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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Os Vampiros de Londres
Highgate, ao norte de Londres, é um dos mais surpreendentes cemitérios da época vitoriana, com túmulos barrocos, colombário, pórticos egípcios, álea a perder de vista, os caixões pousados mesmo no solo dos jazigos subterrâneos. Um cenário digno dos filmes de terror da Hammer, lá no alto de uma das colinas Londres.
Em Highgate, as histórias de «não mortos» e de profanação de sepulturas fazem quase parte da tradição. Um dos profanadores mais conhecidos – amigo de Bram Stoker – é o pintor e poeta Gabriel Rossetti que (sem dúvida profundamente marcado pela morte de sua jovem mulher) acaba por se envolver sem o desejar em sortilégios de Highgate.
Lizzie Rossetti morreu em 1862, após uma overdose de láudano. Foi enterrada num dos jazigos subterrâneos de Highgate, mas, por mais estranho que nos pareça, Gabriel Rossetti recusou acreditar na sua morte.
Certas pessoas pensam que Stoker o tivesse influenciado, uma vez que este era um profundo conhecedor da vida noturna em Highgate, como veremos adiante.
Uma noite Rossetti saltou o muro do cemitério, do lado que dá para o lado de Swaine Lane, e arrombou o caixão da sua mulher. Como que dormindo, ali estava havia sete anos, intacta, espantosamente conservada com o parecer daqueles a quem ainda o sangue circula nas veias. Os louros cabelos, iluminados pela tocha de Rossetti, ficaram luminosos a tal ponto que esse corpo parecia ter estado a receber vida através de uma via secreta com acesso ao caixão.
Highgate, a verdadeira cidade-vampiro durante dois séculos! É esta a opinião que hoje tem Sean Manchester, o mágico inglês sempre na pegada dos vampiros. Manchester trabalhou durante os anos 70 para a sociedade funerária inglesa A. E. Bragg, na Mackenzie Road. As investigações que fez, levaram-no à seguinte conclusão: No século XVIlI foi sepultado um «vampiro» em Highgate.
Jean Claude Asfour, que também investiga sobre vampiros de Highgate, na época em que este assunto tomou primeira página dos jornais londrinos, diz-nos: «No século XVIII, um caixão vindo da Turquia e trazendo no seu interior um vampiro teria sido colocado no cemitério de Highgate, desde então tornado o centro do vampirismo na Europa.»
Presentemente, seitas satânicas tentaram já, através dos rituais próprios, restituir à vida o «rei vampiro». Na opinião de outros, este misterioso caixão seria aquele a que se refere Bram Stoker, no seu livro Drácula, que desde então se tornou um romance verdadeiramente real. Contudo, no século XVIII, a censura religiosa não permitia que se falasse impunemente de histórias de vampiros.
Pode ler-se, no Drácula de Bram Stoker, acerca de «O horror de Hampstead: Acabamos de ser informados que outra criança desaparecida ontem à noite só voltou a aparecer esta manhã já um tanto tarde, numa junqueira de Shooter’s Hill, na parte mais isolada da charneca de Hampstead. O miúdo apareceu com as mesmas feridas das primeiras vítimas. Quando descoberto, o seu estado de fraqueza assim como a palidez era enorme. Logo que recuperou os sentidos, explicou ter sido arrastado pela ‘Dama de Sangue’». Bram Stoker, que afirmava ter encontrado vampyrs personnalities em Londres, no decorrer dos anos 1880, conhecia toda esta raça de «não mortos» como aliás fica provado através das suas descrições.
Também, e mais uma vez, não é por acaso que ele faz deslocar as mulheres-vampiro a Hampstead, e que instala o conde Drácula em Carfax, numa velha casa do norte de Londres, muito perto de Hampstead Hill, e coloca o cemitério onde repousa Lucie Westenra, vítima do príncipe dos vampiros, sobre esta mesma colina de Hampstaed. Jonathan Harker – o herói do livro – transporá clandestinamente o muro da cidade dos mortos e trespassará o coração dos adeptos do culto da noite.
Não existe nenhum cemitério em Hampstead. O mais próximo é em Highgate. Por muito estranho que possa parecer, nada mudou desde o século obscuro de Bram Stoker e das práticas mágicas de Golden Dawn.
Entre os muros do cemitério de Highgate habitará um Poder monstruoso que terrificou Stoker e que serviu de ponto de partida para a sua narração terrível. Desde há quase dois séculos que os habitantes da aldeia de Highgate vivem na obsessão do «vampiro» que ronda a parte norte do cemitério, perto do portal de Swaine Lane.
As últimas aparições ter-se-iam dado em Outubro de 1970. Várias pessoas dignas de crédito afirmam ter visto um vulto escuro e cuja altura andaria pelos sete pés (mais ou menos dois metros) pairando por entre túmulos. Uma noite, certa mulher entrou precipitadamente no posto da polícia de Highgate, com os olhos desvairados e muito perturbada.
Contou, titubeando, que se cruzara com a entidade monstruosa, descrevendo o olhar que a fulminou através do gradeamento do cemitério: «Uma forma escura com dois olhos que pareciam queimar.», terá ela dito.
Organizaram-se patrulhas de polícia à luz de projetores. Para a gente da beira-rio, foi «a grande noite de Highgate». Mas o cemitério nada revelou do seu mistério; homens e cães encontraram apenas veredas de emaranhada vegetação, túmulos silenciosos como se fosse um cenário de uma peça trágica, esvaziado repentinamente dos seus atores.
São muitos os testemunhos que atestam a existência de um «vampiro» em Highgate. Continuaram a acontecer de há um século a esta parte, embora com pequenos intervalos de silêncio, o que de certo modo ainda concede mais força ao poder do invisível noturno.
Um outro feiticeiro inglês, David Farrant, presidente da famosa British Psychic and Occult Societh, galgando a norte o muro do cemitério para fazer a invocação do vampiro teve de apresentar-se ao Supremo Tribunal de Londres. Foi algemado e condenado a cinco anos de prisão.
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
domingo, 14 de fevereiro de 2016
Vampirismo Contemporâneo
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"Algumas coisas nunca descansam em paz". |
Ritos, fumaradas, incensos, aspersões, manipulações mágicas, sempre acabam por fazer os seus adeptos mesmo em pleno século XX (*) como o provam numerosos casos de possessão, feitiçaria e outras sombrias histórias que alimentam a vida quotidiana.
Os vampiros ainda mantêm as missas vermelhas, em tecnicolor, nas telas de cinema, e se viu atores como o romeno Bella Lugosi identificar-se com o conde Drácula e se desequilibrar na extravagância. Lugosi foi o primeiro grande ator do cinema americano a encarnar Drácula nos filmes.
Pode dizer-se que o veneno do vampirismo correu pelas suas veias, inundou o cérebro até lhe criar a terrível obsessão. Ele já não era Bella Lugosi, mas Drácula, e para reforçar esta suspeita saiba que se vestia de capa preta forrada a encarnado, comprou um caixão acolchoado no qual se deitava e dormia todas as noites.
Lugosi era também viciado em heroína, para acalmar angústias e evitar os terríveis pesadelos que tinha. Morreu louco, com o cérebro minado pela demência.
Christopher Lee, que igualmente encarnou o conde Drácula num trabalho para a sociedade Hammer Films, confidenciou que o papel põe à prova, aflige, e que é necessário um grande equilíbrio interior para não acontecer usurpação da pessoa que representa, pelo conde Drácula.
Já não estamos nos mosteiros de Athos, protegidos por cortinas de incenso ou barreiras de orações, mas na vida do dia a dia, vulneráveis no meio de uma esquizofrênica sociedade, despojados de crença, presos às nossas obsessões, arpoados pelas nossas angústias, tendo como única fuga o sonho ou o tubo de soporíferos.
Os feiticeiros das antigas civilizações sabiam que o sangue e a luxúria se associam para manipular a alma humana.
O sexo e a morte, os impulsos devoradores, a necessidade de morder, de devorar, no amor, são apenas fantasias, mas para um cérebro fraco poderá acontecer que esses monstros tomem forma e comecem realmente a viver dentro dele.
