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sexta-feira, 4 de março de 2016

Demônios, Possessão e Exorcismo

Clérigo exorcizando o espírito do mal. Gravura de C. Penoso (1878).

No outro lado do lago, na terra dos gadarenos, dois possessos de demônios saíram de um cemitério e vieram-lhe ao encontro. Eram tão furiosos que pessoa alguma ousava passar por ali. Eis que se puseram a gritar: "Que tens a ver conosco, Filho de Deus? Vieste aqui para nos atormentar antes do tempo?" Havia, não longe dali uma grande vara de porcos pastando. Os demônios imploraram a Jesus: "Se nos expulsar, envia-nos para aquela vara de porcos." "Ide!", disse-lhes. Eles saíram e entraram nos porcos. Neste instante toda a vara se precipitou pelo declive escarpado para o lago, e morreu nas águas. Os guardas fugiram e foram contar na cidade o que se passara e o sucedido com os endemoninhados.

Definição: Um demônio é um ser sobrenatural maléfico; a possessão ocorre quando um ser humano é tomado por um demônio; o exorcismo é o ritual religioso empregado para expulsar o demônio de uma pessoa possuída.

O que os crentes dizem: Os demônios são reais, e são uma legião. Eles são uma espécie sobrenatural de seres puramente maléficos que podem possuir os homens e destruí-los. Algumas vezes o exorcismo funciona para expulsá-los.

O que os céticos dizem: Demônios não existem. Os seres humanos sem dúvida são capazes de atos "demoníacos", mas a noção de que demônios, anjos caídos e espíritos malignos percorrem a Terra e possuem as pessoas é ridícula. Isso nada mais é do que uma superstição ignorante e uma relutância em colocar a culpa pelo mal em seu devido lugar: nos humanos criminosos.

Qualidade das provas existentes: Moderada.

Probabilidade de o fenômeno ser paranormal: Moderada a Boa.

Poucas horas após o colapso das torres do "World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, começaram a circular fotos na internet mostrando um rosto enorme, claramente demoníaco, emergindo da fumaça e das chamas. Muitos dos religiosos declararam ser Satanás (ou um de seus lacaios) comprazendo-se no caos e sofrimento; os agnósticos e os ateus acharam que as pessoas estavam simplesmente vendo algo na forma da fumaça e das chamas. Foram feitas várias descrições da imagem, mas acreditar que isso era apenas um truque de luz e sombra ou uma verdadeira manifestação demoníaca dependia somente do sistema de crenças da pessoa. Havia um rosto em meio ao fogo. Isso é indiscutível. Sua gênese já é mais problemática.

A Igreja Católica afirma que o Diabo com certeza é real, que os demônios que o servem são reais e que ou Satanás ou algum de seus lacaios pode possuir os seres humanos e coagi-los a dizer ou fazer todo tipo de coisas maléficas.

Quando uma pessoa está possuída, algumas vezes é realizado um exorcismo. Trata-se de um ritual católico oficial no qual um padre conjura os poderes de Deus a fim de expulsar o demônio do corpo do possuído.

Os mais pios entre os devotos não são imunes à possessão demoníaca. Na verdade, eles muitas vezes parecem ser os alvos prediletos de Satanás. Segundo relatos, em 1997, um padre em Calcutá, atuando sob ordens diretas do arcebispo, realizou um exorcismo em ninguém menos do que a Madre Teresa. Por quê? Porque a santa freira acreditava do fundo do coração que estava sendo atacada pelo Diabo.

De acordo com um pesquisador medieval citado na Enciclopédia do ocultismo, existem vários sinais que revelam se uma pessoa está ou não possuída por um demônio, entre eles, vomitar objetos, fazer um pacto com o Diabo, abraçar o mal, ser extremamente violento, fazer barulhos e sons do outro mundo e blasfemar contra Deus ou Jesus.

O pesquisador medieval também disse que viver sozinho, ser feio, imaginar-se possuído, possuir doenças crônicas e estar cansado de viver também se qualificavam, e aí está o problema com a suspeita de possessão demoníaca.

As doenças mentais são, em geral, as culpadas por comportamentos "demoníacos", e é por isso que a Igreja Católica sempre envia as pessoas, com medo de elas ou seus entes queridos estarem possuídos, a um psiquiatra, antes de discutir a possibilidade de um exorcismo.

