quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Diabo e seus parentes

Sabendo-se (como se sabe) que o diabo não é um só, mas legiões (precisamente — segundo cálculo de antigos e conspícuos demonólogos: 1.758.064.176 capetas...) é natural que se julgue haver, entre tantos demônio, certas relações de parentesco, mais ou menos estreitas.

Tomando porém, o diabo ou um diabo só — também será natural supor tenha até pai e mãe, e — se casado — mulher e filhos. Pelo menos, o povo simples assim o entende, referindo até, em contos, provérbios e expressões usuais, esse parentesco danado.

Num livro interessante, escrito por autor argentino que esteve na Bélgica e lhe vasculhou o folcore, El diablo em Bélgica, de Roberto J. Payrú (Buenos Aires, 1953, p.18) — se divulga uma velha crendice daquele país, segundo a qual "cuando llueve y hace sol, al propio tiempo, para nosotros [os argentinos] 'se casa una vioja', mientras que en Bélgica, 'el diablo azota, a su mujer (o a su madre) y casa a su hija'. En el dicho valón:

S é l'oyal ki bat'si mor
é ki maréy si fèy"

O que significa, em vernáculo: É o diabo que bate na mãe e casa a filha.

Já aí temos, portanto, alguns parentes do diabo: a mãe, a mulher e a filha.

Conheço um provérbio português em que se encaixa também o diabo e sua mãe dele. Vejo-o transcrito num dos livros de Camilo, A corja (Lelo, Lisboa, 1943, p.81), no seguinte passo: "— Pois você que cuidava do barão? Quando eu lhe disser que a burra é preta, olhe-me para o cabelo. Eu não lhe dizia que entre o Macário e a Felícia, que viesse o diabo a escolhesse? Isto tudo é uma corja. Tão bom é o diabo como sua mãe..."

Cá no Brasil, também corre outro adágio alusivo à mãe do diabo. Deparo-o no livro de Guimarães Rosa, Corpo de baile (José Olympio, Rio de Janeiro, 1956, v.1, p.184), referindo-se a um lugar perigoso ou nos cafundós do juda: "O lugar era da mãe do demo".

Dessa mãe do diabo — o povo (que sabe coisas do arco da velha) conhece até o nome!

Ora veja o leitor incrédulo este pequeno conto popular português, que retiro da Revista Lusitana (v.22, Lisboa, 1919, p.125), do estudo que faz José Diogo Ribeiro, acerca do folclore da vila de Turquel (Portugal): "Por divertimento o diabo, uma vez, despediu uma frecha contra sua mãe, e indo-lhe logo no encalço, apanhou-a no ar. Mais tarde inventou ele as armas de fogo; e um dia, pegando, numa dessas armas, apontou à mãe, disparou, e correu no propósito de deter a bala. Mas esta, mais veloz, introduzira-se já no alvo, e era uma vez a 'Faísca-Velha'..."

Em nota a esta Faísca-Velha, diz o autor do estudo: "Segundo o povo, é esse o nome da mãe do Diabo, a qual figurava em tempo — dizem — num retábulo da igreja de Alcobaça".

Sabe-se na Bretanha, que a mãe do diabo era mulher duma força extraodinária, tendo construído, numa só noite, uma grande ponte de pedra sobre um rio. A pedreira, de onde ela tirou os blocos para a construção, ainda se denomina: as pedras da mãe do diabo". (Cfr. Le folklore de la Bretagne, de Paul-Yves Sébillot, Paris, 1950, p.137).

Nesse mesmo livro informativo, temos ciência da existência de mais um parente do diabo — sua avó, mulher tão forçuda como a filha (a Faísca-Velha), segundo a tradição da Bretanha, "elle déposa, dans la forêt de Quéneéan, d'enormes rechers apportés aussi dans son tablier" (id. ib.)

Vimos, acima, que o diabo tem mulher e filha. Naturalmente, presume-se deveria ter também sogra. De fato, teve ele uma sogra tão... sogra que não teve dúvida em passá-la de graça ao primeiro que se apresentou ou se ofereceu para comprá-la.

Vamos ao caso.

Na Espanha corre um provérbio, calcado (segundo se presume) numa pequena história. Quando alguém quer, com empenho, descartar-se de alguma coisa que o aborrece ou lhe é molesta, diz, usando expressão proverbial: "Cuanto por la mula queres? — Vuestra es".