Jean Boullet na revista "Medicina, Arte e Saber", de abril de 1960, cita o exemplo de um porto-riquenho de 16 anos que, procurado pelos seus crimes, quando a polícia de Nova Iorque o prendeu, disse: «Eu sou o conde Drácula, diverte-me a ideia da vossa cadeira elétrica porque sou imortal e unicamente vos peço que me considerem o rei dos Vampiros. »
O aspecto do jovem assassino chegou para surpreender os agentes da polícia. Capa preta forrada de cetim encarnado, sapatos com fivela de prata, peitilho rendilhado, anel largo e achatado representando uma caveira, bengala de castão...
A zona de ressonância do conde Drácula espalhou-se para além das montanhas da Transilvânia com a ajuda extremamente ardilosa do cinema e da literatura.
«E tudo isto», escreverá Bram Stoker, «foi feito por ele sozinho, a partir de um túmulo em ruínas num qualquer lugar, numa região esquecida. »
Drácula, o homem vestido de preto. O vampiro veste-se sempre com as cores da noite. O preto é para ele a ausência da cor, a ausência de vida, a impenetrabilidade fascinante para além da qual a morte pode ser vencida.
Certas lendas populares europeias falam de um estranho visitante estrangeiro, vestido de preto, cuja aparição traz sempre consigo a morte ou a doença. Muitas vezes, crianças e adolescentes foram surpreendidos de noite, nas cercanias de suas casas. Stiker descreve o rei dos vampiros no seu Drácula. «Diante de mim estava um homem grande e velho, com um grande bigode branco num rosto que parecia acabado de barbear, vestido de preto da cabeça aos pés, sem o mais pequeno sinal de cor onde quer que fosse...
Não estamos já na Europa do século XV, e os feiticeiros da Idade Média estão há muito reduzidos a pó e a cinzas. No entanto as aparições do Homme en Noir continuam. Os fantasmas e as superstições conferem-lhe sempre poderes diabólicos. Aparições reais ou reais poderes? Ninguém o sabe. Apesar do avanço científico, há ainda regiões do universo e da alma humana que continuam obscuras e impenetráveis.
Uma das mais recentes aparições remonta ao dia 20 de fevereiro de 1968. Ela teve como testemunha e vítima Rosita Aguardiente, uma adolescente de 17 anos. Foi a 20 de fevereiro quando Rosita entrou num ônibus que logo a seu lado se sentou um homem de alta estatura, vertido de preto. «Eu notei», disse ela, «que ele tinha uma cor esverdeada e os olhos ligeiramente rasgados. Sem saber porquê, senti medo, algo sinistro emanava dele. Desci, desceu atrás de mim. Quando cheguei ao campo senti uma enorme confusão na minha cabeça e perdi o conhecimento de repente. Quando acordei, estava num descampado com o vestido em desalinho. Ao dar os meus primeiros passos, tropecei numa pequena caixa que apanhei e meti na minha bolsa. »
Rosita Aguardiente relatou o caso à polícia, que o definiu como uma tentativa de violação.
Mas dias depois a jovem moça levada pela curiosidade provocou que o assunto voltasse de novo à baila, pois abriu a caixa que encontrara quando voltara a si naquele dia ...
A caixa era toda ela hieróglifos! Assim que levantou a tampa, uma luz como que elétrica escapou intensa. A moça assustou-se e apressou-se a fechar a caixa.
O homem vestido de negro intervinha sob vários aspectos.
A 20 de Julho de 1967, o France Soir et L’ Republicain relataram os seguintes casos: Em Arc-Sous Ciçon, quatro criaturas vestidas de preto e com mais ou menos um metro de altura movendo-se rapidamente, meteram-se num silvado deixando amedrontadas algumas crianças que por ali andavam. Tinham uma cor de pele escura, os olhos enormes e falavam entre si um dialeto estranho e melodioso.
Os cemitérios das grandes cidades são evidentemente locais predestinados ao vampirismo contemporâneo.
Highgate, ao norte de Londres, et le Pére Lachaise em Paris, são hoje teatros de estranhas e fúnebres peças. Assim que cai a noite... levanta-se o pano. As personagens aparecem pelas bermas, tornam-se príncipes das trevas no espaço de uma noite, oficiando sobre os túmulos, evocando as divindades do vampirismo. Já não se trata de vivos que vêm ver os seus mortos. Uns e outros, numa curiosa comunhão, representam os seus papéis e, através de danças macabras bem esquematizadas, o mundo dos vivos e dos mortos interpenetra-se. Surge uma outra dimensão.
Ao nascer da aurora, os mortos recolhem às suas moradas secretas, enquanto os vivos, extenuados e olheirentos, saem do mortuário recinto passando perante os guardas surpreendidos e amedrontados!
Não é raro descobrir em Pere Lachaise o túmulo de um adepto do vampirismo. É muitas vezes à volta este que se agrupam e fazem cerimônias secretas. Citemos, por exemplo, o túmulo de Madame Berte Courrieres, aliás Madame Chantelouve, inspiradora do escritor Huysmans e discípula do satânico Abbé Boulan, bem conhecido dos ocultistas do século passado. A laje do seu túmulo – não longe da de Chopin – está frequentemente coberta de cadáveres de animais, como pássaros e ratos de que se serviram para misteriosas práticas.
As áleas do Pere-Lachaise parecem-se com as avenidas silenciosas de uma cidade barroca, rodeada de passeios, tendo de um lado e de outro, pitorescas fachadas de monumentos funerários. Mas há sítios a que essas áleas retilíneas não chegam; os lugares dissimulados pelas sombras dos sicômoros e das tílias onde as sepulturas tomam um ar de antigos navios encalhados, de fundo cinzento e fendido sob o mistério de todos aqueles arbustos. Nenhuma daquelas áleas nos leva diretamente a tais lugares quase impenetráveis. É necessário errar ao acaso pelos túmulos, descer, subir, escalar por vezes em vão pelo meio de toda aquela vegetação.
O cemitério é uma cidade ciclopeana. Cada mausoléu esconde-se numa sombra. As ruas sucedem-se às ruas, os túmulos aos túmulos, as áleas têm nomes estranhos: caminho do dragão, álea Errazu, avenida Feuillant...
Em certos cemitérios, à noite, todo um mundo de presença... pedaços de ossos fumegam no incenso, libertando um cheiro pavoroso. Na cripta saturada de incenso, os partidários do vampirismo erguem os punhais e os pentáculos:
«Senhor! Tu que desejas o sangue e trazes o medo aos mortais, recebe de novo este sangue que representa vida. » Durante vários segundos o celebrante transpõe milênios, vive com intensidade a sombria lenda, sobre a pedra dum túmulo, em qualquer cripta abandonada. E assim se passa até ao nascer do Sol.
«O nascer do Sol», escreve Ribadeau Dumas, «afugenta as más influências da noite. Em certas terras, o galo representa a vigilância guerreira, ele vigia o horizonte, e alerta também! Símbolo cristão como a águia e cordeiro, ele anuncia luz e ressurreição. Drácula empalidece quando o ouve, e foge... antes que seja tarde! A noite favorece o vampiro. Ela gera nas suas trevas o sono e a morte. »
(*) Este livro foi publicado em 1986
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
O Vale dos Imortais
No seu romance Drácula, Bram Stoker garante ter encontrado, em 1880, um professor Arminius, da universidade de Bucareste que lhe entregou um dossiê «respeitante a V1ad V, filho de V1ad, o Diabo» atestando que depois da morte brutal, da sua inumação na ilha de Snagov, seguido do famoso cataclismo que arrasou a ilha, Drácula reapareceu como «vampiro».