Quando analisamos as histórias de monstros humanos como Hitler, Hussein, Stalin e Pol Pot (para não mencionar os Jeffrey Dahmer e Timothy McVeigh do nosso mundo), e de outros da mesma laia, é difícil imaginar que eles se comportaram segundo seus próprios preceitos humanos. É muito fácil imaginá-los possuídos por algum demônio malevolente que os guiou no decorrer de suas vidas abomináveis. Ainda assim, é provável que os demônios da história fossem humanos demais.

Isso quer dizer que todo o mal cometido e encorajado por eles não teria sido "inspirado" por algum poder acima de nosso plano de existência? A resposta a essa questão depende de a pessoa acreditar ou não na existência do mal verdadeiro como uma entidade, como um poder que pode "infectar" os seres humanos.

Quem sabe? Se alguém como a Madre Teresa acreditava estar sob ataque de uma força demoníaca, quem pode dizer que o resto de nós está imune? 


Fonte: Os 100 Maiores Mistérios do Mundo - Stephen J. Spugnesi - Difel 2004.

domingo, 4 de outubro de 2015

O Mosteiro de Satanás


1952, quinta feira, dia 23 de dezembro. Leonel sai de casa para passar o natal com a família no Rio de Janeiro. Nas estradas mineiras chovia como ele nunca tinha visto antes. Sozinho no carro Leonel sentiu um calafrio como se estivesse prestes a morrer. Na mesma hora ele parou o carro. Começou a sentir febre e a suar frio. Na estrada não passava um veículo e a chuva tinha apertado mais.

Quase cego com a tempestade Leonel avista uma luminosidade não muito longe dali. Caminhando com dificuldade o pobre homem chega até o portão do que parecia ser um mosteiro franciscano. Ele bate na porta e grita por ajuda mas desmaia antes dela chegar.

Leonel acorda com muita dor de cabeça em um quarto escuro. Ele estava deitado numa cama simples e pela janela podia ver que a chuva não havia reduzido. Quando tentou levantar-se da cama a porta se abre e um homem alto vestido de monge entra no quarto.

"Você deve deixar o mosteiro imediatamente", falou, com uma voz preocupada. "Estou doente, não podem me mandar embora deste jeito, por favor deixe-me ficar.", agonizou Leonel quase chorando.

O monge não disse mais nada e se retirou do recinto. Preocupado em ter que ir embora Leonel se levanta e sai do quarto sorrateiramente. O lugar mais parecia um calabouço medieval. O coitado não sabia o que fazer. Por instinto Leonel  desce as escadas da masmorra.

Uma voz o chama. Ela vem de uma cela, a porta está trancada e pela pequena grade um homem magro de cavanhaque conversa com Leonel. "Amigo, você precisa me ajudar. Esses monges me prenderam aqui e me torturam quase diariamente. E eles farão isso com você também se não fugirmos logo. Por fa...". Antes do sujeito concluir o monge alto grita com Leonel. "Saia daí!!!" agarrando-o pelo braço o monge arrasta o enfermo rapaz escada acima. O pobre Leonel não tinha forças para reagir e foi levado facilmente.

Já em uma sala gigantesca repleta de monges Leonel se vê como um réu sendo julgado. O franciscano que parecia o líder falou. "Rapaz, você deve ir embora imediatamente. Foi um erro nosso tê-lo deixado entrar aqui. Sabemos do seu estado de saúde mas não podemos deixá-lo ficar". Leonel mal ouviu o homem e desmaiou novamente. O infeliz viajante acorda mais uma vez na masmorra.

A porta do quarto estava aberta e Leonel sai a procura do homem que estava preso no andar de baixo. Sem vigília, ele consegue chegar até a cela do magrelo. Mal se aproxima e Leonel é surpreendido com o sujeito na pequena grade já pedindo ajuda. “Por favor, me tire daqui. Eles vão nos torturar, eles são de uma seita maligna. São adoradores de Satanás.” Tremendo como uma vara verde em dia de chuva, Leonel corre até um pequeno depósito em busca de uma ferramenta capaz de abrir a cela. Minutos depois ele retorna com um imenso pé de cabra.

Com um pouco de esforço a porta é arrombada. O sujeito magro sai correndo da cela e rindo como se uma piada hilária tivesse acabada de ter sido contada. Sem saber do que se tratava, Leonel corre também, mas dá de cara com um monge de quase dois metros de altura. “ O que você acaba de fazer, maldito?!” Rugiu o franciscano. “Me solte! Me solte seu filho de Satanás!” Gritava Leonel tentando se soltar do agarrão  do monge.