Como se vê, antes mesmo que o interpelante ofereça qualquer dinheiro pela compra da mula, já o vendedor diz, num ímpeto, doido para desfazer-se dela: — Vuestra es.

Agora, o conto popular — referido pelo folclorista Francisco Rodrigues Marins, em seu livro 12.600 Refranes más (Madri, 1930, p.70): "Así cuentam vendió el diablo su suegra: enchándola a las barbas al primero que le preguntó cuánto queria por ella".

Avó, mãe, mulher, filha e sogra do diabo — são estes os parentes a que no refere o povo, além daquele rapaz que se casou com a filha dele — genro infeliz cujo nome a tradição não registrou.

Cinco mulheres e um homem — parentes do diabo.

Se o leitor conhece mais algum, diga...
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Fonte: Neves, Guilherme Santos. "O diabo e seus parentes". A Gazeta. Vitória, 09 de março de 1958.

Bruxas (em Santa Catarina)


Quando de um casal nascem sete filhas, sem nenhum menino de permeio, a primeira ou a última será, fatalmente, uma bruxa. Para que isso não venha a acontecer faz-se mister que a mana mais velha seja a madrinha de batismo da mais moça. São apontadas como tal certas mulheres magras, feias, antipáticas.

Dizem que têm pacto com o demônio, lançam maus olhados, acarretam enfermidades com os seus bruxedos, etc. Costumam transformar-se em mariposas e penetrar nas casas pelo buraco das fechaduras.

Têm por hábito chupar o sangue das crianças ou mesmo de pessoas adultas, fazendo-as adormecer profundamente. A marca do chupão deixado na pele, chamado o vulgo de "melancolia". Para que as crianças não batizadas não sejam atacadas pela bruxas, deve-se à noite conservar a luz acesa no quarto. Sabe-se que uma mulher é bruxa, quando dá a apertar a mão canhota esquerda.

Para se descobrir a bruxa que chupa o sangue da criança e ela logo apareça, soca-se, em um pilão a camisa da criança ou da pessoa por ela chupada. Ela logo se apresenta e pede para que não façam aquilo.

Existe também uma oração contra elas; quem a possui consegue descobri-la e prendê-la e também não adormece quando ela à noite penetra em casa. A pessoa assim premunida toma, para prendê-la, de um tacho ou uma medida de alqueire e logo que a bruxa entra em casa, emborca o tacho ou a medida e ela fica incapaz de sair.

Há ainda outro processo de identificar uma bruxa: vira-se a lingueta da fechadura de uma canastra. A bruxa, ao entrar em casa, a primeira coisa que faz é pedir para endireitar a lingueta.
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Fonte: BOITEUX, Lucas A. "Achegas à poranduba catarinense". Em Boletim trimestral da sub-comissão catarinense de folclore

Armadilhas contra Bruxas

1. O pai toma a primeira camisa usada pela criança, criva-a de agulhas, coloca-a dentro de um pilão de chumbar café e, com a mão de pilão, soca-a até que as agulhas penetrem na madeira do pilão — ou seja, no corpo da bruxa, que, não podendo resistir à dor, vai procurar a família, para confessar-se culpada, e perde o encanto.

2. Põe-se uma ceroula do pai, disposta em cruz, sobre a criança. Reza-se o creio-em-deus-padre de trás para diante. Sobre a mesa, ou numa cadeira, coloca-se um pires com água benta, conseguida na igreja, ou comum, apanhada na fonte numa sexta-feira antes do nascer do sol; dentro do pires, um bocado de cera virgem e a chave da porta principal. os pais devem ficar acordados e atentos,no escuro. Quandoa criança chorar (sinal de que a bruxa está a chupar-lhe o sangue), os pais devem, com a cera virgem, tapar o buraco da fechadura. Basta aguardar então o desencanto da bruxa, que se dará exatamente quandoo galo preto cantar.

3. Dentro de um baú de folha-de-flandres acende-se uma vela benta; reza-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a chama da vela e abaixa-se a tampa do baú de tal modo que o ar possa nele penetrar, mantendo viva a chama. Coma casa às escuras, todas as chaves devem ser retiradas das portas e colocadas em cima do baú. Quando a criança chorar, os pais apanham as chaves de cima do baú, introduzem-nas nos buracos das fechaduras e acendem as luzes. Presa, a bruxa, coagida pela oração e pela vela benta, tenta fechar o baú. E, ao sentar-se em cima dele, perde o encanto.

