, as meninas começaram a prender a atenção dos parentes, vizinhos e amigos, em face das grotescas posturas a que se entregavam, gestos e gritos esquisitos, expressões ridículas, conversas incoerentes.

O médico do povoado, consultado, a respeito do que lhes estava acontecendo, só pode fazer um diagnóstico: Estão enfeitiçadas!

As jovens em questão, elas próprias, acreditaram nisso; o povoado inteiro acreditou também. As enfeitiçadas passaram, em seguida, a admitir que eram possuidoras de infalível faculdade, um dom sobrenatural, e capazes de acusar a presença de espíritos malignos, influências dos anjos maus, no corpo de qualquer desprevenida criatura.

As coisas tomaram proporções nunca vistas. Eram acusados de serem bruxos todos aqueles cujos hábitos e aspecto físico pudessem se prestar, na falta de outros argumentos e provas, para a tremenda acusação.

Uma das três primeiras mulheres acusadas foi a própria escrava Tituba. Mas, Tituba, mais esperta que as suas acusadoras, apressou-se a afirmar que ela também estava enfeitiçada...

Confiram o capítulo anterior: Morte às Bruxas - Parte 1


Fonte: Artigo adaptado e atualizado de “A Noite Ilustrada”, de 30/07/1946.

sábado, 26 de outubro de 2013

Morte às Bruxas - Parte 1


Intermediárias do Demônio — Uma história incrível passada há 300 anos nos tribunais de Massachusetts Dezoito mulheres enforcadas e duzentas pessoas levadas ao cárcere O senado daquele estado norte-americano proclamou, não há muito, a inocência dos mortos e dos martirizados.

Esta história se passou há muito tempo, mais de três séculos, e, agora, nos parece incrível. Nada, porém, foi mais verdade! Tudo ocorreu em Massachusetts. Naquela época se acreditava em bruxas, que era gente com boa amizade com o Diabo. E os juízes as condenavam à morte. Daí se concluir que não se tratava de mera crendice popular. A bruxa era considerada intermediária entre o demônio e a tempestade, a peste e os malefícios.

Certa mulher de nome Brígida Bishop morria, por isso, na forca, em julho de 1692, abrindo o cortejo de outras pessoas condenadas ao mesmo suplício e por culpa idêntica.

Culpada? Sim, culpada! Culpada de fazer bruxedos, de ter feito se matar um homem envenenado e, ainda, porque ofendera, com a sua indumentária de cores atrevidas, o recato das puritanas. Isso rezara a sentença contra Brígida Bishop, que, a rigor, não havia cometido outro pecado que o de ser três vezes viúva e administrar uma taberna, nas margens do pitoresco porto de Salem, Massachusetts, onde as horas passavam divertidas.

Mas, depois de Brígida, morriam na forca três mulheres mais, e, logo, outras, e mais outras, até 18 terem sido as condenadas. Na realidade essas martirizadas criaturas eram tão inocentes quantas outras duzentas pessoas que foram metidas nos cárceres pelo mesmo tribunal. Uma série de absurdos, de denúncias e exóticas provas testemunhais, inspiraram os juízes.

Desceu sobre Massachusetts uma orgia de furor. Desencadeou-se um delírio de morte, e entre os anos de 1691 e 1692, os cárceres transbordaram de desgraçados suspeitos de relações com o Diabo; a forca foi 18 vezes erguida, e até um ancião, de 80 anos de idade, foi martirizado de maneira pavorosa, até o último alento de vida.

Dois séculos e meio depois, consideradas as tristes ocorrências como as mais inconcebíveis infâmias da história judicial do Estado de Massachusetts, a legislatura local procurou lavar a mancha sinistra, proclamando a inocência de todos os acusados. A iniciativa partiu, já em nossos dias, do próprio Senado, atendendo inédita petição dos descendentes de Ana Pudeator, uma das mulheres sacrificadas.

Examinada a história incrível das execuções, que relembraremos em seguida, o Congresso daquele Estado norte-americano aprovou a proclamação de inocência, mais com aquele fim do que para restituir a honra — e já então para que? — à memória dos mortos e mártires...

Continua em  Morte às Bruxas - Parte 2


Fonte: Artigo adaptado e atualizado de “A Noite Ilustrada”, de 30/07/1946.

O Segredo do Castelo de Glamis

Lord Strathmore quando foi buscar vinho

Quando o segundo filho do rei George casou com lady Elizabeth Bowes-Lyon, filha do conde de Strathmore, teria a noiva revelado o terrível segredo do castelo de Glamis, o qual, durante gerações e gerações foi conservado entre a família Glamis?

Todos os velhos castelos da Europa têm as suas lendas de monstros, almas penadas, quartos secretos, etc., mas o velho solar de Glamis tem a sua história real e misteriosa. E a verdadeira lenda é tão assombrosa que o velho lorde Strathmore, avô da esposa do duque de York, interrogado por seus amigos, disse-lhes:

"Se vocês suspeitassem a natureza do terrível mistério, agradeceriam a Deus, de joelhos, por deixá-los na ignorância..."

Quando, durante a guerra, esse famoso castelo foi posto à venda, ninguém se apresentou para comprá-lo e, certo, pessoa alguma o quereria habitar, ainda que lhe dessem de graça, tais as histórias de monstros, almas e duendes que diziam assombrar as criptas, cavernas e subterrâneos do berço dos Glamis.

Mesmo o prudente Walter Scott, que em 1794, passou uma noite no famoso castelo, diz que ali se sentia a carne arrepiar de horror. Walter Scott não fala em coisas sobrenaturais, mas diz que realmente havia algo de misterioso que assustava.

O conde de Crawford referindo-se à velha casa senhorial diz que só dois herdeiros podiam conhecer bem o verdadeiro segredo do quarto mal-assombrado: o lorde e seu filho mais velho. Por morte do lorde, o filho contava ao seu herdeiro primogênito, e assim por diante, de maneira que só duas pessoas ficavam de posse da horrível verdade.

O atual lorde Strathmore tem um filho, que, na natural ordem de sucessão, herdará o castelo e o segredo. É de supor que esse rapaz tenha contado a lenda à irmã, lady Bowes-Lyon, a qual, provavelmente, a transmitirá ao marido — o duque de York.

Serão duas lendas? Assim deve ser, pois a de 1794, referida por Walter Scott, não pode ser a mesma que recentemente ainda assombrava o pai do atual conde.

Pelos arredores de Glamis corre a lenda de que o quarto secreto foi construído, outrora, para um monstro que nasce na família, de cem em cem anos, como punição de antigo crime. Esse monstro é mantido no quarto secreto até morrer, para que o mundo ignore o castigo horrível que pesa sobre os Glamis.

Conta a lenda que o monstro tem a forma de uma rã e que, na noite em que ele morre, todas as rãs dos charcos da vizinhança se reúnem em volta do castelo de Glamis, aos milhares. Elas começam a coaxar dolorosamente, como a carpir a companheira que expira com a qual tem um parentesco sobrenatural.

A lenda do homem-rã nasceu de um trecho da história do próprio castelo, que conta que, em 1537, a jovem viúva do quinto lorde de Strathmore foi queimada, apesar de inocente, por suspeitarem de ela estar mancomunada com o diabo na prática de feitiçarias.

Mais de uma pessoa do distrito, afirma que o monstro existiu e até se referem ao seu tamanho descomunal e à sua ferocidade. Perguntarão como foi possível a essa gente saber o que se passava dentro do quarto mal-assombrado, Mas a resposta é simples: um criado encarregado de guardar a adega do castelo viu, de uma feita, o monstro horrendo, no momento em que o lorde abria a porta do quarto, julgando que ali não estivesse o seu empregado. Daí por diante foi impossível arranjar quem quisesse tomar o cargo de guarda do depósito de vinhos.

Foi assim que uma vez, quando o pai do atual conde estava sem criado de adega, depois de um jantar dado por ele a alguns amigos, faltou vinho, e o conde, em pessoa, foi buscá-lo. Demorou-se tanto, porém, no subterrâneo, que os seus amigos, assustados, foram procurá-lo. Chegaram à porta da casa dos vinhos mo momento em que ele dali saía, fechando, violentamente, a porta por onde passara. Ele trazia as vestes despedaçadas, o rosto ensanguentado e a fisionomia contraída, com todos os sinais de quem lutara desesperadamente.

Quem lhe fizera tanto mal? O castelão não o disse aos seus amigos e, além disso, pediu que não o interrogassem a esse respeito.

No dia seguinte a essa cena, o lord suplicou aos hóspedes que lhe fizessem o favor de ficar nos seus quartos até ouvirem o sino do castelo tocar. Todos acederam a esse pedido, e só três quartos de hora mais tarde o sino tocou, libertando-os do compromisso tomado. Eles ficaram convencidos de que a imprudente e misteriosa criatura do castelo Glamis tinha mais poder para produzir danos físicos do que qualquer mera alma penada.

Quem poderia ter causado tais prejuízos e ofensas senão o monstruoso morador do quarto mal-assombrado? Não há dúvida que existe qualquer segredo tenebroso no castelo de Glamis. O lugar do quarto trágico só é conhecido pelo conde e seu filho primogênito, herdeiro do solar e do título.

Contam que o avô do atual conde, não contente com a lenda do quarto, e querendo desvendar o segredo antes que o pai lhe contasse, reuniu diversos amigos que com ele tinham jantado e, em procissão ruidosa, foi pelo corredor que conduzia ao quarto lendário. Em uma das mãos carregava uma lâmpada e na outra a chave que descobrira escondida na secretária do pai. Um dos presentes descreveu assim a cena que presenciou e que foi relatada pelo dr. Lee, amigo desse hóspede indiscreto:

"Ele abriu a porta, levantou a lâmpada e começou a entrar no quarto. Ainda não havia dado dois passos quando soltou um grito medonho e caiu nos nossos braços, completamente desacordado! Foi a fisionomia mais horrorizada que jamais vi! Nunca se conseguiu que ele falasse sobre o assunto, tal o horror de que ficou possuído!".

Isso se passou com o avô de lady Bowes-Lyon. Ele transmitiu o segredo ao filho, e esse, por sua vez, teve a confirmação no dia em que foi buscar a garrafa de vinho na adega. Por duas vezes os hóspedes do lord tentaram desvendar o mistério do quarto do subterrâneo, mas de ambas foram mal sucedidos. Da primeira vez a tentativa foi feita por umas moças destemidas, que combinaram deixar, nas janelas dos seus quartos, as toalhas de rosto, e depois foram para o prado observar qual a janela que não tinha toalha, pois essa devia ser a procurada. O lorde ficou furioso e, no dia seguinte, todas elas receberam ordem de deixar o castelo. O mesmo aconteceu a um médico que, surpreendido fazendo pesquisas, deram-lhe os seus honorários e a passagem de volta...