«Pedi ao meu amigo que pusesse em ordem o seu dossiê. Todas as fontes de informação levam a pensar que Drácula foi um voïvode que ganhou o seu apelido ao combater os turcos no grande rio, sobre a fronteira da terra turca. Sendo assim, não se trata de um homem vulgar, porque no tempo dele e nos séculos seguintes foi considerado o mais inteligente, o mais ardiloso e valente entre todos os que existiam para além das florestas (Transilvânia), levou para o túmulo esse poderoso cérebro e um caráter de ferro que ‘utiliza agora contra nós’. Os Drácula, diz-nos Arminius, foram uma grande e nobre raça, ainda que certos descendentes seus (segundo os contemporâneos) tivessem pacto com o diabo. Aprenderam o segredo de Satanás no Scholmance, entre montanhas, sobre o lago Hermanstadt, onde o demônio se reclama, por direito, o décimo erudito.
»No manuscrito encontram-se palavras como estrgoica (feiticeira), Ordog (Satanás), polok (inferno), e ainda se diz neste momento que Drácula, era wampir».
Nos contrafortes dos Cárpatos, nos vales da Transilvânia, as aldeias fazem a época histórica dos Drácula. De longe em longe distinguem-se granjas de madeira, para onde o camponês conduz o seu atrelado. O caminho é escarpado, todo exposto ao sol ao longo das encostas íngremes que levam a cumes solitários. Umas vezes aparece uma cabana de caçadores, um calvário... meio engolido pela vegetação. Outras vezes surge alguma ruína imponente coroando a colina, os muros de uma antiga fortaleza colocada de sentinela à entrada de uma garganta profunda, ao fundo da qual brilham como um espelho as águas de uma ribeira.
E fácil compreender por que este território inacessível foi noutros tempos a pátria dos dácios, «o vale dos imortais», que os antigos gregos veneraram.
Num livro misterioso, chamado L’Icosameron Giacomo Casanova – gentil-homem veneziano, libertino, filósofo e mágico – conta-nos de um povo que vivia no subsolo da Transilvânia, os Mégamicres, bebendo sangue para se tornarem imortais:
«Que belo alimento era o leite dos Mégamicres!... Pensamos que nada de fabuloso nos ensinara a mitologia, que estávamos no verdadeiro domicílio dos imortais e que o leite sugado por nós representava o néctar, a ambrósia, que iria sem dúvida dar-nos a imortalidade de que todos deviam desfrutar... esta refeição durou uma hora e penso que teríamos ainda continuado não fora verificarmos com pavor algumas gotas que caíram dos seus mamilos para o nosso peito. Pela cor percebemos que era sangue.
»Intermináveis corredores ligam o mundo subterrâneo dos Mégamicres à região do lago Zirchnitz, na Transilvânia, que Casanova descreve como um ‘reino de grutas e de trevas’. »
Quais são os deuses venerados pelos Mégamicres, em Icosameron? Lendo a descrição que Giacomo Casanova nos faz, pensamos nos vampiros que povoam a tradição de Europa central:
«.... Os deuses dos Mégamicres são répteis. Têm a cabeça muito parecida com a nossa, mas sem cabelo. Nada é tão doce e sedutor como o seu olhar, quando se fixa. De dentes são brancos e bicudos, mas nunca se vêem por eles terem sempre os beiços fechados. A voz é apenas um horrível silvo que faz ranger os dentes e gelar o coração. O povo dos Mégamicres dedica-lhe um culto religioso.
»A vida e a morte de Casanova continuam misteriosas. Foi preso em Veneza, pela Inquisição, acusado de magia e fechado nos esgotos do Palácio ducal, donde conseguiu fugir e correr a Europa. Manuzzi – espião dos inquiridores de Veneza, conseguiu apoderar-se de livros e documentos manuscritos em sua casa, tais como as Clavicules de Salomon, as obras de d’Agripa, e o Livre d’Abramelin le mage (publicado em Veneza).
No seu L’Icosameron, Casanova revela que os Mégamicres são os inimigos do envelhecimento, e que nunca envelhecem:
«O sono profundo», escreve ele, «uma tão perigosa languidez, que é visível que nos faz envelhecer e acelera o ritmo das nossas vidas...»
Sabe-se que Drácula foi enterrado na ilha de Snagov, à entrada da igreja do mosteiro, e procedeu-se as várias buscas em vão. O túmulo está vazio, acontecendo o mesmo com o de Giacomo Casanova, enterrado no parque do castelo de Dux, na Boêmia, sob uma pedra tumular rodeada por um gradeamento. Depois foi transladado para poucos metros de distância, perto da entrada da pequena igreja de Santo Eustáquio, na margem de um pequeno lago...
Hoje não existem nem as lajes sepulcrais nem gradeamento! Que coincidência tão estranha até à morte... Drácula e Casanova! ... Coincidências ou conjugações de forças secretas para lá da nossa compreensão? ... Os imortais bebedores de sangue de Giacomo Casanova viveram em tempos longínquos na Transilvânia, perto do lago Zirchnitz, numa região de «grutas e trevas».
A Transilvânia foi a pátria dos dácios muito antes da era cristã. Os gregos acreditavam que este enclave de montanhas era o «Vale dos imortais».
A antiga terra dos dácios era pagã. «Aí existiam, governados pela misteriosa deusa Mielliki, as forças dos bosques, enquanto a oeste a montanha de Nadas tinha o vento como único habitante. Havia um deus único, mas nos Cárpatos supersticiosos havia sobretudo o diabo Ordog, servido por feiticeiras que, por sua vez, tinham ao seu serviço cães e gatos pretos. E tudo vinha dos elementos da natureza e de suas fadas.... No meio das árvores sagradas, de carvalhos, de nogueiras fecundas, celebravam-se secretamente os cultos do Sol e da Lua, da aurora e do cavalo preto da noite. »
Testemunhas da Grécia antiga recordam ter visto legiões de dácios em pé de guerra, armados de escudos, trazendo a efígie do dragão nas armas de guerra.
Para os raros viajantes da Antiguidade, este povo selvagem corresponderia aos Hiperboreanos da mitologia, os homens-deuses que venceram a morte e reinaram na ilha de Thulé (Os filósofos gregos e pessoas que em viagem citam a Dácia hiperboreana).
Os dácios consideravam-se imortais. Tinham – acreditavam eles – o dom de se transformar em lobo ou em morcego, de voar, de dialogar com os deuses no alto das montanhas. Os lugares escolhidos para os rituais eram sobre os picos rochosos, no interior de grutas inacessíveis. E sobre estes cumes que os grandes senhores – Drácula, Garal, Cillei – construíam seus ninhos de águias.
A suprema autoridade religiosa dos dácios, aquele que detinha os segredos da vida e da morte, viveu, ma das florestas da Transilvânia, no cimo de uma montanha agreste na qual construíram um templo. Supõe-se hoje que tivesse sido o monte Cugu, que se eleva a três mil metros de altitude nos confins de Banat e da Transilvânia.
Para os «padres» dácios, a divindade suprema chama-se Zalmonix. E ela que preside à iniciação.
Entre Zalmonix e os sacerdotes de Transilvânia existem outros seres que servem de intermediários entre os homens e a divindade suprema. Estes seres seriam eventualmente os vampiros ou mortos-vivos, isto é, aqueles que venceram a morte e que têm o poder de voltar ao meio dos homens, segundo a sua vontade.
O príncipe romeno Bursan-Ghica, exilado em Paris desde os anos 50, recorda ainda as velhas lendas da Transilvânia:
«Para comunicar com Zalmonix, os dácios têm de recorrer a mensageiros. Escolhem por isso os irmãos mais avançados em magia, aqueles que ultrapassaram o limiar da iniciação. Estes eleitos são os sacrificados. Os dácios trespassam-nos com as pontas das suas lanças. Mas sete dias depois, os corpos trespassados saem do túmulo e juntam-se aos outros. Tornaram-se imortais e farão de elo entre os Dácios e Zalmonix. Naturalmente que as lanças foram substituídas por agudas estacas que se plantavam na terra. Compreendem agora a realidade secreta da estaca dentro do vampirismo, e a razão por que o Drácula foi alcunhado de Vlad, o empalador? ...
Para certos ocultistas, fanáticos do vampirismo, o príncipe Drácula não seria um guerreiro sanguinário ao empalar as suas vítimas para seu prazer... antes cumpria as práticas da magia antiga e dos Dácios, seus antepassados, os imortais da Transilvânia.