4. Uma variante da anterior. Num meio alqueire de medir farinha, junto à cama da criança, acende-se uma vela benta, sobre a qual se reza o creio-em-deus-padre de trás para diante. A casa deve ficar às escuras, com todas as chaves sobre o meio alqueire. Quando a criança chorar, os pais apanham as chaves, introduzem-nas nas fechaduras e acendem as luzes. A bruxa, sentindo-se presa, procurará sentar-se sobre o meio alqueire, com o que se desencantará.

5. Põe-se uma tesoura, aberta em cruz, numa mesa próxima ao berço da criança. As chaves das portas devem estar num pires com água benta. A casa estará às escuras. Quando a criança chorar, os pais introduzem as chaves nas fechaduras e acendem as luzes. A bruxa, que tem horror a tesouras abertas, perde o encanto.

6. Cozem-se folhas de guiné, cordão-de-frade, limoeiro e arruda, nove dentes de alho e um pouco de mostarda. Com esse cozimento dá-se um banho na criança. Todos os irmãos e todas as pessoas da família, residentes na casa, devem lavar os pés na mesma água, até chegar a vez do pai, que reza o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a vasilha. Fecha-se então a porta, deixando-se a chave em falso, quase a cair, pela parte de dentro. Põe-se a vasilha com a água do cozimento abaixo da fechadura. Para penetrar na casa a bruxa deve empurrar a chave, que cairá dentro da vasilha, fazendo com que ela se desencante. Esta armadilha deve ser preparada às sextas-feiras, à hora da ave-maria.

Se estas armadilhas, mais simples, não dão resultado, — há bruxas mais sabidas e mais experientes do que as outras, que não se deixam apanhar com facilidade, — preparam-se outras, mais fortes e mais terríveis, não apenas para desmascarar, mas também para revidar, de algum modo, os poderes maléficos das bruxas, como as duas seguintes:

7. Num prato com água, perto da cama da criança, põem-se nove dentes de alho, numa sexta-feira, à hora da ave-maria, rezando-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante. Uma faca bem afiada deve estar sob a cama do doente. Retiram-se todas as chaves das portas, para que a bruxa possa entrar. Quando a criança chorar, dá-se-lhe uma colherinha da água que está no prato e corta-se, com a faca, um pedacinho da ponta de uma fita vermelha, comprida, que surgirá descendo da cumeeira da casa, em direção à boca da criança. Guarda-se o pedaço da fita, sem nada dizer a ninguém. Uma história corrente, relativa a esta armadilha, conta que o pedacinho de fita vermelha se transformou, no bolso do pai, numa orelha humana — a orelha da bruxa, que deste modo pôde ser identificada.

8. À hora da ave-maria, numa sexta-feira, põe-se, numa mesa próxima à cama da criança, um copo de cachaça sobre uma carta (usada) de baralho; com um cigarro de palha, de fumo-de-corda forte, e uma faca afiada e pontiaguda, faz-se uma cruz sobre a mesa. Reza-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante. Quando a criança chorar, retira-se o copo de cima da carta de baralho, apanha-se a faca e com ela se golpeia ou decepa qualquer parte de um bicho que aparecerá nas bordas do copo ou em cima do cigarro ou da carta de baralho. Uma estória referente a esta armadilha conta que o pai, tendo cortado a pata de uma rã que se equilibrava na borda do copo, viu-a transformada em dedos humanos — os dedos da bruxa que chupava o sangue do seu filho.

Nestes dois últimos tipos de armadilha, no dia seguinte corre a notícia de que uma mulher da vizinhança foi acidentada. O pai, que deve manter o maior sigilo, terá de procurá-la, para que a armadilha dê o esperado resultado — a transformação mágia, em parte do corpo, das coisas que conseguiu arrancar à bruxa, quando esta cumpria seu triste destino.

Sempre que preparam uma armadilha, os pais devem estar prevenidos com um rabo-de-tatu, conservado no fumeiro da cozinha, para, quando a bruxa reassumir a forma humana, aplicar-lhe uma boa surra, até fazer sangue. Para reforçar a quebra do encanto, as feridas da bruxa devem ser lavadas em salmoura — sal, pimenta e alho ou sal, cachaça e vinagre.
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FONTE: Cascais, Franklin. "As bruxas da ilha de Santa Catarina". Revista Brasileira de Folclore, ano 3, nº 6, maio/agosto de 1963, p.125-130)