O atual lorde Strathmore, décimo - quarto desse nome, reconhecido em 1876, no dia do seu reconhecimento, foi chamado por seu pai para ser informado e ver o segredo do castelo: voltou dessa conferência tão horrorizado que não teve mais alegria durante todo o resto da recepção, assim contaram os jornais da Escócia. Seja como for, um dos habitantes do quarto secreto morreu em 1885, pois o jornal Edimburgh Scotsman, que é um dos mais sérios e abalizados, seu a seguinte notícia: "Faleceu, na idade de 84 anos, lorde Thomas Glamis". Entretanto, na lista dos pares não havia a menor referência a esse lorde, o que leva a crer que ele fosse um dos monstros encarcerados da família do velho solar escocês.

A esposa do duque de York saberá do segredo? Ou o pai teria tido pena e poupou à jovem o horror desse espetáculo?


Fonte: Revista "Fon Fon" - Dezembro/1923

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aviso Macabro

Foi na ilha de Peel, conhecida pelas suas lendas o assombrações que se deu o inexplicável caso de telepatia que vamos referir: um senhor, digno de todo crédito, contou que, indo visitar as ruínas de famoso castelo, uma tarde, sentiu, repentinamente, a cabeça tonta e procurou um banco para sentar-se. Havia uma pedra perto da torre principal do castelo e ali o visitante descansou.

Caiu em sono esquisito e começou a sonhar, mas o sonho era tão claro que mais parecia realidade.

Ao acordar, estava de tal maneira impressionado que tomou nota na sua carteira do que se havia passado: vira um homem, vestido de preto e muito pálido, chegar a ele e dizer:

— Senhor, um estrangeiro acaba de ser vítima de sério acidente, venha depressa.

Acompanhando o interlocutor, entrou numa sala onde diversas pessoas rodeavam o corpo de um rapaz que tinha a cabeça horrivelmente ferida. “A morte devia ter sido instantânea”, disse o homem que o havia chamado, “pois do elevado morro em que ele estava ninguém cairia sem morrer imediatamente”.

— Isso não é verossímil, retorquiu outro homem presente, porque o relógio que está no bolso do colete não parou, portanto ele não caiu, nem houve choque violento.

— Conhece-o? — perguntou ao homem que o chamara.

— Pessoalmente, não, mas sei que morava no mesmo hotel em que estou.

Neste ponto o visitante de Peel acordou.

Passados três anos, o mesmo homem que tivera o sonho no castelo mal assombrado, estava em um hotel na Itália. Uma tarde passeava no parque quando um senhor pálido, evidentemente o mesmo do sonho, veio chamá-lo, para ver um estrangeiro que sofrera um acidente. Ao chegar ao salão do hotel, viu a perfeita reprodução da cena da visão de havia três anos, inclusive o detalhe do relógio.

Nunca se soube como se dera a morte do rapaz, apesar do tal homem de preto dizer que devia ter sido causada pela queda do alto do morro. Mas o relógio andando afastava toda a possibilidade dessa asserção. O senhor que sonhara, sempre desconfiou que se tratasse de um assassinato e que o culpado fosse o homem de preto que o chamara em sonho e acordado.

Mas o crime ficou impune.


Fonte: Revista "Careta", de 23/12/1939.

O Drama de Peel

Peer Castle - Isle of Man

No mar da Irlanda, a leste da Ilha do Homem, está situada a pequena ilha rochosa de São Patrick. Ergue-se ali, debruçado sobre um pequenino golfo, o castelo de Peel, obra do século XV, que hoje vive apenas de suas lendas e de seus mitos. 

Atraído por essas alusões, viajou para ali velho amigo meu que queria conhecer o misterioso drama do castelo de Peel. Ao desembarcar na ilha procurou um guia e se dirigiu às vetustas ruínas.

Ao regressar me contou ele: — Ninguém vai à noite ao Castelo porque, segundo os naturais, vagueiam entre as paredes e nos subterrâneos animais encantados, almas penadas, entes sobrenaturais... O certo é que, quando a gente pisa no chão do castelo, um frêmito terrível nos percorre o corpo. Entre todas as assombrações, a mais temível é a do cão infernal: é ele um grande animal preto, cujos olhos projetam fogo nas trevas... Os habitantes da ilha só de lembrá-lo tremem. Sentado sobre enorme pedra, junto á entrada de um dos subterrâneos, foi que ouvi do meu guia a seguinte historia:

«Quando o castelo vivia em seu esplendor e era guarnecido pelas forças lusidas, o cão aparecia frequentemente no corpo da guarda e lentamente, rosnando, percorria o corredor que ligava aquela dependência aos aposentos do comandante da guarnição. Afastada do corpo principal da casa e próximo à guarda achava-se a capela. Às seis horas em ponto as chaves de todas as dependências deviam ser entregues ao comandante da praça. Nenhum soldado se atrevia a passar depois dessa hora pelo corredor mal assombrado.

Aconteceu que, certa vez, não foi possível levar as chaves á hora exata. E John, jovem e destemido recruta, se ofereceu para entregá-las ao oficial, atravessando a passagem terrível. Os companheiros, mais prudentes, procuraram dissuadi-lo. Ele, porem, riu-se da advertência e meteu-se no sinistro corredor. Os outros soldados, apreensivos e ansiosos, ouviam os passos de John ecoando entre as paredes de pedra e o ruído da espada arrastando-se no lajedo. Poucos minutos decorreram. De repente, pesado silêncio envolveu tudo. E, a seguir, gritos pavorosos mesclados de uivos inimitáveis saiam do corredor macabro. Um frêmito de pavor imobilizou os soldados. Nenhum deles se aventurava a socorrer o imprudente. Reuniram-se junto ao fogão, trêmulos e cabisbaixos, sem pronunciar uma palavra. Os uivos diabólicos e os gritos dolorosos não cessavam... Cinco minutos, que pareceram cinco séculos decorreram. E o silêncio voltou. Os guardas entreolharam-se horrorizados.

«Depois de algumas horas encontraram o corpo inerte de John na porta que dava para o corredor fatal. Ele passou desacordado dois dias. Manteve os olhos cerrados e no rosto uma expressão cadavérica. Junto ao seu leito, na enfermaria do castelo, permanecia a linda jovem. Era a noiva do infeliz. Lágrimas de vez em quando lhe corriam pela face linda. E ela, nervosa, acariciava as mãos do doente.

Quando voltou a si, ainda estava apavorado. A expressão cadavérica não desaparecera de seu rosto e, a muito custo, com voz fraca, disse:

— Ao entrar na sala de armas do apartamento do capitão, que estava ausente, vi um enorme cão preto sentado em sua cadeira... Seus olhos demoníacos expeliam faíscas... Vendo-me — que horror! — aproximou-se rapidamente de mim e, rosnando, farejou todo meu corpo... Senti que a vida me abandonava e gritei .. Não me lembro de mais nada...

Calou-se, voltando novamente ao estado de letargia.

Enquanto falara a moça estava inquieta, seus olhos não pousavam em coisa alguma e as lágrimas não cessavam de cair... Fora ela que, secretamente, exigira dele uma grande prova de coragem em troca do seu amor.

Algumas horas depois a morte levou John para seu abismo sem fim... E os médicos não souberam diagnosticar-lhe o mal.

A jovem, diariamente, ao cair da noite, era vista ajoelhada à porta da igreja, orando. E, num anoitecer daqueles, os guardas do castelo, assombrados, viram junto ao corpo desfalecido da moça um grande cão preto de olhos luminosos, a lamber-lhe as mãos muito alvas e longas, caídas no solo, como dois lírios abandonados...


(Orvacio Santamarina)

Fonte: Revista “Careta”, de 21/01/1939.

A Casa Aberta

O encontro de Grace O’Malley com a Rainha Elizabeth I

Existe em Howth, perto de Dublin, um vasto castelo que conhecido pelo nome de “Casa Aberta”. Aberta, a casa não está constantemente. Só durante as horas das refeições as janelas e as portas estão escancaradas e isso há quatro séculos.

A origem desse costume é dos mais curiosos. Há quatrocentos anos, Grace O’Malley, a célebre e temível mulher-pirata irlandesa, apresentou-se diante do castelo exigindo hospitalidade. Os donos do castelo evitaram acolher hóspede tão indesejável. Então Grace O’Malley rouba o filho dos castelões e lhes manda dizer que só restituiria o garoto sob uma condição: a de que para o futuro todas as portas e janelas do castelo, sem exceção, fossem abertas nas horas das refeições. Os proprietários do Howth — os Saint-Lawrence — foram obrigados, então, a aceitar o ultimato.

Desde então cumpriram escrupulosamente sua promessa. E a respeitaram tão bem que após sua morte o ultimo representante direto da família interditou, por testamento, a venda do castelo se o comprador não se conformasse com a tradição, comprometendo-se ainda exigir que a respeitassem seus herdeiros e todos os compradores eventuais.  A lenda pretende que o fantasma de Grace O’Malley aparece no castelo para fiscalizar o pacto.

A propósito do castelo de Howth se conta ainda outra lenda: no parque, próximo ao edifício, achava-se outrora um carvalho magnífico. Uma velha cigana que passou por ali declarou que o carvalho perderia um de seus galhos cada vez que morresse um membro da família  dos Saint-Lawrence. Coincidências? Sem dúvida. Mas a verdade é que a profecia se realizou plenamente. O carvalho mantinha apenas um galho e este tombou em 1898, no dia em que faleceu o ultimo Saint-Lawrence.

O velho tronco ainda existe, mas sem força para lançar novos ramos para o céu...


Fonte: Revista "Careta", de 17/12/1938.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Um Drama no Além Túmulo

Após um delíquio momentâneo, em que se esvaia toda a lucidez e parecia se extinguir o último vestígio de vida, Libório sentiu um alívio reconfortante. Havia seis meses que estava quase, imóvel estendido na cama, ouvindo soluços e suspiros, percebendo lágrimas mal disfarçadas.

Desenganado.

Não lhe disseram claramente isso, mas ele o percebera. Mas graças a Deus, às vezes os médicos se enganam. A natureza frequentemente reage e aquilo que se tornara insuperável aos parcos recursos da ciência é facilmente vencido pelas forças misteriosas da vitalidade.

Senão qual a explicação para aquela súbita sensação de alívio, aquela tranquilidade que lhe voltava ao espírito?

Sentia-se forte, rijo, lesto. Ergueu-se do leito. Aquilo até estava cheirando a milagre.