Com um olhar de temor e raiva o homem alto encara o pobre Leonel... “Você não sabe o que fez... sua vida está condenada agora. Você acaba de libertar o próprio Satanás. E ele fará de você o seu servo predileto. Sua alma será dele”. Logo após o monge ter terminado de falar Leonel dá um grito de pavor... seu último grito de pavor.

Naquele instante o pobre e inocente viajante acaba de ter um fulminante ataque cardíaco que levou sua alma literalmente para  os quintos dos Infernos, ao lado do, agora, seu eterno mestre, Satanás.

Conto de Everson Daniel Da Costa


Fonte: "Paisagens Noturnas" - Everson Daniel Da Costa.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Jeannette Abadie


O folclore descreve  Jeannette Abadie como uma feiticeira francesa que viveu no povoado de Sibourne, na Gasconha francesa. Enquanto ela dormia, um demônio a carregou para um sabbath (reunião de feiticeiras), e quando ela se acordou achou-se cercada por numerosa companhia. 

Ela notou que o chefe dos demônios, como o deus romano Janus, possuía duas faces. Jeanette salvou-se da fogueira após confessar tudo que lhe havia acontecido e renunciar a feitiçaria.

Conta a história que a jovem menina foi supostamente atraída para a bruxaria e foi uma das principais testemunhas sobre a suposta práticas dos Sabbath. Essa historia está na narrativa da Pierre de Lancre, um conselheiro real do Bordeaux, que fez um estudo exaustivo sobre bruxaria, depois de sua história, tornou-se nomeado em 1609 para uma comissão para julgar pessoas acusadas de bruxaria.

Jeanette alegou ter sido abordado por uma mulher chamada Gratianne e levada para Sabbath das bruxas, presidida pelo próprio Diabo. Em contrapartida, Gratianne tinha recebido um punhado de ouro. Jeanette disse que o diabo assumiu a forma de um medonho homem de pele negra com seis ou oito chifres na cabeça, uma cauda grande, e duas caras, uma na frente e um atrás, semelhante à representação do deus romano Janus.

 Em seu primeiro sábado, ela era obrigada a renunciar a Deus, a Virgem Maria, seu batismo, a família, o céu, a terra, e todas as coisas mundanas, e também foi obrigada a beijar o diabo nas nádega. A todo o momento que fora atraida para o Sabbath, ela teve que repetir as renúncias, isso muitas vezes.

- "Também tive que beijar as nádegas do Diabo, e freqüentemente também o rosto, o umbigo e o pênis" - disse ela.

Jeanette afirmava que também havia crianças (filhos de bruxas) fazendo parte dessas cerimônias.

Fontes: Dicionário Mágico; Scientia Magus.

Abigor

Illustração de Collin de Plancy de Abigor, do Dictionnaire Infernal.

Demônio que comandava sessenta legiões infernais. Aparece como um famoso cavaleiro cavalgando um cavalo alado. Abigor conhece o futuro e todos os segredos da guerra.

Abigor (também Eligos ou Eligor) foi um mítico feiticeiro ou necromante, considerado pelos antigos como gênio infernal, uma espécie de “Demônio da Guerra”, e um comandante dos exércitos de Satanás.

Também é considerado um deus da honra e da glória, diz que na batalha do Juízo Final ele irá derrubar muitos anjos antes de cair diante do arcanjo Miguel.

É tido como detentor do todo o conhecimento da arte da guerra e de todas as guerras do passado, do presente e do futuro.

A história diz que Abigor voltará para a terra na forma de um jovem de beleza encantadora e única, não como ser possuído, mas fazendo parte do corpo e da alma, será temido e odiado, amado e desprezado, terá o dom da escrita e da fala, um corpo e um poder de sedução, seus olhos na lua cheia serão como tochas acesas ao luar, saberá convencer melhor que qualquer um e será conhecido como "Lex", o senhor da justiça.

Fontes: Wikipédia; Dicionário Mágico.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Lendas do diabo

O diabo é o herói de mil tropelias no sertão. Aparece com o aspecto tradicional que lhe deu o catolicismo: chifres, olhos de fogo e pés de pato ou de bode. Também pode surgir como um grande cachorro, um bode, um gato ou um porco negro. Tem muitos apelidos, porque não se deve nunca dizer seu verdadeiro nome, a fim de o não atrair: Cão, Debo, Moleque, Fute, Pé-de-pato, Futrico, Figura, Bode Preto, Porco-Sujo, Sujo, Capa-Verde, Capinha, Gato Preto, Malmo, Sapucaio, Pedro Botelho, Bicho Preto, Rapaz, Tinhoso, Capiroto, Droga, Capeta, Coxo, Maioral, Ele.