Em 1462, Vlad Drakul foi preso na Hungria, na torre de Salomão, palácio de Visegrad. Segundo Kurytsint um diplomata russo, Drácula mantinha excelentes relações com os guardas. Fez-lhes um pedido que não deixa de ser curioso! Desejava que lhe arranjassem ratazanas, ratinhos, pássaros e outros animais pequenos.
Que razões secretas o levariam a tal? Kurytsint que estudou Drácula narra que ele empalava estes animalejos e os dispunha em redondo ou em cepa, espetados em raminhos afiados sobre o chão da sua cela. Os cronistas referem as distrações atrozes, de um sadismo monstruoso. As obras recentes acerca do personagem histórico Vlad Drakul (entre eles o livro do historiador Romeno Florescu) são bem o testemunho da opinião do autor quanto a tratar-se de perversões psicopatológicas. Apenas os ocultistas e os adeptos do vampirismo viram nelas o ressurgimento da antiga magia Dácia oferenda oculta único vínculo possível com Zalmonix deus dos vivos e dos mortos nas antigas crenças da Transilvânia.
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
O Castelo de Drácula
Ruínas do Castelo Poenaria, em Arges, Arefu, Romênia |
Na Transilvânia, a natureza oferece à vista profusão desordenada de montanhas que protegem estreitos vales, tornando assim o acesso muito difícil. Os cumes desnudados erguem-se sobre as aldeias, como que para lembrar as glórias antigas na época em que os enormes penedos suportavam verdadeiras fortalezas de muralhas sombrias, de maciças torres.
Foi aí que, fechado no seu ninho de águia, Hermann de Cillei escreveu a sua “Pratique de Vampirisme”, deixando às gerações futuras um verdadeiro manual de técnica (o segredo da «horrível transformação» transmitia-se entre as famílias da nobreza da Transilvânia, os Garaï, e os Dráculas, todos nobres da Ordem do Dragão).
«O vosso corpo imortal já existe», escreve Hermann Cillei. «Fazei crescer esta outra realidade em vós, tornai-vos confiante, deixai-vos possuir pelo Real. Sede aquele que nunca dorme, não sucumbe aos automatismos, nunca se esquece de si próprio nem um segundo, um ser que vence o coma e a morte. O vosso corpo prosseguirá. Como poderia ele resignar-se à lei da decomposição? O vosso espírito despertado retém as moléculas da carne. A partir de então o corpo não soçobrará, pois é a falta de vitalidade, de força anímica, que fazem o corpo tornar-se em pó. E o mesmo que tirar as pedras de cunha a uma casa.
«Em primeiro lugar é preciso agir sobre o nosso duplo astral, torná-lo autônomo, forçá-lo a sair do corpo, ensiná-lo a errar no plano astral, ensiná-lo a viver sem depender do corpo e dos seus hábitos. Logo que o duplo se souber governar perfeitamente, pode então a consciência abandonar o corpo e vir habitar o duplo. Depois da morte continuará a errar. Deveis, pois, alimentá-lo com a vitalidade que o vosso sangue contém. »
Pode imaginar-se facilmente Hermann Cillei metido numa das torres do seu castelo, fixando a chama hipnótica da vela, escrevendo o manual de vampirismo, já entre este mundo e o outro. Ouve vozes confusas vindas do passado, vê cenas terríveis de que as montanhas foram testemunhas... O vale está povoado por seres fantásticos, sombras que deslizam ao cair da noite... olhos que espreitam entre a escuridão...
A maldição plana como um abutre sobre os castelos da Transilvânia. Bárbara de Cillei morreu envenenada. A mulher de Drácula atirou-se do alto da torre do castelo, em 1462. Drácula voltou a casar-se – sem a bênção da igreja – e vive então na fortaleza de Sibiu. O filho, Mihnea, é tão mau como o pai. Alcunharam-no de Mihnea, o Mau. Também ele pratica decapitações, carnificinas, cortes de orelhas, empalamentos e estuda as «ciências» malditas para fugir à morte.
O príncipe Drácula – Vlad Drakul – foi morto pelos turcos numa emboscada perto de Bucareste. Tinha 45 anos, e «foi enterrado sub-repticiamente no mosteiro de Snagov sob uma laje sem inscrição. Quando em 1931 foi aberta a sepultura constatou-se que os seus despojos tinham desaparecido».
Que é que se passou? Pergunta Ribadeau-Dumas: «Os monges do mosteiro de Snagov, na floresta de Vlasie, no meio de um grande lago, como existe um em Bucareste, mergulharam o caixão nessas águas ao ver chegar os turcos vitoriosos. Depois de afundado nunca mais se encontrou o caixão. Conta-se que no momento em que o mergulharam na água, teria surgido uma tempestade violenta, deitando árvores abaixo, rebentando os diques do lago, incendiando o mosteiro que desabou em seguida. Aos camponeses pareceu-lhes ouvir durante muito tempo tocar os sinos da igreja, igualmente arrasada nesta onda de destruição. Aquele lago ficou amaldiçoado!
«No século XX reconstruíram a igreja do convento, mas a nave abateu quando de um tremor de terra em 1940. Hoje, apenas um monge ora nesta ilha, pelo repouso da alma do príncipe Drácula. »
Para se chegar ao castelo de Drácula, na Transilvânia, é preciso transpor o vale de Ollul, trepar o desfiladeiro da «Torre Vermelha», onde ainda existem ruínas de uma fortaleza militar. Estas ruínas levantam-se sobre a margem direita de uma ribeira, no alto de uma enorme falésia perpendicular à estrada. Encontramo-nos nas nascentes do Arges, por cima das quais brilha a neve dos montes Fagaras.
As aldeias são pobres, as casas modestas, os habitantes mais duros e menos sociáveis e hospitaleiros que os de outras províncias da Romênia. A uns trinta quilômetros adiante encontra-se a aldeia de Arefu onde lá em cima se ergue o ninho de águia de Drácula.
Numerosas lendas relatam a construção do castelo do terror. As crônicas da época dizem que Vlad Draklul reuniu trezentos nobres romenos na sala grande do seu palácio de Târgoviste, oferecendo-lhes um banquete suntuoso. Durante a festa, colocara à volta da sala os seus arqueiros que, a uma ordem sua, aprisionariam os convidados. E, como um rebanho, fez seguir os seus convidados até Arefu, onde chegaram dois longos dias depois.
Numerosas mulheres e crianças, diz a crônica, não aguentando a caminhada, pereceram a meio. Os que sobreviveram, logo se agarraram ao trabalho sob as ordens do príncipe Drácula. E assim construíram a fortaleza de Curtes de Arges, que seria mais tarde o ninho de águia do príncipe.
«A história não esclarece quanto tempo levou esta construção. Escravizados, acabaram por ver suas roupas cair, continuando a trabalhar nus; prosseguiram até tombar mortos pela fome, fadiga, frio e esgotamento...»
Foi assim com sangue que se construiu a fortaleza. Como se o suor, o sangue, a carne dos cadáveres tivesse servido de argamassa a esses pedregulhos.
O caminho que vai de Arefu ao castelo é duro. Uma hora a andar, antes de se atingir algumas pedras daquilo que foi uma das mais poderosas fortalezas de Valáquia. A vista é vertiginosa, distinguindo-se a mancha vermelha das aldeias espalhadas pelos contrafortes alpinos. Lá longe, para norte, luzem os picos de neve dos montes Fagaras.
No pátio do castelo o visitante apercebe-se dos vestígios de uma abóbada, toda coberta de vegetação. Muito perto, vê-se a parte de cima de um poço, cheio de pedras, como se as muralhas do antigo castelo tivessem sido aspiradas pelo abismo, obstruindo para sempre a entrada do mundo subterrâneo.
Ao lado do poço há uma escada enterrada no solo, sem dúvida uma passagem secreta, de que muitos relatos falam, com acesso a uma gruta que os camponeses de Arefu chamam Privnit (A cave), situada na margem de uma torrente. Passados alguns metros de escuridão surge um montão de pedras que barram o subterrâneo.