* * *

Lá fora uma lua redonda e bonita, num céu límpido e pontilhado de estrelas, pareciam espiá-lo com a sua curiosidade sideral sobre os leques farfalhantes das palmeiras esguias.

"Minha terra tem palmeiras..."

O espírito se encheu de reminiscências aprazíveis, velhas ânsias, saudades recordações... Viver é bom! A alma regurgitou-se de trinados e chilros sutis. Ah... noites de outrora! Noites de amor e poesia! Seis meses entre a vida e a morte! ... Já era padecer... A ciência esgotara todos os recursos. Desvanecera-se toda a esperança, mas, apesar de tudo, se sentia agora restabelecido, sem o mais remoto achaque. Satisfeito, forte, ágil e por quê?

Não sabia.

Lá fora a magia estonteante do luar, a noite cantava pela garganta de mil pássaros noturnos, pelos mil e um acroamas bárbaros da natureza eternamente moça: eram zuídos, zizios, sopros, farfalhos, chiados, gargarejos, guinchos — era a orquestração desarmônica e polífona de toda a natureza animada pelo magnetismo do luar...

A noite entoava a cantoria bárbaras dos zumbis misteriosos, das chilreadas crispantes, das cavatinas de milhões de ramos a se esfrolarem e do uivo do vento nos frechais. Parecia que toda a natureza se engalanara para a festa nupcial de um deus miraculoso. O céu polviralha-se de carepas de ouro. A lua vogava redonda sobre a superfície tranquila do imenso lastro de poeira cósmica.

E Libório reconquistava o paraíso perdido. São! Livre! Teve vontade de passear e não se preocupava com as prescrições médicas.

Mas que esquisitice! Sentia-se leve, muito leve mesmo, quase imponderável, quase volátil...

Quis ir a um canto do quarto e o seu corpo, movido exclusivamente pela força de volição, como que impulsionado pelo pensamento, transportou-se rápido como uma fumaça soprada pela brisa.

Livre! Livre de tudo! Liberdade completa, absoluta! Até a força da gravidade parecia não existir para ele. Experimentando as novas possibilidades, deu um salto para ver se alcançava o teto e.... bumba!

Facílimo!

Agarrou-se ao fio da lâmpada elétrica e ficou a balouçar-se no espaço um instante, como um grande morcego, pendurado, maravilhado consigo mesmo, sem sentir o peso do próprio corpo. Sim, senhor! ... Depois, desprendendo-se e não querendo tocar o assoalho, perambulou no alto a uns dois metros em todas as direções ao sabor da vontade. Deu saltos mortais sem cair, cambalhotou, rebolou-se, contorceu-se, pinchou, dançou, saracoteou.

Não havia dúvidas! Um milagre! O mais assombroso dos milagres! Sentia-se dotado de um poder sobrenatural, uma partícula do poder divino. A sua vontade era um poder supremo, ilimitado, que não sofria restrições de nenhuma lei natural. O seu querer era de fato o seu poder. Fez uma nova experiência: colocou-se no meio do aposento e disse para si mesmo, para a sua própria onipotência:

— Quero me tornar um gigante — e.... a sua cabeça tocou o teto. O busto se lhe agigantou formidavelmente. Os membros e os músculos aumentaram de proporções, enrijeceram-se, tornaram-se descomunais. Apanhou o espelho, um espelho mediano, em cima da mesa e pode nele ver o reflexo contra a luz do luar de uma parte do nariz teratológico.

Depois...

— Vou me tornar do tamanho daquela bonequinha — e.... zás! Espinoteou sobre a ponta da mesa, minúsculo, uma espécie de gnomo, um entezinho de contos de crianças, um anãozinho saltado vivo de uma página de história medieval, bracinhos miúdos, pernas curtinhas, inquieto, saltitante...

Depois... voltando à estatura normal: — A Amélia! Há quanto tempo já não a vejo! Está tão longe! Três dias de viagem de trem. — Meditou um instante. — Sim... Mas sinto-me capaz de vê-la hoje... E já... Vai ficar maravilhada com a minha presença... Assombrada! Dois anos de ausência! Que saudade! Vou vê-la!

Foi obra de um momento! O seu corpo se projetou como uma bala através da janela escancarada, alçou-se no espaço, sobre as frondes do arvoredo rociado, numa parábola gigantesca, sobre os píncaros de montanhas, vales, abismos, rios, florestas, cidades iluminadas, que passavam embaralhados com a rapidez de um raio e.... zás!


Estava no quarto de Amélia.

Entrara sem bater como? As portas e as janelas estavam fechadas.

À meia luz de um abajur, num pijama, abandonada lascivamente, a mulher parecia sonhar. Respiração quase inaudível, um sorriso leve nos lábios como se pronta a receber os beijos de um amante imaginário.

Libório a contemplou embevecido, encantado. Depois inclinou-se sob a fascinação irresistível, delirante e.... a beijou. Um abraço longo, apertado...

A amante estremunhou, acordou, arregalou os olhos e o encarou assombrada. Soltou um grito e saltou da cama a correr e a gritar como louca, despertando toda a casa e pondo tudo em polvorosa.

— Amélia! — murmurou Libório consternado e aflito.

Rumores de todos os lados.

O quarto encheu-se de gente. "Foi pesadelo!". "Que foi?". "Só podia ser pesadelo". "Não, não! Eu vi, o vi bem! Estava inclinado sobre o meu corpo!". Os comentários fervilhavam. Como poderia ter entrado? Libório ouviu aquilo tudo atrás do guarda-roupa, sem compreender também. Depois se retirou desgostoso.

Passou vários dias perambulando a esmo, visitando vários lugares, sem sentir fome nem sede. Fato estranho este! Não sentia fome nem sede. Talvez fosse resultado do desgosto causado pelo susto estapafúrdio da amante. Pois então era ele algum bicho para infundir terror a alguém?

Lembrou-se afinal da casa. E voltou.

Estava fechada. Mas Libório nem deu por isso. Foi entrando assim mesmo. E que diabo! ... Por que haviam feito aquilo? Já ali não se encontravam os móveis. Despejo? Não se recordava bem do que se passara relativamente ao aluguel de casa nesses últimos seis meses, mas custava se convencer de um despejo assim, só porque ele saíra de casa uns dias. Tudo vazio, escuro. Salas e quartos ermos... Tristeza! Para onde teriam levado os seus haveres? Era o cúmulo!

Só havia o recurso de ir à casa do irmão e se informar.

* * *

— José!

Mas, Ó inferno! Que houve! O espanto foi duplo. Mal o encarou, o outro se mostrou possuído de um terror inexplicável e disparou como um louco a correr para os fundos da casa, assombrado, gritando, tremendo como se visse o próprio Satanás. Foi um alvoroço dos diabos.

Libório ficou estupefato no meio da sala, espantado também sem saber de que. Quis acompanhar o irmão, explicar-lhe, pedir explicações, mas ficou como pregado ao solo. Depois, sucumbido, triste, resignado, se retirou a passos tardos.

Que acabrunhamento!

Alguma moléstia contagiosa? Morfeia? Não... Não... Não estava morfético. E que estivesse, ora esta. Não, não haveria motivos para tamanho estardalhaço.

Passou mais alguns dias vagando atoa, oprimido sob o peso do mais cruel dos destinos. Tudo o repelia. Todos o temiam como um demônio e por que? Por que? Por que? Era de alucinar...

Não teve mais ânimo de se dirigir a pessoa alguma, temendo novas cenas daquelas. Tornou-se arredio, macambuzio, sinistro, afastou-se para os lugares ermos, embrenhou-se no mato sem entender nada, sem compreender coisa alguma. O mundo lhe parecia agora um enigma indecifrável, torturante. Um véu de inexplicável mistério cobria todas as coisas e os seres todos. A inteligência, como emboscada, esmagada pela realidade brutal, não concatenava as ideias e os fatos. O cérebro entorpecido não se prestava ao mais leve raciocínio. A verdade estúpida o enlouquecia. Sua alma se encheu de fel e veneno.

Em noites de lua se punha a vagar solitário pelos campos em fazenda do interior. Já não sabia mais por onde andava. Perambulava atoa, assustando sem querer os transeuntes noturnos. Até que um dia a ideia sinistra lhe adentrou pelo espírito e dentro em pouco se transformou em preocupação única, em invencível obsessão.

Enforcar-se?

Não. Havia tanto despenhadeiro por ali afora. Serras e mais serras...

* * *

E lá estava ele finalmente em cima do monte. Sentou-se despreocupadamente à borda do abismo, a lançar o último olhar enfarado à paisagem inundada de sol. Contemplou com prazer quase voluptuoso as saliências rochosas do despenhadeiro eriçado de arestas navalhantes. Jamais imaginara pudesse um homem encarar a morte com maior calma e prazer. Lá embaixo, no fundo do precipício, uma grande laje branquejava ao sol. Era ali que o seu corpo iria bater finalmente já todo espedaçado, truncado pelas asperezas.

Morte! Sinônimo de liberdade! Dentro em pouco estariam arrebentados os grilhões daquela fatalidade inelutável. O abismo o fascinava.

Fechou finalmente os olhos e se atirou pelo alcantil abaixo.

Mas em vez da queda precipitada e rápida, Ó inferno! o seu corpo flutuou no espaço como um floco de algodão, num descenso lento, rolando vagarosamente pela face ríspida do despenhadeiro, como uma pluma, uma fumaça imponderável, detendo-se às vezes ao menor obstáculo.

Só muito tempo depois é que fui alcançar o fundo remoto do algar, a face horizontal do lajedo enorme. Mas o corpo estava perfeito, sem o menor ferimento.

Libório soltou uma risada lamentosa, triste, uma risada de insano desespero.

Que diabo! ...

Mas era preciso morrer! A morte era agora a aspiração suprema, o dourado sonho de liberdade.

E pinchou-se resolutamente num remoinho d'água ao pé de uma cachoeira espumante e chuchurreante. Desceu nas mesmas condições até o fundo revolto do vórtice e permaneceu sentado sob a água mais de quinze minutos sem sentir o menor mal-estar, contemplando alguns peixes fugitivos que passavam às rabanadas e ziguezagues, a areia límpida, caranguejos, sapos às pernadas, mergulhantes, assustados com a sua presença ali.

Saiu afinal do fundo da água bocejando, enfarado, aborrecido de tanto esperar a morte.

Até a morte o repelia!