Geralmente, o demônio sertanejo, como o de todos os povos, é criado à sua imagem e semelhança. Anda, por isso, encourado como os vaqueiros, monta a cavalo, é especialista em velhacadas de cigano e alquilador, gosta de cachaça, come picadinho de bode com gerimum, dança nos sambas, campeia o gado, faz a corte às moças, e desaparece sempre com um estouro e um fedor terrível de enxofre ou de chifre queimado. Às vezes, se apresenta como um cantor de desafio a quem ninguém vence. De outras, se encarna no couro dos cantadores célebres, ou faz pactos com eles, tornando-os invencíveis. O cantador Manuel do O Bernardo, não podendo vencer num desafio célebre seu rival Rio-Preto, gritou no meio da sala onde se achavam, rodeados de muita gente:

Senhora dona da casa,
Abra a porta, acenda a luz:
Estamos c’o Cão em casa,
Rezemos o credo em cruz!

Outro famoso cantador, Manuel das Cabeceiras, afirmava ter cantado desafio uma vez com o demônio em figura de moleque.

Corre pelo sertão uma versalhada sobre a disputa do diabo com São Miguel a propósito da alma de certo ricaço inimigo dos pobres, que estava sendo julgada no outro mundo. Quando o arcanjo começou a pesar as boas e más obras do morto na sua balança, este pediu a intercessão em seu favor de Nossa Senhora, da qual fora sempre devoto. Satanás esperava com prazer apoderar-se da alma do infeliz. Nossa Senhora, porém, movida da piedade de seu amantíssimo coração, conseguiu salvá-la. Ao avistá-lo, o Fute falou assim:

Lá vem a compadecida!
Mulher com tudo se importa!
Todos fazem seus negócios,
Mas a mim fecham a porta.
No fim de todas as coisas,
Eu é que levo a taboca!

Não foi possível obter os outros versos do poemeto sobre esse milagre da Virgem Mãe.

O suplício mais terrível que existe no inferno para aqueles que cometem impurezas nesta vida é, no dizer dos matutos, o chamado da cama do compadre com a comadre. A decência não permite se faça sua descrição. Para mostrar quanto é terrível, basta a seguinte lenda sertaneja:

Um dia, o diabo coxo revoltou-se contra o maioral do inferno e pintou o sete lá dentro. Quebrou os móveis e deu pancada a torto e a direito. Todos os demônios o cercaram armados de espetos em brasa. Continuou a lutar. O maioral ameaçou-o se não se rendesse, de passá-lo pelas moendas onde se supliciam as almas mais pecadoras. Soltou uma gargalhada. Ameaçou-o com a grande caldeira de azeite fervente. Tornou a zombar. Ameaçou-o com a cama do. compadre com a comadre. O diabo coxo empalideceu, pôs-se a tremer e entregou-se, pedindo perdão.

Na opinião sertaneja, o demônio tem horror aos meninos, porque já o fizeram perder duas vasas. A primeira, numa igreja. Todo vestido de preto, debo estava tomando nota de quem se portava mal durante a missa, quando um menino puxou a saia da mãe.

- Que é isso, menino? disse ela.

- Mamãe, olhe ali aquele homem! Ele tem os pés de pato!

A mulher voltou-se, viu e fez o sinal da cruz. O bicho estourou, fedendo.

A segunda foi numa festa. O diabo, que andava apaixonado por uma moça muito bonita, compareceu a um baile em casa do pai dela, bem vestido e bonito, mas sem poder esconder os pés de pato. Quando mais aceso ia o seu namoro, um menino gritou no meio da sala:

- Aquele homem tem os pés de pato!

Houve grande reboliço. A moça fez o sinal da cruz. Ouviu-se logo o estouro e sentiu-se a fedentina de chifre queimado.

No sertão, o diabo faz pactos ou pautas, como dizem os nordestinos, com indivíduos que o logram a maior parte das vezes. Para mútua segurança nesses contratos, quase sempre realizados alta noite, numa encruzilhada deserta, o homem deve dar ao Maligno em caução alguma gotas de seu sangue.

Conta-se que um fazendeiro fez com o Capeta o seguinte acordo: Este faria tudo quanto aquele mandasse e somente o poderia levar para o inferno, quando tivesse esgotado suas ordens. É quase a condição imposta pelo demônio aos desejos do doutor, no Segundo Fausto de Goethe.