Os camponeses da região comentam muitas vezes sobre o castelo maldito mas hesitam em ir até lá, pois que o sombrio herói de Bram Stoker assombraria para sempre aqueles lugares.
Para Radu Florescu – o historiador romeno –. «Além da águia e do morcego, as ruínas são frequentadas pelas raposas que procuram os ratos e alguma ovelha ou carneiro que, extraviados do rebanho, caíram num buraco e, prisioneiros no matagal, ali venham a morrer.
«O regougar que os cães selvagens soltam à Lua, sobretudo quando respondem aos uivos, resulta num concerto noturno que não se ouve sem um calafrio. De vez em quando também um urso ou um lince descem os montes Fagaras até aí; mas os visitantes verdadeiramente perigosos são os lobos. Se Bram Stoker escoltasse a parelha de Drácula com as matilhas uivantes para os lados de Borgo, aqui, no alto vale de Argens, as pessoas seriam com certeza atacadas, pois a desolação de Inverno torna esses animais raivosos. Compreende-se assim que pernoitar no castelo de Drácula seja considerado um desafio à morte e mesmo os mais ousados raramente o fazem».
Diz-se que em Arefu os raros aldeões que de noite vão ao castelo, só se aventuram levando consigo um velho missal que, afirmam eles, afasta «os espíritos do mal que rondam pelas alturas».
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
Vlad-Dracul - Senhor da Valáquia
Na Transilvânia, a uma altitude vertiginosa acima de uma paisagem selvagem, toda floresta e ribeiros, eleva-se uma cidadela inacessível onde, enclausurado voluntariamente, vivia noutros tempos um príncipe ...
Este solitário não tinha senão um único fim: transpor os limites da morte e entrar vivo na eternidade. Drácula, eis o nome deste amante das ciências malditas. Nosferatu, isto é: o «não morto», aquele que não morre nunca.
Como ele, outros senhores poderosos transformaram os seus castelos romenos em ninhos de águias, ficando discípulos do Anjo Negro, Lúcifer. Esses, sim, praticam o verdadeiro vampirismo, alquimia do sangue e da morte.
Nosferatu pode se escrever só no plural porque não há só um nosferatu. Se Drácula, o príncipe Vlad Drakul, cuja história romena recorda, é considerado como o soberano dos adeptos da noite, ele não é único «não morto». Outros pertenceram ou ainda pertencem a essa cadeia onde os segredos do sangue se transmitem do mestre para o discípulo.
Os vampiristas conhecem o ritual de chamamento à vida, o ritual do despertar que se pode encontrar no Livre Sacré d’ Abramelin le Mage. Foi a partir deste manuscrito que formou a primeira cadeia dos «não mortos» que se espalharia pela Europa inteira.
No âmbito da magia e terror tal como se passa com os elfos, os papões, as fadas, o lobisomem etc., nós vimos o vampiro aparecer com rara constância nas lendas e tradições populares. No entanto, a lenda não é somente uma «crença popular», uma vaga superstição de que nos lembramos. Ela pertence sempre a uma realidade esquecida, temerosa.
A história nos revela que o conde Drácula não era conde, mas príncipe e que reinou em Valáquia, província dos Cárpatos, de 1456 a 1462. É também conhecido pelo nome de Vlad Tepes, o que quer dizer vlad o empalador. O historiador Florescu descreve-o como especialista em empalamento e tortura, homem sanguinário e destemido guerreiro.
«Ele empregava», escreve ele, «estacas e lanças que precisavam ser afiadas, para que as perfurações não provocassem imediata agonia e antes intensificassem o sofrimento dado o tipo de chaga alargada que daí resultava. »
A Romênia – especialmente a Transilvânia de século XV tem a marca do vampiro. Tudo, desde a busca mágica do príncipe Drácula, a criação da Ordem do Dragão por Segismundo I da Hungria que se tornou ponta de lança da cavalaria das trevas, uma ordem vampírica a que toda a aristocracia da Transilvânia aderiu, os Drácula, os Garai, Cillei e outros, tudo ali existe.
«Ele foi Vlad Tepes, o tirano. Nada o satisfazia tanto como ver os seus inimigos no estertor e sofrer quando empalados. Conta-se que no meio dos moribundos suspensos de estacas ele se fazia servir das mais lautas refeições, para mostrar que o espetáculo cruel e a forma de matar os inimigos não lhe roubava o apetite. » (F. R. Dumas.)
Em Târgoviste ele empalou, na Páscoa de 1459, quinhentos Boyards. A 24 de Agosto de 1460, os anais da Romênia precisam que ele matou – após torturas e suplícios – 30.000 prisioneiros em Anilas:
«Assassinou alguns fazendo passar por cima deles os rodados de carros. A outros, despojando-os das suas roupagens, arrancou a pele até às entranhas. Assou alguns sobre brasas, atravessados por espetos e a tantos lhes perfurava as nádegas com estacas que saíam pela boca... e para que nada fosse esquecido, quanto a atrocidades possíveis, espetou, a uma mãe, os dois seios colocando-lhe por cima o filho ainda bebê. »
Enfim, matou de muitas e diversas maneiras, torturando com a ajuda de utensílios, fazendo atrocidades que só o mais tirano dos tiranos poderia conceber.
O papa Pio II ficou horrorizado. O bispo d’ Erlau, em 1475, secundou a acusação de que o número de vítimas do príncipe Drácula se elevava a mais de cem mil pessoas. Sendo ele cristão ortodoxo, a sua excomunhão tê-lo-ia atirado para os infernos! E não foi citado que, após ter conquistado Kroonstadt, fez dos seus habitantes prisioneiros levando-os para a capela de S. Jacques, para a Igreja de S. Bartolomeu e para o mosteiro de Holtznetya onde, depois de roubar os paramentos e os cálices, deitou fogo aos edifícios com as pessoas lá dentro, matando todos os que ali se encontravam.
Com a aparição de um tal Eleazar, chegado do Egito, detentor do famoso Manuscrito de Abremelin, é que tudo afinal começou ...
Uma seita do Egito revelou-lhe os mistérios da morte e as técnicas que permitiriam obter-se um aspecto de imortalidade. Chegado a Veneza, transmitiu para a escrita tudo o que ouvira da boca de Abremelin, no Egito. É em Veneza que põe em prática a sua ciência sobre os mortos... de um modo eficaz e terrífico. Alguns jovens mais ousados agruparam-se à sua volta e formaram o primeiro elo desta cadeia europeia. Este saber vinha das práticas de Osíris, o deus dos mortos-vivos do Egito, aquele que foi desmembrado antes de se tomar imortal.
Nas primeiras páginas do manuscrito maldito, Abremelin revela através da escrita de Eleazar: «Imagina a que ponto a nossa seita se tornou maldita que ultrapassa o gênero humano... de tal modo que em ti, não se manterá para além de uns setenta e dois anos... e outra virá continuar-lhe caminho. »
O discípulo de Abremelin deixou Veneza, onde ficou um grande número de partidários que se instalou na ilha de Lagune, ilha essa onde noutros tempos se orara ao dragão das águas, o que prova que nada se escolhe por acaso...
Eleazar chegou à Hungria, onde se tornou conselheiro, em matéria de ocultismo, do imperador Segismundo, iniciando-o nas práticas de Abremelin.
O imperador da Hungria acabava assim de descobrir uma resposta para as suas angústias, um remédio para o seu temor à morte. Aconselhado por Eleazar fundou a Ordem do Dragão na mitologia do sangue.
Vlad o Diabo, príncipe da Valáquia e pai de Drácula, pertencera a esta Ordem, onde foi iniciado nos mistérios do sangue segundo os ritos de Abremelin.
A seguir à morte de Vlad, Drácula subiu ao trono de Valáquia. Segismundo da Hungria doou-lhe as terras, feudos de Almas e Fagaras situados na outra vertente dos Cárpatos e é sob a bandeira do Dragão que ele combate os turcos, depois de prestar vassalagem ao grão-mestre da Ordem.
Na Ordem do Dragão vamos encontrar os grandes adeptos vampiros da Romênia, homens de armas e ao mesmo tempo praticantes da velha magia.