Ergueu o olhar abrumado para o alto. A pouca distância, na encosta de um morro, um lavrador ateava fogo a um roçado. A princípio titubeantes, tímidos, alguns rolos de fumaça se espreguiçaram no ar; pouco depois, tangidas pelo vento, as labaredas lamberam o espaço e o incêndio brutal, na fúria destruidora, varreu a folhagem seca da beira do aceiro, recrudescendo na frente num montão de galhadas, estrepitando, assobiando, estalando, rugindo, enquanto no ar abochornado da tarde turbilhonavam balcões de fumo e o sol se coloria do rubro das fornalhas.

Libório encarava tudo aquilo com displicência, enjoado, zonzo. Subitamente soltou uma exclamação, um grito de alegria como se houvesse descoberto a chave de um problema...

Ah...

E correu como um doido para o roçado em chamas. Na primeira e maior fogueira que encontrou se arremessou de um salto, um salto de felino em pleno braseiro. Mas, ò maldição! Até dentro do fogo o acompanhava a fatalidade inexorável — aquele decreto implacável do Destino, cujo poder o sustinha nas bordas dos despenhadeiros e conservava imune no fundo das águas. Enquanto em torno tudo remoinhava na dança macabra da destruição, os bambus pipocavam, os caules débeis se contorciam e o incêndio lavrava impiedoso num delírio infernal, enquanto voavam folhas incandescentes e sob o impulso do vapor as cinzas toldavam o ar, Libório via as chamas serpenteantes lhe lamber o corpo, se lhe enroscar as pernas, mansas, inofensivas, quase como uma carícia de viração. Nenhuma sensação de calor.... Nenhum mal-estar.

E Libório sentou-se desconsolado sobre um braseiro, contemplando triste e resignadamente aquele espetáculo inédito. Depois se ergueu macambuzio, passeou lentamente através de todo o roçado em ignição, observando tudo, vendo tudo, com a placidez de um apóstolo e a resignação de um sábio.

Cada vez a natureza e o universo se enroscavam mais nas dobras do mistério torturante.

* * *

No outro dia, de manhã, sentado tristemente sobre um tronco de árvore caída no seio da floresta, mãos no queixo, imóvel, olhos no chão, Libório sentiu a aproximação de alguém.

Voltou-se lentamente. Era o velho Anastácio.

O velho Anastácio! Seria possível? Deu um salto e saiu recuando assombrado. Aquele velho morrera havia três anos. Lembrava-se bem! Fora ele até um dos que o conduzira à última morada. Imóvel, estupefato, Libório sentiu um calafrio, uma espécie de arrepiamento dos cabelos eriçados, mas se lembrou das instruções recebidas de uma sessão espírita, engrolou uma reza, persignou-se três vezes.

— Que deseja, irmão?

O fantasma descerrou os lábios num sorriso brejeiro.

— Que deseja, irmão?

— Ora, não seja tolo. Pois você ainda não sabe que também já morreu?

Libório deu um salto à frente.

— Eu?!

— Sim. Você mesmo. Quem havia de ser mais? Está morto bem morto.

Libório apalpou-se... confuso.

— Eu morto? hein? Não diga brincadeiras. Como pode ser?

— Ora bolas! Que incompreensão! Vamos até o cemitério.

E foram.

O velho Anastácio o conduziu até junto a uma sepultura pronta havia poucos dias, indicou-lhe um letreiro, ainda fresco:

"Aqui jaz Libório Baptista de Souza, falecido em 31 de janeiro de 1936 — Paz à sua alma".

— Agora compreendo tudo — exclamou Libório, voz trêmula, soltando um suspiro.

— Vamos, homem, e deixe de tolice. A gente pode chorar a morte de todo o mundo... é uma boa pilhéria, não resta dúvidas; mas a da gente mesma, com franqueza, não tem graça nenhuma... é pilhéria, sensaborona de idiota. Olha, vamos sair. O coveiro vem chegando. Pode nos perceber.

E ergueram-se no ar imponderáveis como uma fumaça.


Conto de Epaminondas Martins - Desenho de Seth

Fonte: A Noite Illustrada, de 13/05/1936.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A Casa


Há dois anos, quando estive doente, tive durante várias noites seguidas o mesmo sonho, disse ela. Passeava no campo: percebia ao longe, uma casa branca, baixa e longa, cercada por um bosque de tílias. À esquerda da casa havia um grupo de álamos que quebrava artisticamente a simetria do cenário, e o topo das árvores que se percebia ao longe balançavam por cima das tílias.

No meu sonho, sentia-me atraída por aquela casa e me dirigia para ela. Uma barreira pintada de branco fechava a entrada. Adiante se seguia uma alameda cuja curva tinha bastante graça. Essa alameda era bordada de árvores sob as quais encontrei as flores da primavera: primaveras, anêmonas, que murchavam logo que eu as colhia. A alameda desembocava poucos passos antes da casa. Diante desta, estendia-se um grande gramado. Só havia ali algumas florinhas arroxeadas.

A casa, construída com pedras brancas, tinha telhado de ardósia. A porta, de carvalho bem claro, era numa pequena varanda. Eu desejava visitar aquela casa, mas ninguém respondia ao meu chamado. Ficava terrivelmente desapontada, batia, gritava, mas ninguém me atendia.

Era assim o sonho que se repetiu durante longos meses com uma precisão e uma fidelidade únicas. Acabei pensando que havia visto em minha infância aquela casa e aquele parque. Entretanto, ao acordar não podia me lembrar e essa procura tornou-se, para mim, uma obsessão tão forte que certo verão, tendo aprendido a guiar um pequeno veículo, decidi passar minhas férias nas estradas de França, tentando descobrir a casa de meu sonho.

Não lhe contarei minhas viagens. Explorei a Normandia, o Poitou, a Touraine: nada encontrei e, na verdade, isso não me surpreendeu muito. Em outubro voltei a Paris, e durante todo o inverno continuei a sonhar com aquela casa branca. Na primavera recomecei meus passeios pelas vizinhanças de Paris. Certo dia, quando atravessava um vale perto de Isle Adam, senti subitamente um choque agradável. Essa emoção curiosa que se experimenta quando se reconhece alguém depois de longa ausência.

Se bem que nunca tivesse visitado aquela região, conhecia perfeitamente a paisagem que se estendia à minha direita. Cimos de alamos dominavam uma massa de tílias. Através da folhagem, ainda leve, espaçada, divisava-se a casa. Então eu soube que tinha encontrado o castelo de meus sonhos.

Não ignorava que, cem metros mais adiante, um caminho cortaria a estrada. O caminho estava bem no lugar onde eu imaginara. Tomei-o. Levou-me a uma barreira branca.  De lá partia a alameda que eu tinha seguido tantas vezes em sonho. Sob as árvores admirei o tapete de cores claras formado pelas flores. Quando saí da alameda, vi o gramado verde e a pequena varanda com a porta de carvalho bem claro. Desci do carro, subi rapidamente os degraus e toquei.

Tinha medo que ninguém respondesse, mas, quase imediatamente, apareceu um criado. Era um homem de rosto triste bem velho e vestindo um paletó negro. Ao ver-me, pareceu muito surpreendido e olhou-me com atenção, sem falar.

— Vou pedir-lhe um favor um pouco estranho, disse eu. Não conheço os proprietários desta casa, mas teria muito prazer se êles me permitissem visitá-la.

— O castelo está para alugar, minha senhora, e eu estou aqui justamente para receber os visitantes.

— Para alugar? Que sorte inesperada! Por que os proprietários não habitam uma casa tão bela?

— Os proprietários moravam aqui, madame. Deixaram a casa porque ela estava mal assombrada.

— Mal assombrada? Isso não me preocupa. Não sabia que nas províncias francesas se acredita ainda em fantasmas.

— Eu não acreditaria, madame, se não tivesse encontrado muitas vezes, à noite, a mulher que visitava o parque, a aparição que fez com que meus patrões fugissem.

— Que história! — disse eu rindo.

O velhinho me olhou com um ar de censura.

— A senhora não deve rir, uma vez que o fantasma de que eu falo era a senhora mesma!


Conto de André Maurois
Fonte: Revista da Semana, de 09/02/1946.

O Espectro de Bayreuth


A cidade de Bayreuth, na Alemanha, é conhecida no mundo pelo seu teatro wagneriano. Os alemães, porém, a conhecem também pelo seu castelo mal-assombrado. Segundo a lenda corrente aparece, de tempos em tempos, uma espécie de Dama Branca, que inclusive, andou perturbando o sono dos generais franceses que neste castelo se alojaram por ocasião da ocupação francesa em 1806. 

Durante muitos anos não se falou do espectro de Bayreuth. No começo dos anos 1920, no entanto, voltou à baila, perfeitamente ressuscitado. Nessa época muitos relataram que a Dama Branca se instalava todas as noites no teatro local no lugar do regente da orquestra, agitando uma batuta fantasma...

A Weisse Frau (Dama Branca) ou Espectro de Bayreuth, fez suas aparições também, durante muitos anos, em outros castelos reais alemães, sobretudo nos de Karlsruhe, Berlim, Darmstadt e Neuhaus, na Boêmia. Vestida de branco, era inofensiva, limitando-se a inclinar a cabeça quando se encontrava com alguém.

Num passado mais remoto, corriam rumores entre os Hohenzollerns, a família real da Prússia, de que ela era vista antes da ocorrência de catástrofes e mortes na família. Em Dezembro de 1628, a Dama Branca apareceu no palácio real de Berlim e disse: — Vinde, julgai os rápidos e os mortos! Eu aguardo o meu julgamento.

Uma lenda a identifica com o espírito de uma mulher do século XV, Bertha, ou Perchta, von Rosenberg, de Neuhaus, que de noite visitava os quartos de bebês reais para embalar as crianças enquanto as amas dormiam. Quando certa vez uma ama, aterrorizada, a viu, ela disse: — Eu não sou, como tu, uma estranha entre estas paredes. Eu sou da família, e esta criança descende dos filhos dos meus filhos.

Os Hohenzollerns explicavam a Dama Branca como sendo o fantasma da condessa Agnes de Orlamünde, emparedada viva por ter envenenado os próprios filhos. Era por vezes descrita vestida de preto e branco, as cores da Prússia. A sua aparição foi documentada pela primeira vez em 1486 no Palácio de Bayreuth, e diz-se que foi vista pela última vez no começo dos anos 1920 no teatro da mesma cidade.

A morte de Frederico I, o primeiro rei da Prússia, em 1713 foi precipitada pela sua crença na Dama Branca. A sua segunda mulher, que sofria de uma loucura ligeira, costumava vestir-se de musselina branca. Certa tarde, escapou-se das suas aias e atravessou uma porta de vidro antes de entrar nos aposentos de Frederico. O rei acordou da sua sesta e ficou tão aterrorizado ao ver a aparição vestida de branco com sangue a escorrer pelo vestido que adoeceu. Morreu pouco depois, convencido de que a Weisse Frau o tinha amaldiçoado.


