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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Mitos secundários do Maranhão e Piauí - II

É o Piauí um viveiro de mitos, que não lhes transpuseram as fronteiras. Três deles são notáveis, tanto pelas denominações, quanto pelas lendas que os nimbam: o pé-de-garrafa, o cabeça-de-cuia e o barba-ruiva.

O pé-de-garrafa é uma espécie de caapora, pois, segundo Vale Cabral, além de habitar nas matas, "grita como um homem e deixa nas estradas as suas enormes pegadas, que, por se assemelharem ao pé da garrafa, lhe tomaram o nome".

O cabeça-de-cuia, mito fluvial, proveio da lenda de um filho mau, amaldiçoado pela justa cólera materna. Vive nas águas do Paranaíba, e, conforme o autor citado, "é alto, magro, de grande cabelo, que lhe cai pela testa, e, quando nada, o sacode"; além de comer, de sete em sete anos, qualquer moça que tenha o nome de Maria, até tragar ao todo sete Marias, o que lhe permitirá desencantar-se. Também devora os meninos que se atrevam a banhar-se naquele rio.

O barba-ruiva (que, não obstante tal designação, diverge totalmente do Barbarossa germânico, do poemeto de Rückert), mito lacustre anfíbio, promanou de um caso de infanticídio. É homem alvo, de estatura regular e cabelo avermelhado, que mora na lagoa de Parnaguá, ao sul do Piauí. Inofensivo para com os entes do seu sexo, a cuja aproximação se escapole para o fundo das águas, atira-se sofregamente às mulheres, somente, porém, para as abraçar e beijar… Diz Nogueira Paranaguá (‘A lagoa encantada’, in Litericultura, II, 53-56), que este duende é ali vulgarmente conhecido por "filho da mãe d’água".

Estudados por João Alfredo de Freitas, em seu trabalho sobre Superstições e lendas do norte do Brasil (Recife, 1884), também o foram esses mitos estudados por Leônidas e Sá, que, em dois artigos intitulados O folklore piauiense (Litericultura, II, 125-128 e 363-370), completou as asserções de Vale Cabral quanto aos acima definidos e ainda trouxe à coleção os da zona de Oeiras, denominados urué (ou barba-nova) e cabeças vermelhas, que se referem a pactos com o diabo, e uma espécie de velocino sertanejo, o carneiro-de-ouro (Campo Maior), de menor importância para o nosso folclore. A essa última crendice também dá registo F. J. de Santana Néri (op. cit, 32-33), que afirma haver-se ela propagado até às margens maranhenses do Parnaíba.

Como se vê por aí, foi fecundo na criação de mitos o imaginoso espírito do mestiço piauiense, certo influenciado por antigas lendas neerlandesas (holandesas), de um lado, e, do outro lado, pelas superstições de fundo católico.

Fonte: Jangada Brasil in O Folklore do Brasil - Basílio de Magalhães
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Basílio de Magalhães, professor, historiador, jornalista e folclorista, nasceu em São João del Rei, MG, em 17/6/1874, e faleceu na cidade de Lambari, MG, em 14/12/1957. Mestre do folclore brasileiro, foi um dos primeiros a aprofundar seu estudo e a atribuir-lhe significação erudita. Entre abril de 1941 e agosto de 1942 escreveu em Cultura Política, Rio de Janeiro, uma série de artigos sob o título “O povo brasileiro através do folclore”. Sobre folclore publicou O folclore no Brasil (com uma coletânea de contos organizada por João da Silva Campos), Rio de Janeiro, 1928 (2ª. ed., Rio de Janeiro, 1939; 3ª. ed., revista por Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro, 1960); O café. Na história, no fo/clore e nas belas artes, Rio de Janeiro, 1937 (2ª. ed., aumentada e melhorada, São Paulo, 1939).

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Cabeça de cuia

Sete Marias / Precisa tragar / São sete virgens / Pro encanto acabar // Quando o rio / Em cheia desce / Cabeça de cuia / Sempre aparece // Rema pra margem / Oh! Velho pescador / Que a curva do rio / O monstro apontou // Castigo tremendo / Que Deus lhe deu / Por bater na mãezinha / Crispim se encantou // Tem medo, oh! Maria / Que estás a lavar / O cabeça de cuia / Te pode tragar (Canção popular atribuída a Chico Bento)

Durante as cheias, sempre à noite e mais freqüentemente às sextas-feiras, costuma aparecer nas águas dos rios Poti e Parnaíba, um monstro. Trata-se de um sujeito alto, magro, com longos cabelos caídos pela testa e cheios de lodo, a que chamam cabeça de cuia.

Dizem que, há muitos anos, em uma pequena aldeia do vilarejo denominado Poti Velho vivia uma pequena família, cujo arrimo era um jovem pescador, a que alguns dão o nome de Crispim. Certo dia, o rapaz retornou da pesca muito aborrecido. À hora da refeição, composta de carne de vaca, pegou um enorme pedaço de osso e, a fim de tirar o tutano, bateu com ele na cabeça da velha mãe. A pobre senhora, indignada e enfurecida, rogou-lhe uma praga, amaldiçoando-o. O filho, com o coração tomado de remorso, pôs-se a correr como um louco e atirou-se às águas do rio Poti, desaparecendo.

Desde esse dia, o cabeça de cuia nada errante pelas águas dos dois rios, surgindo ora aqui, ora ali, na época das enchentes e nas noites de sexta-feira. Aparece de repente e agarra banhistas desavisados, principalmente crianças, arrastando-os para o fundo das águas. De sete em sete anos, devora uma moça chamada Maria. Após apoderar-se de sete Marias, seu encanto estará quebrado e ele retornará ao seu estado natural. Contam que sua mãe permanecerá viva até que o filho esteja livre de sua sina.

É o principal mito do estado do Piauí. A Prefeitura de Teresina instituiu, em 2003, o Dia do Cabeça de Cuia, a ser comemorado na última sexta-feira do mês de abril.

Fonte: Jangada Brasil.
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Referências bibliográficas: Cabral, Alfredo do Vale. Achegas ao estudo do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura / Fundação Nacional de Artes, 1978; Cascudo, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1954 | 9ª edição: Rio de Janeiro, Ediouro, sd | Geografia dos mitos brasileiros. 2ª ed. São Paulo, Global Editora, 2002, p.268-271; Freitas, João Alfredo de. Superstições e lendas do Norte do Brasil. Recife, 1884; Gonçalves Neto, Vítor. "O cabeça de cuia". Jornal do Dia. Porto Alegre, 01 de fevereiro de 1959, "Regionalismo, tradição e folclore", nº 103, p.17-23; Magalhães, Basílio de. O folclore no Brasil. Rio de Janeiro, Livraria Quaresma, 1928; Paranaguá, Joaquim Nogueira. Do Rio de Janeiro ao Piauí pelo interior do país (impressões de viagem), 1905; "Folclore piauiense para a festa". Jornal de Brasília. Brasília, 02 de maio de 1976.