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
domingo, 7 de fevereiro de 2016
Os Principais Locais do Vampirismo
O mais conhecido dos locais da velha religião da noite é, sem qualquer espécie de dúvida, o castelo de Drácula – pelo menos o que dele resta – em Curtea de Arges, nas montanhas da Transilvânia. Mas há também outros sítios onde a lenda se fixou profundamente. O pequeno porto de Cruden Bay, na Escócia, é um desse estranhos sítios. Foi aí, no país de Stevenson, que Bram Stoker então pertencente à sociedade secreta Golden Dawn concebeu a sua obra prima: Drácula.
A descrição feita por F. Riviere quando da viagem de regresso de Cruden Bay, acerca do cenário alucinatório, permitirá a Bram Stoker invocar o «príncipe dos vampiros».
«Eu tinha reservado um quarto na famosa estalagem de Kilmarnock Arms, estalagem essa onde Stoker, depois de uma refeição farta, recebera a visita do anjo do mal naquela cama em que as dores de estômago o tinham obrigado a dar voltas sobre voltas no decorrer de um pesadelo ...
Devo dizer que o edifício ao Sol poente deixaria bem impressionado qualquer apreciador de filmes diabólicos da Hammer! Estava lá tudo: a fachada estilo Tudor, a hera trepadora, o pórtico carregado de ornamentos, os vitrais dissimulando por certo inquiridores olhares, a pesada porta de pregos cravados e um gato preto cuja silhueta sinistra se perfilava sol um céu encarniçado. »
O castelo de Krasznahorka é outro local de terror nas montanhas da Hungria do Norte, onde repousariam os despojos de uma mulher vampiro morta há mais de duzentos anos. Há mais de cinco séculos fora propriedade da antiga família Bebek.
Istvan Bebek, antepassado da família, era um simples pastor na altura das invasões dos tártaros, pelo ano de 1241. Um dia, quando apascentava o seu rebanho na montanha de Som, encontrou certa quantidade de ouro escondido e uma pedra com um aspecto singular. Esteve para deitar tudo fora, mas logo se lembrou de que os filhos gostavam de brincar com coisas brilhantes.
Depois, em casa, apercebeu-se de que a estranha pedra brilhava de noite. Conta-se que tornou a ficar com ela dando em troca, aos filhos, qualquer brinquedo preferido, e que se servia da pedra para iluminar a casa, como se se de uma tocha se tratasse.
Um mercador que por lá passou, vendo a candeia do pastor, ofereceu por ela cem dinares. Bebek não tinha falta de dinheiro, mas, como gostaria de comprar uma vaca que lhe desse bom leite, esteve quase a fechar o negócio. Os filhos tanto se lastimaram e choraram com a ideia de se privarem da pedra mágica que Bebek rejeitou o negócio, dizendo que resolvera não a vender.
A notícia depressa se espalhou. Os proprietários dos arredores não deixavam de massacrá-lo por causa da pedra. Temendo ser morto por causa desse tesouro, resolveu levá-lo ao rei Bela IV e oferecer-lhe. Coincidiu com o momento em que os tártaros se retiravam, deixando atrás de si tudo destruído a ferro e fogo. Para o rei, este presente chegou na hora certa, era o maior diamante que este já vira, pelo que perguntou a Bebek o que queria que ele lhe desse. Prometei-me unicamente sete currais construídos nas minhas terras, Majestade.
O rei acedeu de bom grado. Bebek partiu, e com o ouro que guardara construiu sete castelos. E assim que apareceram os castelos de Torna, Esnek, Solyomk, Pelsóc, Szádvár e Krasznahorka. Os descendentes do pastor foram considerados aristocratas e fizeram de Krasznahorka residência da família... até 1575, quando Péter Andrássy ocupou o lugar de governador do castelo.
Sua mulher, a jovem Zsófia Serédy, era uma apaixonada das práticas negras. A biblioteca do castelo transbordava de obras de ocultismo e nas noites de inverno Krasznahorka recebia artistas e praticantes de magia da Hungria. Os sortilégios romenos reavivavam à luz de tochas, nas salas do andar inferior do castelo.
Zsófia Sérédy morreu de embolia durante o assalto ao castelo, feito pelo seu próprio filho Jancsi, para esmagar, terá ele dito: «esse feudo de magia negra».
Ainda hoje, numa das divisões do castelo de Krasznahorka, se encontra, deitada num caixão de vidro uma bonita senhora! É ela Zsófia Sérédy. Eis como passados duzentos anos ela dorme, sem que em pó se tenha tornado! O cadáver é exibido como fenômeno pois que se mantém como tendo morrido no dia anterior.
De tempos a tempos o vestido fica feito em pó. Voltam a vesti-la com outro fato preto. Ela, porém, continua imperecível.
É também curioso assinalar que o seu antebraço direito, imobilizado ao morrer, mantém-se um pouco elevado e com um dos dedos hirto como fazendo qualquer sinal.
Por que esse sinal? Que quereria ela dizer nos seus últimos momentos de vida? Conta-se por lá toda a espécie de coisas, mas esta é de todas a mais espantosa...
Os praticantes da velha magia turca reconhecem-se através deste sinal, ao qual Von Sebottendorf, grão-mestre da Sociedade Thule e amigo de Bram Stoker, já aludira.
O índex esticado corresponderia a fogo. Von Sebottendorf afirma que «conjugado o A –que faz nascer o elemento líquido – com I que se forma com o indicador estendido, permitirá ao discípulo ultrapassar os limites da morte, em plena consciência. Alcançar, pois, a Imortalidade! »
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
Os Crimes do Barão Brecy
Os sortilégios do vampirismo não morrem tão facilmente como se possa pensar. Ainda há poucos anos um inquérito fez deslocar certos inspetores às ruínas do castelo de Brecy de Sologne. Os velhos habitantes da aldeia de Brecy falava de um barão vampiro, rondando as ruínas e apavorando toda a região.
Não muito longe do castelo, encontrou-se o corpo de Guillemette H. com o ventre e as pernas dilaceradas como se tivesse sido desfeita com algo de metal, com o peito e os rins dilacerados, com as costelas e vértebras partidas. A garota tinha sido violada mas debatera-se ferozmente, como o provava as unhas partidas e a roupa rasgada.
Os inquiridores descobriram uma profunda marca, sobre o ombro, marca essa feita sem dúvida com a fivela de um cinturão do assassino. «Um motivo de me tal em relevo com um diâmetro de cinco centímetros que podia representar vagamente uma cabeça de animal... talvez de um leão», cita um cronista.
No chão, à volta do cadáver, nem um só vestígio do assassino.
A família acompanhou os agentes encarregados desta investigação até ao posto da polícia, onde estes consultaram enorme documentação com o fito de encontrarem improváveis culpados, maníacos ou desequilibrados sexuais.
O inquérito pouco mais além poderia ir. Um homicida misterioso viola uma mocinha, mutila-a e desaparece sem deixar vestígios.
Mas para os velhos da aldeia, os que de tudo se lembram, o assassino não andaria por muito longe, embora talvez já fora do alcance da justiça. Duas mulheres encorajando-se mutuamente, resolveram sugerir desde o começo do inquérito que se desse uma olhadela pelo prado, perto do sítio do crime, acrescentando com ares misteriosos que esse caminho cruzava o lugar do «senhor punido».
Nesse lugar – conta Claude Seignolles –, há séculos mataram e enterraram os despojos do senhor da região, homem belicoso, combatente em várias guerras, patrão severo, exigente e impiedoso para com a sua gente, como se eles fossem seus inimigos e que, forçados, acabaram por sê-lo. Um corajoso e hábil lenhador, encontrando-o adormecido junto a uma árvore num dia de imenso calor, abriu-lhe a cabeça com forte machadada. Mas, mesmo morto, o rancor continuava a viver nele, a ponto de sair do túmulo uma vez em cada século, indo procurar vingança durante algumas horas por aquelas paragens. Isto, se se der crédito aos antigos aldeões ...