Fontes: Revista da Semana, de 15/09/1923; Lendas arte e literatura gotica.blogspot.com.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A Comédia do Terror

"The Comedy of Terrors" (1964), do gênero comédia / terror, produzido pela American International Pictures, dirigido por Jacques Tourneur e estrelado por Vincent Price, Peter Lorre, Basil Rathbone, Boris Karloff e Joe E. Brown (em sua última aparição cinematográfica), apresenta Orangey, o gato, sob o nome de "Rhubarb, the Cat". É uma rara mistura de comédia e horror, na mesma linha de "Abbott and Costello Meet Frankenstein", clássico de 1948 da Universal Pictures.

Ambientado na Nova Inglaterra de meados do século XIX, o filme conta a história do beberrão Trumbull (Price), um papa-defuntos sem escrúpulos que assassina pessoas em suas próprias casas para manter os negócios de sua funerária e poder bancar seu vício da bebida.

Certa noite, após uma tentativa frustrada, quando a viúva de sua última vítima sai sem lhe pagar os honorários, Trumbull e seu nefasto criado Gillie (Lorre) decidem assassinar o senhorio, Sr. Black (Rathbone), do qual dizia-se ter acessos de catalepsia, algo que Trumbull e Gillie desconheciam.

Aparentemente, Black morre de ataque cardíaco após levar um susto provocado por Gillie e Trumbull coloca o corpo do "falecido" na tumba da família e volta para celebrar em casa a sua recém-adquirida fortuna. Todavia, Black acorda e volta para o salão da funerária, citando frases a esmo do Macbeth de Shakespeare, o qual estava lendo no momento em que sentiu-se mal. Cenas cômicas ocorrem quando Black persegue Trumbull e Gillie ao redor do salão, antes que (finalmente) morra após um longo monólogo.

Gillie foge com a maltratada esposa de Trumbull, com quem andava se encontrando às escondidas e Trumbull é deixado para trás em profunda depressão. Seu sogro (Karloff) aparece e lhe dá um "remédio" (que, na verdade, é veneno) o qual Trumbull havia tentado lhe fazer ingerir durante todo o filme. O "remédio" funciona da forma esperada e Trumbull cai morto enquanto Karloff recolhe-se ao leito sem perceber nada de estranho.

É digno de nota que no fim do filme, Black espirra numa reação alérgica a um gato, provando, novamente ser um tipo indestrutível.




Fonte: Wikipédia.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A Manta Verde

"...As trevas se tinham quase dissipado. Víamos, agora, o clarão de tochas que se moviam e os longos canos dos mosquetes delineados contra o céu claro e estrelado. Pode o terror pregar um homem ao solo, mas com o menor choque, às vezes, nesse momento lhe restitui a ação..."

Quando se extinguira a dinastia dos Wellingford, também os dias do solar desse nome estavam contados. A propriedade passara às mãos de pessoas de espírito comercial, sem a menor veneração por aspectos referentes à história de um grande solar. Os hectares de terra em redor do velho edifício se tornaram demasiados valiosos como campo de construção, para poderem continuar a servir de parque a um palacete campestre. Os gordos rebanhos de carneiro de Wellingford foram, portanto, enviados a outro pasto e os engenheiros e arquitetos que em breve apareceram, foram prenúncio da chegada de operários e construtores.

Tudo isso sucedeu a muitos anos passados. O velho parque ficou atravessado por novas avenidas, e pequenos bangalôs de nomes pedantes como "Ninho de Hera" e "Dulce Domum", surgiram como monstruosos cogumelos avermelhados. Estes mesmos suavizaram mais tarde o aspecto, deixando-se cobrir de hera e trepadeiras e assumindo um ar de coisa prosaica, mas respeitável. O próprio solar, esquecido e abandonado como um desgraçado qualquer, isolado na velhice, começara a decair lentamente.

E Wellingford nada mais foi que um embaraço constante aos seus novos proprietários, que se sentiram dispostos a alugá-lo ou vende-lo por qualquer preço. Desembaraçar-se, porém, de uma enorme casa, cercada por um agrupamento de bangalôs não era coisa fácil. Depois de servir de colégio particular e de recolhimento de freiras por algum tempo, foi finalmente abandonado ao seu destino natural, pois, segundo dissera um dos diretores da administração da propriedade — "de que servia manter esse elefante branco sempre em contato?".

Três anos antes de escrevermos esta narrativa, veio o pintor Aubrey Vair, pobre como a maior parte dos pintores, amante de velhos solares e dos ramos cheios de teia de aranha, da arqueologia, e tomou o solar de Wellingford pelo aluguel semanal de menos shillings do que seriam precisos para alugar uma cabana de jardineiro. Conhecia um dos diretores da administração e sabia que alguns quartos no interior do edifício eram ainda habitáveis. Os diretores se admiraram de que alguém tivesse a fantasia de ir morar em um velho casarão cheio de ratos e umidade. Gostavam, porém, dos shillings e deixaram-no, portanto, ir.

Vair me escreveu várias vezes, convidando-me a ir ter com ele, assegurando-me que "lugar me despertaria as ideias e que já descobrira cinco ou seis esconderijos de monges. Que, de um dos melhores quartos, fizera um magnífico estúdio e que, realmente, quanto a conforto, não era tão mal, desde que não se esperasse mais do que uma instalação de solteiro. Além disso, acrescentava, havia as legações históricas".

Sobre estas eu já conhecia alguma coisa. Carlos I passara lá uma noite durante a grande guerra civil. Dizia-se que Carlos II estivera escondido no solar, depois da batalha de Wancester. A melhor de todas, porém, era a história romântica da captura e execução de Sir Peter Wellingford, em 1649. Sir Peter, realista proscrito, andava foragido depois da derrota das forças legais. Outro mais ajuizado teria atravessado o Canal da Mancha. Sir Peter, porém, tinha uma esposa jovem em Wellingford, que costumava ir visitar em segredo, e que teria continuado a visitar, se não fosse um traidor entre o pessoal de sua própria casa. Esse indivíduo, diz a história, atraiçoou o amo, acenando da janela de um dos quartos, com uma manta verde, sinal convencionado e destinado a informar certo destacamento das tropas parlamentares, da presença ali do dono da casa. Os soldados irromperam pelo edifício nessa noite, e saquearam a casa antes de encontrar Sir Peter oculto em um dos esconderijos. O cavalheiro foi então arrastado para o pátio e arcabuzado. História, em si, bastante romântica para seduzir a fantasia de quem possuísse um grama de imaginação.

Pretendia visitar Wellingford. Circunstâncias alheias à minha vontade me fizeram prorrogar a partida até o ano seguinte. Segui para lá na minha "barata", de modo que Vair não pode ir me encontrar na estação e tive, portanto, a primeira impressão de visitar o solar, isenta do seu entusiasmo. Lá estava o edifício em ruína, cercado do seu fosso, altaneiro e severo, no meio de uma dezena de bangalôs modernos. Era como se eu encontrasse a Casa de Usher no meio de uma cidade-jardim.

Vair, que se apercebera da minha chegada, abriu de par em par a enorme porta principal,  recebendo-me com um caloroso aperto de mão. Entrando no carro, dirigiu-me para o pátio, onde havia acomodações para mais de uma dúzia de veículos. Notei com estranheza que as cavalariças e as cocheiras pareciam em melhor estado de conservação do que o próprio solar.

Ao entrarmos, vi que o salão fora outrora magnífico. A maior parte do teto, porém, desaparecera e a balaustrada de carvalho da escadaria, pelo seu valor comercial, fora há muito retirada. Um caminho grosseiro de serrapilheira por sobre lajes estragadas conduzia ao apartamento de Vair. Este me levou a um soberbo quarto em estado regular de conservação, mobiliado com o produto de suas especulações nos diversos leilões das zonas próximas. Embora estivéssemos em maio, o tempo que fazia não era dos mais quentes e me senti alegre à vista das achas de lenha que ardiam na chaminé, emprestando ao salão um aspecto impressionante de conforto.

Depois do chá, Vair me mostrou o resto dos quartos que tornara habitáveis. Conseguira-o além da minha expectativa. Familiarizara-se com a história do velho edifício e sabia de cor os nomes de todas as dependências. Parecia se achar fascinado de verdadeira paixão pela ruína histórica. Vair era artista e de mais algumas, acreditando em fantasmas e ciências ocultas. Sua idade parecia incerta. Eu, porém o sabia andar perto dos cinquenta, apesar de seu gênio alegre e impulsivo equipara-lo aos jovens, conservando-o moço. Via-se que estava satisfeitíssimo com a minha presença, pois era alguém com quem conversar e a quem mostrar o velho casarão.

— Por amor de Deus, não vá percorrer a casa sozinho, ou quebrará o pescoço, me disse.

— Quase já me espatifei, eu próprio. Por aqui há perigo em toda a parte com essas pranchas apodrecidas pela umidade e pelo tempo.

Prometi-lhe seguir o conselho. A própria escada principal não me parecera lá muito segura, apesar de Vair ter me garantido o contrário; Não cansarei o leitor com os detalhes da minha peregrinação pelo interior do solar vetusto. Minha memória evoca visões de quadros desoladores de umidade e decadência, poeira e lama, teias de aranhas, paredes viscosas e assoalhos podres. O velho edifício possuía uma infinidade de esconderijos e passagens secretas e ele me mostrou todos os que descobrira.

Um grande quarto abaixo do teto fora outrora câmara secreta e servira de capela, onde se dizia missa a despeito das leis proibitivas do XVI e XVII séculos. Deve haver outros, observou. O pequeno Owen, que era mestre em construção de segredos, passou aqui muito tempo, no reinado de Isabel. A casa era constantemente assaltada e os assaltantes pouco resultado obtiveram.

— Mas apanharam o pobre cavalheiro, observei sorrindo.

— Sim, mas ele foi traído por um criado. Mostrei-lhe o lugar em que, estou certo, se escondera — onde fora a cabeceira do leito, no quarto chamado a câmara de el-rei.

Trataremos de descobrir outros esconderijos durante sua permanência.

***

Ocorreu-me, de repente, o fato de que Vair sempre se dissera sensitivo ou psíquico, e, naturalmente, assumindo o sorriso não comprometedor do ceticismo polido, perguntei-lhe se vira alguma alma do outro mundo.

— Não. Não é essa espécie de lugar. A casa é camarada.

— Mas, mesmo com sua história?