O homem fez o que bem quis com o auxílio do diabo até que um dia já não sabia mais o que ordenar. Ia ser carregado para o inferno, quando lhe ocorreu um ardil salvador: mandou o Tinhoso encher um cesto de água e ele, desesperado, estourou e foi-se.

Tendo morrido numa cidade sertaneja um homem, cuja riqueza era de origem duvidosa, verificou-se que a tinha obtido com um pacto infernal, pois que, no dia do enterro, quando todos os parentes e amigos enchiam a casa do defunto vestidos de preto, nela entrou um vaqueiro alto e moreno, todo encourado, que, sem tirar da cabeça, com escândalo dos presentes, o seu chapeu de couro, deu em silêncio algumas voltas em torno do esquife e foi embora. Quando se abriu o caixão, antes de ser levado para o cemitério, a fim da viúva se despedir de seu marido, verificou-se que estava vazio. O demônio levara o morto em corpo e alma!

Conta, afinal, o sertanejo que o diabo é casado e tem uma filha muito bonita. Por ela se apaixonou um rapaz de grande virtude e valor. Seu anjo da guarda não conseguiu afastá-lo de tão perigosa paixão. A moça não foi indiferente a esse amor, mandou-lhe recados carinhosos, e até falou ao pai em abandonar o inferno e ir morar na fazenda do namorado. O diabo enraiveceu-se com esses desejos e, para evitar que os realizasse, trancafiou-a a sete chaves numa torre de ferro, ao meio de seu reino.

Ao saber disso, o rapaz montou no seu cavalo de campo castanho escuro, fechado ou, melhor, cacete, sem sinal descoberto nem encoberto de espécie alguma, o animal de maior fama da ribeira, e dirigiu-se ao inferno, decidido a tudo. Chegou lá na hora em que os diabos dormiam, abriu as portas da torre com chaves falsas, pôs a moça na garupa e fugiu a todo galope.

Quando acordou e soube, pela mulher, do audacioso rapto, o diabo teve violentíssimo acesso de fúria. Depois, mandou selar um de seus melhores cavalos e lançou-se em perseguição dos fugitivos. A moça, que ia sentada à garupa do namorado e podia voltar-se para trás, avistou ao longe o vulto do pai. Preveniu-o e ele esporeou a cavalgadura, perguntando:

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num gáseo.

Ele respondeu, rindo:

- Cavalo gáseo-sarará não presta nem prestará.

As rimas dos rifões sobre os pêlos dos cavalos são simples meios mnemônicos para não esquecê-los. O cavalo gáseo-sarará é o albino, o ruço ou branco de pele rósea. Chama-se comumente só gáseo. Sarará se diz do indivíduo rusalgar. A combinação dos dois termos dá mais força à idéia da cor do animal.

Sentindo escapar-lhe a cobiçada presa, o demônio muda de cavalo e a moça previne ao rapaz, que indaga:

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num alazão.

- Trazes o freio na mão, onde deixaste teu alazão?

Seguem-se contínuas mudanças, sempre acompanhadas da pergunta - em que cavalo vem teu pai? - e de respostas que indicam as qualidades ou defeitos atribuídos às cores dos animais.

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num bebe-em-branco.

- Quem monta em bebe-em-branco, monta em cavalo manco.

O bebe-em-branco é o cavalo escuro de narinas e queixo brancos.

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num cardão rodado.

- Cavalo cardão rodado melhor andando que parado...

O cardão rodado é o tordilho escuro com manchas apatacadas que o francês chama grís pommelé.

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num cardão pedrez.

- Cavalo cardão pedrez para carga Deus o fez.

O cardão pedrez é o tordilho pintadinho.

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num ruço-pombo.

- Cavalo ruço-pombo traz pisadura no lombo.

- Em que cavalo vem teu pai?

- Num melado-caxito.

- Cavalo melado-caxito tanto é bom como é bonito.

O melado-caxito é o baio dourado de crinas e canos pretos.

A excelência do animal não adiantava mais nada ao demônio, porque os dois amantes chegavam à face da terra e se refugiavam numa igreja, onde casaram. O diabo voltou ao seu reino, aborrecido e fatigado. Ao entrar em casa, sua mulher indagou:

- Alcançou-os?

- Não. Foi impossível!

- Por que?

- Porque montavam um cavalo castanho escuro que pisa no mole e no duro, e leva o dono seguro.