O cabo da polícia dirigiu-se ao local indicado pelas mulheres como sendo o lendário sítio do túmulo. O terreno aparentava um abaixamento que o polícia observou, e esse abatimento de solo, com ervas e em forma de retângulo, podia bem ser uma cova mortuária. Logo o cabo da polícia trouxe um dos investigadores ao local da descoberta.
Mas uma vez chegados lá encontraram o chão completamente raso, o que fez espantar de tal forma o polícia que perguntava a si próprio se estaria com a cabeça a andar à volta devido à violência do crime e a começar a ver coisas onde não existiam na verdade. Rondando o solo, enterrava o pé, atraído pela curiosidade, somada a certa excitação que o relato das duas aldeãs lhe teria provocado. Fez sentir uma ressonância, justamente no sítio onde imaginara o túmulo.
Foram imediatamente requisitados dois cantoneiros para escavarem. O terreno estava macio, a pá e picareta não tardaram a fazer o trabalho e depressa apanharam um osso comprido que os homens, com as mãos, acabaram de desenterrar. Tratava-se de uma tíbia! Um osso que, de tão sólido, eles não se arriscaram a quebrá-lo! Depois seguiram-se a rótula e o fêmur de uma perna forte, em perfeito estado de conservação. Um crime descobrindo outro.
Desprendemos os membros inferiores de um longo esqueleto antigo... depois, subindo um pouco, uma espessa bacia, as mãos grandes e abertas com falanges de tamanho impressionante. Um dos utensílios com que se escavava bateu numa coisa de metal que com cuidado raspamos. Era o plastrão de uma armadura de bronze, que tinha ao meio, em relevo, o brasão da pessoa a quem pertencera, um leão apoiado nas patas traseiras. A moça violada fora atingida por um objeto metálico com o mesmo motivo do brasão do barão de Brecy, adepto de ciências demoníacas, excomungado pela Igreja sete séculos depois...
Como se vê, muitos destes senhores «vampiros» partidários da necromancia tinham sido excomungados pela Igreja. A excomunhão era a prova de que eles pertenciam às legiões da noite. Eram temidos e nenhuma terra abençoada aceitaria os seus despojos ainda que, em Paris, se tivesse construído especialmente um cemitério para todos os rejeitados pela Igreja, fossem eles adeptos do diabo, fervorosos praticantes da magia negra. No começo do século passado, este cemitério abandonado servia de templo fúnebre a todos os mágicos de magia negra, patrícios do vampirismo ou de outros deuses infernais. Uma verdadeira aldeia vampiresca na Rua de Flandres, em plena Paris.
René Schwablé, aderente também às ciências ocultas, descreve este diabólico cemitério em Chez Satanaz, obra que surgiu em 1913.
«Encontrareis no 44 da Rua de Flandres uma grande e velha construção com dois portões largos, abertos para um pátio enorme, circundado por cavalariças e abrigos. Entrai através de um corredor úmido, escuro, até encontrar uma porta pesada cuja fechadura ferrugenta precisa de ser arrombada a murro. Por detrás desta velha porta existe uma pequena floresta virgem, entre dois muros altos com fendas. Encontram-se aí mais ou menos vinte e cinco túmulos dos quais dois ou três estão em bom estado ainda, mas os outros completamente escavacados. Cruel, a vegetação levantou as campas, impeliu as lajes, partindo as pedras, revolveu os caixões. No tempo de Luís XIV eram aí enterrados os hereges, uma vez que não podiam ser inumados em necrópoles públicas.
Os locais de vampirismo e de práticas negras passam despercebidos ao profano. Contudo, basta empurrar uma porta oscilante, saltar um muro de alguma ruína, descobrir um cemitério abandonado, para que a lenda desperte do seu mundo de cinzas, vista os seus fatos de terror e desça às ruas do nosso bom velho século XX.
Os lugares malditos são a morada das perseguições fantásticas. A pedra reteve em si todos os dramas, todos os terrores. A vegetação está doente, a pedra está carcomida pela lepra e uma impressão de mal-estar salta aos olhos como veneno.
O exorcismo romano pode santificar a pedra e dissipar os miasmas da noite. Depende tudo espiritual do exorcista. Pode ficar extenuado do seu combate, naufragar na sua loucura. Para afrontar maldições é necessário a virtude e a correção luminosa dos ascetas plenos de Espírito.
Nenhum exorcista orou sobre as ruínas do castelo de Brecy. Aí se mantém, portanto, toda a sua carga maléfica.
Os monges do Oriente opunham o sangue do mártir ao sangue dos sacrificados da magia. Então o panorama maldito transfigurava-se como aconteceu com o frade Thalélaios, monge sírio, que, retirando-se para o deserto, combateu todas as noites homens e mulheres vampiros que interceptavam as suas orações e reclamavam-lhe o sangue. Pela força da sua oração tudo se transfigurava: é por isso que esta terra que estava noutros tempos submissa à impiedade e aos demônios, renunciou ao seu erro ancestral para enfim acolher o clarão da luz divina. Servindo-se das suas mãos ele fez cair por terra os templos dos demônios e edificou um santuário aos vitoriosos mártires opondo aos falsos deuses os corpos divinos.
Sangue por sangue. Os ascetas sabem que a carne é insensível, lenta e pesada, como a sepultura. É o Espírito que ilumina que transfigura e rouba à morte.
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
A Transformação em Lobo
Nas crenças e lendas do vampirismo, o morto-vivo não tem apenas o poder de se transformar em morcego. À noite, quando ele sai do túmulo, torna-se lobo... como se à floresta, às montanhas, aos ermos que rodeiam o seu domínio apenas fosse adequada essa forma flexível, também ela feita para a astúcia, essa forma que mata.
Mas o uivo de lobo (que sendo dado pelos cães chamamos vulgarmente o uivo da morte) não é somente um uivar animal. É o instinto, a resposta, assim que o lobo se apercebe do poder oculto e magnético da Lua. O vampiro-lobo – dizem as lendas – uiva à Lua.
Ele cumpre um tipo de cerimonial gelado. O vampiro que tem o poder de ficar com o aspecto de lobo não é somente um amante da licantropia. Não é um monstro isolado, perdido na noite e entregue à sua forma animal. Ele contém todos os instintos secretos do animal, todos as suas forças... e mesmo para além disso (padres ortodoxos houve que lhe deram certo crédito). Uma vez que ele tem a faculdade de liderar entre os lobos e os morcegos, o reino animal reconhece nele, por instinto, a energia oculta que lhe vem de antes da morte.
A lenda não esqueceu o peculiar poder do vampiro quando fala nos cães uivando à volta de sepulcros e de animais meios enlouquecidos pela presença do morto-vivo. O animal reage primeiro que o homem, porque compreende antes deste o que representa um vampiro. «Quando ele apareceu de repente ao pé de mim», escreve Stoker no Drácula, «eu direi ter ouvido apenas a sua voz elevar-se e tomar um tom de profunda autoridade. Vi-o então a meio da rua. Estendia os longos braços como que para empurrar um muro invisível. Os lobos deixaram de uivar e recuaram lentamente. Nesse momento a Lua foi coberta por uma nuvem e de novo ficamos envoltos em profunda escuridão. » E acrescenta mais à frente: «E, contudo, pondo-me à escuta, ouvi lá muito longe, no vale, mais lobos uivar. Os olhos do conde brilhavam e exclamou: ‘Escutai-os, são as criaturinhas da noite, e que música eles fazem! ...’»
Homem-morcego, homem-lobo, o morto-vivo tem imensos poderes para se transformar; mas o mais estranho é aquele que lhe permite desmaterializar-se quase totalmente, tomando a forma etérea de um raio de lua ou de um simples pirilampo.
Este fenômeno é dos mais complexos. Trata-se de um ponto de energia minúsculo, de uma intensidade incrível. Um pouco como certos pontos negros do tamanho de uma cabeça de alfinete e que aspiram tudo o que os rodeia nos espaços intersiderais.
É o poder final do vampiro. Assim, o vampiro não possui apenas um corpo, mas vários. É, pois, impossível dar-lhe um único nome, ou atribuir-lhe um só aspecto.