— Ah! Ela viu dias de sofrimentos. Mas eram boas as pessoas que moravam. Não há lendas de sangue derramado ou de crueldade.

— Há a do cavalheiro, objetei. Certamente seu espectro deve andar de ronda a estas ruínas.

— Por quê? Era um bom homem e morreu como homem. Só os espectros dos maus voltam a rondar as habitações que foram suas. Quando ele foi arrastado para o pátio e assassinado, a sede de sangue veio de fora e devem permanecer fora da casa e não dentro.

Sorri comigo mesmo, sabendo que, do ponto de vista de Vair, a casa devia ser mal assombrada e suas explicações sobre ausência de espectros me pareceram engenhosas,porém, vagas.

— É pena, suspirei. Esperava ser apresentado a alguma dama misteriosa ou ao espectro de algum cavalheiro.

Vair franziu a testa, ao ver que estava zombando.

— Pois, não será. A não ser que...

— A não ser que?...

— Bem, a não ser que algo suceda, alterando as condições presentes. Se, por exemplo, acharmos alguma peça escondida por alguém no passado e por esse destinada a jamais ser descoberta.

— Ah, começo a entender...

— Duvido que haja qualquer coisa que possa perturbar o somo dos Wellingford, que parecem ter sido uma família ideal. Todas as paixões que aqui se desencadearam vieram de fora. Asseguro-lhe!

Vair elevara a voz, como fazem os homens sem crença especial e que respeitam todos os credos. A intolerância religiosa o instigava à cólera. Senti-me, pois, aliviado ao vê-lo mudar de tema.

Quando nessa noite, me recolhi ao quarto, tive a satisfação de constatar que meu amigo o tornara perfeitamente habitável. Vinte e quatro horas mal haviam passado e já, como Vair, me sentia penetrado de simpatia pelo ambiente, a despeito do ar de melancolia que o cercava, legado talvez do bom povo que vivera e morrera sobre aqueles tetos.

Arrisco-me a dar essa narrativa uma aparência de solução de continuidade, passando rapidamente sobre os três dias seguintes, de muitas visitas. Pescamos um pouco na vizinhança. Vair pintou, a intervalos, e uma vez ou outra fizemos um reconhecimento pelo interior desabitado do solar em busca de esconderijos secretos. A não serem as vitrolas e os rádios dos bangalôs, à noite, apenas o silêncio e a calma prevaleciam naquela atmosfera de velhice e decadência. Chegara no sábado e estávamos na tarde de terça-feira seguinte, quando fizemos uma descoberta de interesse histórico, descoberta de que dentro em pouco havíamos de nos arrepender seriamente.

Estávamos no primeiro pavimento, de onde pelos profundos recessos das janelas, via-se o parque de propriedade de Wellingford. De repente, Vair observou-me que jamais examinara os caixilhos das janelas.

— Caixilhos móveis, disse, tem decaído, certamente. Pertencem, porém, na maior parte, ao domínio da lenda. Eram de difícil construção e de fácil descoberta. Veja os cinco esconderijos que examinamos juntos. Três, são por detrás de chaminés, um por baixo da escada e outro deve ter sido em algum tempo disfarçado pela cabeceira de um leito. Os caixilhos foram usados algumas vezes. Experimentemos este.

Batemos na madeira com os nós dos dedos e, embora o interior não soasse de todo oco, deixou patente que devia existir alguma cavidade. Surpresos, em extremo, dessa nova descoberta, forçamos a madeira em todas as direções. Estávamos para abandonar a tentativa, quando, a um esforço de Vair, a madeira cedeu um pouco, deixando ver uma fresta que se abriu lentamente, apresentando aos nossos olhos uma cavidade em forma de gaveta. Entreolhamo-nos, espantados. Em nosso olhar brilhavam o riso e a curiosidade.

Acendi um fósforo, que deixei cair aceso no interior, nada mais vendo do que um recesso de um metro de profundidade.

— Nada por aqui, disse eu, remexendo com o braço no meio das teias de aranha e de poeira.

— Não? Exclamou Vair metendo por sua vez o braço na abertura.

Quando retirou a mão, estava negra de pó. Trazia, porém, preso aos dedos, como que um farrapo de pano preto. Era um pedaço de seda velha, tão apodrecido pela idade, que estava a se desfiar ao toque. Ao soprarmos, porém, o pó que o cobria, vimos que a cor original tinha sido verde, enegrecida pela poeira e pela idade. No mesmo instante, a velha lenda saltou-nos à mente e exclamamos juntos:

— A manta verde!

Não me recordo bem do que dissemos nos momentos seguintes, Estávamos ambos agitados com a descoberta e sofrendo de emoção que se sente ao descobrir uma relíquia que vem corroborar alguma lenda ou episódio da história do passado. Nenhum de nós duvidava agora se achar em frente da manta verde que servira para trair Sir Peter Wellingford há trezentos anos passados.

— O traidor deve tê-la tido aqui, de prontidão, disse Vair com os olhos brilhantes — e, depois de fazer o sinal, guardou-a novamente, às pressas, e ela ficou aí esquecida desde esse dia.

— E, provavelmente, acrescentei — deve ter sido esta janela que ele fez o sinal convencionado.

A janela estava aberta. Debruçando-me, deixei flutuar, preso nos dedos, o farrapo verde à brisa morna da tarde.

— Não faças isto! Exclamou fremente, Vair, puxando-me para dentro.

A seda estava tão deteriorada pela idade que a própria cinza rasgara-se um pouco. Pensei que a exclamação de meu amigo se prendia ao dano que o vento poderia causar ao tecido. Tratava-se de relíquia evocadora de uma cena de sangue e ambos considerávamos com veneração, como se fosse sagrada. Devemos ter passado uma hora sem fazermos a menor observação.

Concordamos, enfim, em escrevermos a um jornal, anunciando a descoberta e enviamos o pedaço de seda a um especialista a fim de limpá-la, oferecendo-a, em seguida, a um dos museus.

Vair fizera uma observação, cujo significado só veio a compreender algumas horas depois:

— Antes não tivesse acenado da janela com ele! Foi o que fez aquele maldito traidor. Foi, provavelmente, o que quiseste fazer: tornar a representar a cena de uma velha tragédia.

— Não vejo que isso tenha a menor importância. Ninguém viu, observei.

— Como sabe disso? Perguntou em voz áspera.

Não pude deixar de rir, então.

— Meu caro amigo, estás com receio de que a filha ou a esposa de um dos teus vizinhos pense...

— Não me referi a eles, interrompeu Vair, em voz seca. Quando esse farrapo foi acenado da janela, há trezentos anos passados, bem sabes o que trouxe a esta casa.

Pareceu-me compreender o fio do seu pensamento. Vair sempre recusara passar por baixo de escadas ou ser o número treze em uma festa, e uma vez ficou apreensivo toda a semana por ter entornado o conteúdo de um saleiro.

— Não sejas tolo, Vair! Se há qualquer feitiçaria em redor de nós, ela que me ataque e te deixe em paz.

Ele não respondeu. Momentos depois o incidente me desaparecera da mente.

Fosse eu dotado de eloquência e clareza para relatar minuciosamente os sucessos que se desenrolaram nessa noite, e como, ao por do sol, fomos oprimidos por estranha melancolia, ao cair das trevas feito pelo terror de um verdadeiro pesadelo macabro!

Ao acendermos o candeeiro, à hora da ceia, era tal a pressão moral que sofríamos, que resolvemos usar de franqueza.

— Não sentes como que um peso que te aflige a alma, toda vez que ameaça trovoada? — perguntou Vair.

Dei graças a Deus, por essa oportunidade de desabafar.

— Sim. Muitas vezes, e sou capaz de apostar que ameaça trovoada lá fora.

Levantei-me da mesa, dirigindo-me à janela, e, afastando as cortinas, olhei para o exterior.

O ocaso desmaiava numa orgia de púrpura e verde-maçã, que aos poucos cedia ao azul profundo de um céu imaculado onde começavam a pirilampear estrelas pálidas.

— Não. Não há uma só nuvem no céu, disse eu. As tempestades, porém, às vezes, aparecem repentinamente.

— É, disse Vair, e outras coisas também...

Quis lhe perguntar o significado dessas últimas palavras. Mudei, porém de intenção.

Continuamos pesadamente a ceia, até que, afinal, forçando um sorriso, a fim de reagir contra a opressão, exclamei:

— Somos um par magnífico! Que diabo temos hoje? Só queria saber!

— E eu só queria não pensar que sei, respondeu Vair, em voz estranha.

— Mas, que pensas que será melhor fazermos?

— Penso que devíamos sair e passar a noite fora.

— Como, se nunca te sentiste mal aqui?

— Não, e é justamente por isso...

Olhei para Vair, que desviou o olhar do meu, baixando a cabeça.

— Olha cá, disse eu, tentando dar firmeza à voz. Sejamos francos. Estamos ambos com medo de qualquer coisa.

— Estamos ambos com medo da mesma coisa.

— Bem. E de que será? Descubramos-lhe a causa. Quando nosso cavalo recua diante de uma árvore, geralmente o levamos junto até junto dela para que ele veja que é apenas uma árvore...

— Se é apenas uma árvore ou coisa parecida. Mas, se não é... Olha, vamos sair. Agora mesmo, enquanto há tempo. Vamos passar a noite na hospedaria das "Armas de Wellingford'.

Eu queria ir de todo o coração. O orgulho, porém, me tomara emprestada a voz da razão, falando por mim.

— Ora, não sejamos tolos. Se fizermos isso uma vez, faremos sempre.

Vai encolheu os ombros.

— Tomemos um gole.

Bebemos e permanecemos depois silenciosos, num silêncio que só tornava cada vez mais difícil de quebrar.

Depois de um grande esforço, Vair conseguiu, afinal, dizer as palavras que eu tinha na mente:

— Não notaste como tudo está quieto, esta noite?

— Sim, disse eu aproveitando a oportunidade que ele me dera. O silêncio e a calma que precede à tempestade. E a tempestade está próxima.

Vair abanou a cabeça.

— Não disse ele. Não é essa espécie de silêncio e calma.

Então, com um bater de coração, percebi repentinamente um fato que me pareceu terrível, — que a calma reinante não era da natureza, mas de alguma perturbação dos elementos. Já há açgum tempo não tínhamos ouvido o menor rumor do lado de fora. Todas as vitrolas e pianos da vizinhança estavam mudos. Era a hora em que muitos visitantes se retiravam para seus lares e não se ouvia o menor som de voz ou ruído de carro nos arredores. Pode parecer ridículo, mas, daria tudo, para ouvir o ruído distante de um trem!

Vair se levantou de repente e foi à janela, olhando para fora. Segui-o. No céu, muito claro, apenas as estrelas nos fitavam de longe, pestanejando luzidias.

— Não ameaça tempestade, observou ele.

Ouviu-me, porém, que sustava a respiração e, no instante seguinte, compreendera-me o motivo e dele me apercebera.

— Olha: nenhuma luz! Não há menor claridade em parte alguma!

Era verdade. Embora não fosse tarde, não se via vestígio de iluminação nas casas da vizinhança, nem se podia aperceber o perfil de um teto ou chaminé. Estávamos como que separados do mundo exterior, como numa caverna a muitos quilômetros do solo, por uma espécie de cortina invisível que nos encerrava lateralmente.

A voz de Vair tornara-se fina e estridente. Nenhum esforço fazia mais para ocultar o terror.

— Deve ser algum nevoeiro, disse eu em voz afetadamente cheia e firme.

— Nevoeiro! Olha homem!

Olhei. Não havia o menor sinal de bruma ou nevoeiro. A não ser quando erguíamos os olhos para o céu, tudo o mais era a treva mais impenetrável.

Vair deixara a cortina lhe cair das mãos. Voltou-se para mim e, nesse silêncio opressivo, lutou por alguns segundos para recobrar a calma.

— Dize-me: que tens sentido toda a tarde?

— Como posso! Suponho que da mesma forma que tu. Tem sido lembrando-me dos tempos de soldado, como a suspensão que se sente antes da carga de baioneta. Uma ansiedade dolorosa. Não! Algo de mais possível: a sensação de estar preso em uma cova ou de estar cercado...

— Cercado! exclamou ele, soltando um grito. É o que estás! É o que ambos estamos!

E abanou as mãos com desânimo.

— Os poderes das trevas — o ódio, a sede de sangue, a intolerância — estavam todos esperando pelo sinal, e tu, idiota, o fizeste, lhes acenando com a manta verde!

Senti, durante alguns instantes, rodar-me o cérebro e foi com um esforço supremo que recobrei os sentidos.

— Olha, disse eu, — por amor de Deus não vamos nos fazermos loucos. Se a casa nos aflige, deixemo-la.

Vair olhou para mim de modo incompreensível.

— Não. Tu querias ficar.

— Vamos para a hospedaria.

— Está fechada a esta hora.

— Eles te conhecem. Abrirão.

Achei-me ansiado pela liberdade do mundo exterior, longe desse manto de treva que nos cingia.

Vair, porém, voltando-se rapidamente para mim, exclamou:

— Idiota! É tarde demais! Jamais conseguiremos lhes iludir a vigilância.

— Que queres dizer com isso? Eles quem?

— Eles estão nos cercando e bem o sabes. Entrarão no momento oportuno como o fizeram outrora. Estamos presos.

Deus sabe quanto lutei para desacreditar-lhe as palavras. Vair me dominava nesse instante!

— Que querem eles? balbuciei.

— Um de nós ou ambos! Que já quiseram o ódio, o assassínio e a sede de sangue, que não fosse vítimas? prorrompeu, agarrando-me o braço.

— Vamos! disse eu. Vamos sair daqui! Pelo menos vamos tentar, antes que eu enlouqueça.

— Se pudermos!

Devemos ter atravessado o salão. Não me recordo bem. Lembro-me, em seguida, de ter ajudado Vair a puxar os enormes ferrolhos da porta. Abrimo-la, afinal.

Fora, se via apenas uma muralha opaca de treva!

Tentei sair. Os membros permaneceram inertes. Pareciam pregados ao solo. Embora tolhidos pelo terror que se apoderara de mim, sentia o espírito claro, e verifiquei que essa cortina opaca de treva parecia cortada de rumores de vozes e movimentos com todos os sintomas dos atos praticados a furto e em segredo. E quanto mais olhava mais me certificava de que dentro em breve essa barreira se desvendaria e eu não só havia de ver como de ouvir.

Permanecemos ambos, assim, durante tempo indeterminado, ao limiar dessa porta que não podíamos transpor.

Pareceram-nos horas, até que a treva aos poucos se dissipou, deixando-nos aperceber vagas formas humanas que se moviam e davam ordens. Quais eram não sabíamos. Ouvíamos a entonação nasal, e lembrei-me então do hábito que haviam adotado outrora os soldados de Cromwell.

As trevas se tinham quase dissipado. Víamos, agora, o clarão de tochas que se moviam e os longos canos dos mosquetes delineados contra o céu claro e estrelado. Pode o terror pregar um homem ao solo, mas com o menor choque, às vezes, nesse momento lhe restitui a ação. Foi, talvez, o instinto que nos fez recuar e bater com violência à porta. Vair se agarrava a mim como uma criança medrosa. Corremos todos os ferrolhos e fomos nos esconder no recanto mais afastado do edifício, ouvindo todo o tempo os pesados golpes que estavam agora sendo vibrados contra a maciça porta de entrada.

Devemos ter perdido a razão, pois de nada me lembro desses instantes, a não ser o ruído que fez a enorme porta, sobre as lajes do salão, quando foi deitada abaixo pelos assaltantes.

O ruído de passos e de coronhas de armas batendo no solo chegou então a nossos ouvidos, acompanhado do som nasal de vozes. Pareciam estar em toda a parte, no salão, na escadaria, nos quartos do andar superior.

Vair, durante esse tempo se mantivera agarrado como um possesso ao meu braço, quando de repente gritou ao meu ouvido:

— A capela... sob o teto... é sagrada... há ainda esperança... digo-te... é a única esperança...

— Eles estão na escadaria! murmurei-lhe, com desespero.

— A escada do fundo! Vamos!...

Atravessamos rapidamente a estreita passagem que dava para a escada posterior. Esta, sabíamos, oferecia grave perigo, em vista do seu estado de deterioração. O perigo, porém, que corríamos nesse momento nos fez esquecer qualquer prudência. Precipitamo-nos para a escada, esperando sermos agarrados por mãos invisíveis.

Como chegamos ao sótão, jamais poderei saber. A estreita escada oscilava e rangia a cada passo e uma vez uma prancha afundou me fazendo escorregar até a cintura entre as demais. Erguendo-me a custo, auxiliado pelo instinto de conservação, desvencilhei-me da fenda, com a carne dilacerada.

Chegáramos ao sótão. Mas, o inimigo farejava a presa e já se ouvia o ruído de passos subindo as escadarias.

Vair empurrou a porta do quarto que fora capela outrora, precipitando-se no interior. Tropecei por cima dele. Caíra sem sentidos e tive de lhe empurrar as pernas para um lado, a fim de fechar a porta e correr o enorme ferrolho.

Foi então que nossos perseguidores, que acabavam de chegar, se detiveram diante daquela porta, recuando como recua uma enorme vaga, da base de um rochedo gigante, e, vociferando, rugindo, foram pouco a pouco se retirando até que o silêncio tornou a prevalecer no ambiente lúgubre da noite.

Estávamos salvos!

Devíamos ter perdido os sentidos, pois quando tornamos à razão, o brilho e o calor do sol enchiam de vida e de alegria o teatro dos acontecimentos macabros da véspera. Vair estava lívido e desfigurado. Mal nos apertamos as mãos.

Momentos depois tínhamos recobrado o ânimo e descíamos para examinar a casa, pelo interior da qual parecia ter passado na véspera um verdadeiro tufão, tal a desordem em que se encontrava.


Por Alfred Mclelland Burrage ("The Green Scarf")

Fonte: A Noite Ilustrada, de 31/08/1932.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Dia da Vingança


— Brasa do inferno! Pára! — berrou o barão de Santamorte alucinado. Far-te-ei lacerar as carnes pela roda de ferro, ou devorar pelos meus cães! Traz-me o meu filho! O meu filho! O meu filho!

Só se ouvia uma longa risada de escárnio e depois uma voz terrível descendo do alto da torre que dizia:

— Por todas as dores, os sofrimentos, as humilhações que infligiste a teus semelhantes, pelas infâmias que cometeste, hoje é o dia da vingança!


Existe ainda hoje entre os píncaros das montanhas do Cortonese, em terras de Florença, o pitoresco Castelo de Montecchio, todo ele enfeitado oe torres e de ameias altas, que lhe emprestam aquele seu ar de soberania que há séculos vem impressionando o transeunte e o turista curioso. Muitos foram os seus senhores desde o capitão de aventuras, o inglês Hawkwood, que trazia gravado em seu escudo o triste mote: “Inimigo de Deus e da Misericórdia”, até o feudatário florentino, ainda mais triste, que devido à sua natureza bestial, corpulento, sanguinário e barbudo, havia sido alcunhado “O Lobo de Santamorte”, pois quem lhe caísse nas garras tinha morte de santo, pelas crueldades que lhe eram infligidas.

A sua voz era constantemente irada; as mãos sempre prontas a golpear, a matar, a torturar. Os castigos que mandava administrar em suas terras tinham feito daquele homem uma espécie de monstro, que, em comparação, a fera da qual tinha o nome, bem poderia parecer um cordeiro.

E, no entanto, havia também ternura e bondade em sua alma negra, sentimentos, porém, que se tinham esgotado, secado e como que absorvido numa inesgotável revolta contra a sorte, quando lhe morreu a esposa idolatrada, jovem delicada e sensível, que morrera e o deixara abandonado em sua ira impotente contra tudo e contra todos, quando dera à luz o seu único filho Baldo, que o Barão de Santamorte passou a adorar com toda a força de sua alma selvagem e intransigente, reunindo na criança toda a sua faculdade de amar.

As primeiras vítimas de sua revolta contra um destino cruel foram o médico, as enfermeiras e as aias que não souberam defender contra a morte implacável a querida de seu coração e no dia do batizado do pequeno Baldo, ainda pendiam das torres do castelo, os corpos enforcados dos subalternos impotentes que não tinham sabido conservar em vida a suave esposa do seu bárbaro senhor. 

E a sua natureza foi dia a dia mais se enfurecendo e o único raio de sol em sua triste vida era o pequenino Baldo linda criança, inteligente e suave, que lhe lembrava a esposa desaparecida.

Certa madrugada do mês de setembro de 1385, um grupo de cavaleiros e de servos a pé, armados e segurando com força as correias das maltas de cães ganindo, subia por ásperos penedos entre bosques de árvores seculares, os montes do Cortonese.