Quem é o príncipe Drácula? Um fantasma de forma imprecisa, toda feita dessa «coisa» a que se chama vampiro, à falta de outros nomes que se lhe deem. Mais que um corpo ou uma forma, ele é um conjunto de energias vivas, larvar, que uma vontade forte prolonga além morte.
Hoje em dia, dificilmente se aceita que um ser possa existir para além do túmulo, possuindo o poder de se transformar em lobo, em morcego ou em pirilampo. A superstição tomou conta desta terrífica criatura. Um Barba-Azul da noite, um monstro bebedor de sangue. Seja onde for, ele encarna para nós o medo... o medo da morte.
Nas tradições do mundo da magia, afirma-se que o poder do vampiro depende unicamente da sua vontade. Mas essa vontade nada tem a ver com as vontades humanas, pois ela não habita um corpo vivo. A superstição diz que os vampiros apenas saem em noites de Lua cheia, como se a sua atividade noturna dependesse essencialmente daquele astro.
Tratamos de voltar atrás, às antigas civilizações, para compreender bem a importância do seu culto dedicado à deusa Istar que, como Hécate, representa o aspecto mágico da Lua.
Sobre uma tábua da Caldeia, conservada no Museu Britânico, pode ver-se o traçado da epopéia mitológica. Relata-se aí a descida de Istar ao país dos mortos.
Chegada às portas da morada infernal, chama e pede sob ameaça: «Abre a tua porta senão saltarei a vedação, galgarei os montantes e farei que os mortos se ergam para devorar os vivos, e que venham a exercer sobre estes o seu poder. »
Para os mágicos de Nínive, Istar reina entre os mortos-vivos, isto é, sobre os que venceram a morte. Tal como a todos os que a veneravam como toda poderosa, assegurava viverem sempre na morte.
Depressa as crenças populares afirmaram que os defuntos podiam vencer o túmulo se tivessem desejo de sangue de um vivo. Do mesmo modo que, na mitologia grega, Eurípides representa Aquiles numa armadura dourada, em pé sobre o túmulo, bebendo sangue de uma virgem sacrificada em sua glória.
Mais lamentáveis parecem ser esse tipo de vampiros, mulheres feiticeiras da Roma antiga que tinham a faculdade de se transformar em aves de rapina para vir saborear sangue humano. «Vistas durante a noite atravessando os céus, e sem que nem as portas ou fechaduras as detivessem, iam estrangular as crianças e devorar-lhes o fígado. »
Os partidários do culto da magia mergulham no fascínio do sangue porque se sentem vulneráveis, ameaçados como todas as formas de vida terrestre. O batismo do sangue para o vampiro é ao mesmo tempo blasfêmia e perversão. Deve agir como armadura e protegê-lo contra a morte.
E como uma imitação do batismo de luz, do sacramento do Espírito Santo, ligação indissolúvel entre Deus e o homem. «Revesti-vos de Cristo», clama S. Paulo aos Romanos.
A imagem do túmulo ilumina-se de outra forma. A luz é vertical, cai como um projetor potente e elimina todas as obscuridades.
Segundo os evangelistas, Cristo visitou os mortos: «Também aos mortos foi anunciada a Boa Nova, a fim de que, julgados segundo os homens na carne, eles vivam segundo Deus no espírito. »
O vampiro nega a ressurreição. Ela pretende pegar a morte com o seu próprio punho, com a ajuda do seu querer pretende escavar a sua cova no inferno e aí fazer a sua morada, sem o auxílio de Deus.
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
A Invenção do Drácula
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Capa de uma das primeiras edições do romance "Drácula"(1901) de Bram Stoker. |
Se havia vampiros em todo o mundo, na Europa Oriental eles saíam pelo ladrão. Na região onde hoje está a Romênia, cada tipo de transgressão moral correspondia a um tipo de sanguessuga diferente. O nosferatu, por exemplo, era uma criança natimorta não batizada que, enterrada, voltava à vida, transformando-se em gato, escaravelho ou até fio de palha.
O murony, comum na Valáquia (reino de Vlad Drakul, que inspirou o mais famoso dos vampiros ficcionais), nascia da relação ilegítima de dois filhos ilegítimos. Morto, se metamorfoseava em rã, piolho ou aranha. Um bastardo morto pela mãe depois do parto, e enterrado sem batismo, se transformava em moroiu – uma moita ardente de 2 metros de altura. Os assassinos e os sacrílegos tinham outro destino funesto. Tornavam-se strigoi, seres de aspecto horrendo: altos, corpulentos, olhos vermelhos, unhas iguais a foices e caudas peludas. Ao saírem do túmulo, de dia ou à noite (poucas lendas vampirescas mencionam a aversão ao Sol), levavam a peste aos rebanhos.
Os ucranianos, russos e bielo-russos conheciam o mjertovjec, “o morto que anda” – castigo dos ladrões, estelionatários, bruxas e homossexuais. Seus ossos faziam barulho, aterrorizando os vivos. Quando se abria sua tumba, reconhecia-se facilmente a sua natureza, pois estava deitado de bruços. Era desprovido de nariz, e seu lábio inferior era fendido.
A profusão de nomes era tamanha que é impossível contabilizar o número exato de tipos de vampiros. Um site chamado Shroudeater (“comedor de mortalha”, em inglês) listou mais de 700, mas reconhece que a lista está incompleta.
Surtos de vampirismo eram relativamente comuns. O caso mais bem documentado ocorreu na cidade sérvia de Medvegia, em 1732. Tudo começou porque um arquiduque, Arnold Paole, suposto vampiro, matou 15 pessoas. Pelo menos 7 delas viraram sanguessugas.
Como se sabia quem era ou não vampiro? Simples. Abrindo o caixão. Lá dentro, o rosto do suspeito vampiro era encontrado bem corado. Seu corpo não apodrecia. Às vezes, seus olhos e membros tinham movimentos. A exumação de túmulos em casos de suspeita de vampirismo se tornou tão comum que o papa Bonifácio 8º, em 1302, promulgou uma lei contra “esse hábito detestável”.
Por fim, em 1755, a imperatriz austro-húngara Maria Tereza proibiu a “execução” de cadáveres nos seus domínios (que compreendiam a Transilvânia e outros “picos” muito frequentados pelos mortos vivos). Isso não impediu que o povo continuasse, por baixo dos panos, apelando para a decapitação e mutilação dos corpos suspeitos.
Esses fenômenos acabaram rendendo pano pra manga aos escritores. Em 1486, na França, surgia um manual da Inquisição que entre outras coisas detalhava a ação de vampiros: O Martelo das Feiticeiras, dos inquisidores Jacques Sprenger e Henry Institoris.
O termo “vampiro” (do sérvio vampir), no entanto, só surgiu em língua ocidental no século 18. Até então, os europeus do oeste não os distinguiam claramente dos fantasmas. Foi o suficiente para que houvesse uma enxurrada de novelas, peças e óperas sobre vampirismo. Byron, Baudelaire e Alexandre Dumas trataram do assunto.
O mito moderno, porém, foi sedimentando por Drácula, do irlandês Bram Stoker, de 1901. Na história, o vampirólogo Abraham van Helsing explica tudo o que se deve saber sobre vampiros: a nutrição pelo sangue alheio, a metamorfose em rato, morcego ou outro animal, a morte pela estaca ou pela decapitação.
Stoker, contudo, não deixou de fazer as suas inovações. A maior delas, associar o conde à figura histórica real de Vlad 3º, o Empalador (1431-1476), herói nacional romeno. Misto de tirano e brilhante estrategista, ele conteve o avanço otomano no seu principado da Valáquia, ao sul da Romênia atual, com expedientes brutais, como a empalação de inimigos e traidores.
Drácula, em romeno, quer dizer “filho do dragão”. Era um título honorífico. Vlad pertencia à Ordem do Dragão, um grupo de cavaleiros empenhados na defesa das fronteiras cristãs contra a ameaça turca. O nome nada tinha de maligno ou diabólico. “É como se um romeno escrevesse uma história em que George Washington bebesse sangue humano”, afirma o escritor romeno Andrei Cedrescu.
Texto de Álvaro Oppermann
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