Era o senhor de Montecchio que mais uma vez se ia entregar à sua preferida distração. Caçar o javali e o cabrito montês. Ao lado do barão cavalgava o pequeno Baldo, de nove anos apenas de idade, e um pouco atrás deles seguia, montando uma mula branca, uma linda jovem chamada Viola, florida camponesa já noiva de Quinto Borghetti (monteiro-mor do barão de Montecchio) e que este havia feito raptar na própria manhã de suas núpcias, pois o barão, prepotente e invejoso, havia declarado ao rapaz que “as mulheres bonitas em suas terras eram para ele e não para os seus súditos”.

Viola vivia assim no Caste1o de Montecchio com as regalias e as mortificações de uma cortesã e o sentimento desesperado de uma escrava impotente contra as odiosas exigências de um senhor execrando.

Depois dos guardas, à testa dos batedores e dos servos que conduziam os cães, marchava a singular figura de um homem moço, traços enérgicos, alto e espadaúdo. Era Quinta Borghetti, o “mestre-caçador”, ex-noivo da linda Viola.  O posto era importante para um rapaz tão novo ainda, mas ele tinha realmente grande capacidade e Lupo Montecchio lhe tinha dado também para recompensá-lo do rapto de Viola, embora o Barão de Santamorte pensasse (conforme a mentalidade da época) ter honrado o seu súdito roubando-lhe a noiva!

Era certamente uma brincadeira de muito mau gosto e pelos campos fora, nas granjas e nos casebres montanheses, todos admiravam que um rapaz forte e cheio de ardil como Quinto, se tivesse tão facilmente resignado sob tamanha afronta. Este, porém, procurava esconder até a própria expressão do olhar, sempre esquivo e isolado, sem falar com pessoa alguma, parecia só se ocupar da missão que lhe haviam confiado.

Quando a comitiva chegou finalmente ao lugar designado, dispôs-se imediatamente em atitude de ataque. A caça no devia estar longe, pois os cães começaram a ladrar desesperadamente e logo fizeram saltar fora do esconderijo um javali medonho, o pelo hirto e os dentes arreganhados. Enxotado pelos homens e perseguido pelos cães, o animal enveredou por um estreito caminho ao cabo do qual o senhor de Mortesanta, ladeado por alguns homens armados, esperava-o com a alabarda em punho.

A fera, no entanto, após ter estripado dois valentes rafeiros que tentaram agarrá-la, virou de repente para o lado direito do caminho e desapareceu entre o capim alto grunhindo desesperadamente. Era evidente a falta do mestre-caça, que havia deixado desguarnecido aquele sítio e o barão de Santamorte, enfurecido, vendo fugir a linda presa, prorrompeu aos berros:

— Por todos os demônios do inferno! Quem deixou abandonada aquela passagem? Onde está o maldito Quinto?

O rapaz saía justamente do mato quando, o barão investiu rudemente contra ele:

— Cão maldito de meus cães! Deixaste então aberta aquela passagem?

— Sim, senhor — respondeu calmo o interpelado.

— Insolente! Atrevido! Perdeste certamente o amor à vida, não?

Quinto, olhos fixos no semblante do amo, sorria com desprezo sem dar resposta.

— Ah! É assim? — E mais enfurecido ainda por aquele mudo desafio, o barão gritou para os servos:

— Agarrem-no e ponham-no de joelhos, o dorso desnudo. — E com um requinte de perversidade, voltando-se para Viola, disse-lhe: — Aqui tens o meu chicote... A ti a honra de desfechar o primeiro golpe... Mas com toda a força... Ouviste?

Quem poderia fugir à diabólica vontade daquele homem em tais circunstâncias?

Pálida como cera, a infeliz Viola desceu de sua montaria e aproximou-se daquele seu infame senhor e dono que lhe entregou o chicote.

Quinto não opunha resistência alguma, ajoelhou-se e esperou resignado, todo recolhido num pensamento só.

— Perdoa-me em nome de Deus! — murmurou a pobrezinha ao chegar perto de Quinto, enquanto abaixava o chicote sobre as costas do rapaz.

O golpe parecia mais ser uma carícia!

— Mãos de manteiga! — gritou Lupo Santamorte com uma risada. — Mas os golpes dos guardas eram rudes e logo o sangue começou a escorrer pelas costas de Quinto.

— Mais! Mais! Mais forte — gritava como um possesso o Senhor de Santamorte, seguindo com os olhos turvos e os lábios espumando, o rítmico levantar e abaixar dos chicotes.

O pequeno Baldo, olhos escancarados, olhava alternadamente para o pai e Quinto, sem compreender o que se estava passando.

Viola, apoiada ao tronco de um carvalho, chorava e gemia, sem poder simular todo o seu horror.

— Basta! — gritou de repente o barão — ajudem-no a levantar-se e vamos voltar!

Quinto ergueu-se sem auxílio, pálido, mas firme e seguiu a comitiva entre os homens de armas.

Chegaram ao castelo quando o sino da capela batia as doze badaladas. O sol a pino escaldava, tirando luzes das águas paludosas do vale. Depois de atravessada a ponte levadiça, a comitiva parou no vasto pátio interior que abraçava a torre altíssima, quadrada, dominando os altos muros do castelo. O barão de Santamorte parou o cavalo e voltando-se para Quinto que se achava ainda entre os guardas, gritou-lhe:

— Chega aqui!

Quando o rapaz se aproximou, de olhos baixos, o senhor perguntou-lhe em tom de escárnio:

— E agora, estás ainda tão seguro de ti?

— Sempre! Respondeu este, sem pestanejar.

Todos se entreolharam consternados ante tamanha audácia. O velho fâmulo que guardava a porta da torre desceu os poucos degraus que conduziam ao interior do edifício, deixando a porta escancarada: queria ver de perto o subalterno que ousava responder ao senhor com tanta segurança.

— Como? — berrou o barão de Santamorte, agitando-se sobre o selim como se uma cobra o tivesse mordido. — Como? Será que chegou o fim do mundo ou eu que entendi mal?

— Não, senhor! Vosmecê ouviu perfeitamente bem! — respondeu Quinto com áspera voz e olhando profundamente Viola, que branca como linho, parecia estar para cair de sua montaria.

Foi como um relâmpago! Quinto subitamente deu um salto de gato e agarrando o pequeno Baldo de sobre o seu cavalinho baio, atirou-o sobre os seus ombros como se fora uma rês a ser levada para a feira e correu para a torre.

— Pára! Pára! Prendam-no! Berrava o senhor de Montecchio, enquanto tirava uma balestra das mãos de um armeiro.

— Não! Não atirem que ele se cobre com o meu filho! Maldição! Deixa o meu Baldo! Não podes tocá-lo! Olhem, poltrões, que nada sabem fazer! Canalhas! Ele fechou a porta da torre! E assaltado enfim por um pensamento aterrorizador atirou-se de encontro à porta já por dentro trancada, esperando ainda poder perseguir o louco que lhe roubara o filho.

Instantes depois, como se tivesse voado da rês do chão ao alto do edifício sem tocar com os seus pés os mil degraus da interminável escada, Quinto apareceu entre as ameias da torre a mais de cem metros sobre os lajedos do pátio. Tinha Baldo nas mãos, agarrado pelas roupas, suspenso sobre o abismo, ao fim de seus braços estendidos. Ouvira-se o grito, como um gemido sair dos lábios da infeliz criança que se debatia tal um trapo humano:

— Brasa do inferno! Pára! — berrou o barão de Santamorte alucinado. Far-te-ei lacerar as carnes pela roda de ferro, ou devorar pelos meus cães! Traz-me o meu filho! O meu filho! O meu filho!

Só se ouvia uma longa risada de escárnio e depois uma voz terrível descendo do alto da torre que dizia:

— Por todas as dores, os sofrimentos, as humilhações que infligiste a teus semelhantes, pelas infâmias que cometeste, hoje é o dia da vingança!

O barão recomeçou a proferir injúrias e suas palavras loucas, o seu furor, os seus berros arrefeciam o sangue de quem assistia àquela cena dantesca:

— Ouve-me, maldito! Gritou subitamente o senhor de Santamorte como que tresloucado: — Traz-me o meu filho e serás perdoado, juro-te! Queres ouro? Muito ouro? Terás tudo o que me pedires! Queres a tua Viola? Eu a restituirei. Diz-lhe tu a mesma coisa, Viola! Partirei para longe, muito longe, juntos e carregados de ouro! Não nos veremos nunca mais!

A jovem, de olhos esbugalhados na face branca como cera, parecia estar crucificada de encontro ao muro.

— Barão de Santamoorte — recomeçou a voz implacável do alto da torre — Eu já perdi a minha vida, o meu amor e tudo! Mas só quero que Viola vos restitua as chicotadas que me mandastes dar! Ajoelhai-vos, tirai o gibão e a camisa, depressa, ou deixo cair o vosso filho!

Olhos injetados de sangue, tremendo pela ira e o pavor, Lupo de Santamorte ajoelhou- se no meio do pátio, o torso nu, gritando:

— Vem, Viola! Bate-me! Bate-me com toda força! Quero meu filho! Que se me restitua o meu filho!

A jovem parecia não ouvir mais coisa alguma como se estivesse em estado de sonambulismo.

— Anda maldita! Vem depressa! Tragam-na aqui! Que ninguém se recuse a obedecer! Aquele bandido é capaz de manter a palavra!

Dois armeiros levaram Viola para junto do barão, puseram-lhe o chicote na mão, mas ela não tinha a força de bater.

Lupo de Santamorte já nem gritava, uivava:

— Bate, maldita! Anda com isto! E finalmente, Viola como se despertasse de um pesadelo, bateu com o chicote no lombo nu do tirano.

— Forte! Mais forte! -- gritava Quinto do alto da torre. — Quero ouvir os golpes e ver o sangue escorrer como nas minhas costas!

Viola começou então a bater com todas as forças de suas mãos reunidas até cair desmaiada no chão pela emoção e o pavor.

O barão de Santamorte levantou-se cambaleando, o dorso sujo de sangue, mais derrotado pela vergonha e a exasperação do que pelas chicotadas.

No mesmo instante uma risada ainda mais escarnecedora e louca do que as primeiras ecoou no alto da torre e a mesma voz trovejou:

— Tenho fé nas tuas palavras e agora me rendo!

Dois corpos agarrados estreitamente um ao outro, caíram das ameias da torre descendo com a velocidade de uma pedra, vindo esboroar-se sobre as lajes do pátio numa poça de sangue nobre e plebeu!

A partir daquele trágico dia, o barão Lupo de Santamorte, encerrado em seu castelo, só viveu entre orações e esmolas os curtos dias que ainda viveu neste mundo de enganos.


Texto de Itala Gomes Vaz de Carvalho 

Fonte: A Noite Illustrada - Supplemento Semanal - 02/07/1946.