O sertanejo aproveita essa lenda dum Orfeu bárbaro para enumerar seus conceitos sobre as cores dos cavalos, desmentindo o velho aforismo dos maquignons de França; à tout poil bonne bête. Mas, em todos os pêlos, mesmo nos mais desacreditados, há exceções. Essa a verdade.

De todas as lendas sobre o diabo que correm pelos sertões do Nordeste brasileiro parece que esta é a mais peculiar, a mais característica.

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Gustavo Barroso (Gustavo Dodt Barroso), historiador e folclorista, nasceu em Fortaleza, CE, em 29/12/1888, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3/12/1959. Publicou, entre outras obras, Terra de sol, Rio de Janeiro, 1912; Heróis e bandidos, Rio de Janeiro, 1917; Casa de marimbondos, São Paulo, 1921; Ao som da viola, Rio de Janeiro, 1921 (2 ed. aumentada, Rio de Janeiro, 1949); O sertão e o mundo, Rio de Janeiro, 1923; Através dos folclores, São Paulo, 1927; Almas de lama e de aço, São Paulo, 1930; Mythes, contes et légendes des indiens, Paris, 1930; Aquém da Atlântida, São Paulo, 1931; As colunas do templo, Rio de Janeiro, 1932.

Fonte: Jangada Brasil - (Barroso, Gustavo. Ao som da viola, p.574-579)

O diabo no folclore do Nordeste

O número de agosto de Brasil Açucareiro foi uma edição quase exclusivamente sobre o folclore do nordeste. Daí a oportunidade de relembrarmos velhas lendas sobre o diabo, ao tempo em que muito se acreditava nas artimanhas do maligno.

São totalmente esquecidas, pois remontam ao tempo do Recife de fora de portas, expressão tão velha e quase desconhecida que preciso explicar aos que não encontram o seu sentido imediato. Relembra ela o tempo das portas nas cidades e das populações que viviam fora delas.

Ou seja: aquilo mesmo que ainda acontece hoje, sem a existência das portas, com as classes mais bem afortunadas morando no centro da cidade e as mais desafortunadas, na periferia, no sertão ou outro nome qualquer que lhe queiram dar.

Nesta primeira lenda sobre o diabo em Pernambuco, ou melhor, no Recife, relato apenas o que ouvi na minha infância, época de vida farta e fácil, em que havia tempo para se cuidar muito da moral e da religião. Era o diabo empregado para efeitos moralistas, às vezes até mesmo sob fórmulas grosseiras. Nesta lenda simplificada, o veremos assim.

 A irmã do padre

Certo padre, recentemente formado, lutou e conseguiu sua nomeação para uma paróquia distante. Tendo como família apenas uma irmã solteira, esta se exasperou tanto com a possível mudança para o longínquo interior do estado que, às vésperas da viagem para a nova residência, foi ao auge da blasfêmia, exclamando: - Eu não vou para o mato e me caso até com o diabo, se ele aparecer esta noite!

Foi para a varanda do prédio onde morava e lá se deixou ficar. Precisamente à hora fatídica dessas coisas, a meia-noite, avistou ela, no princípio da rua, um elegante cavaleiro montado no seu ginete, cujos cascos riscavam fogo nas pedras do calçamento. Ao chegar à sua porta parou, olhou-a bem, desceu do cavalo, subiu as escadas e bateu à porta.

A irmã do padre correu para recebê-lo, vendo no fato a esperança de um casamento que não mais permitiria sua viagem para o interior do estado.

Ao abrir a porta, porém, e fitar o cavaleiro, viu nele os olhos de fogo de Satã e caiu morta.

Vê-se nesta lenda além do moralismo contra as blasfêmias, o Recife da época dos cavalos e dos cavaleiros, e onde os automóveis não eram nem sequer sonhados.

 A marca no braço

Tanto como a primeira esta outra estória remonta também à época de fora de portas. O cenário é que muda: não é mais o diabo montado no seu ginete faiscante. Lembra a época em que não havia estradas de ferro em Pernambuco. É um diabo marítimo, do tempo do apogeu das barcaças e de um Recife praieiro. É um diabo que apavora, que castiga, que rapta crianças, um precursor dos gangsters americanos, para desespero e contenção de mães que blasfemam e sobretudo de um fundo moralista e religioso.

Certa mãe impaciente pelas traquinadas do filho vai ao desespero e exclama: - Tornara que o diabo te carregue!

Dito isto vai à cozinha e ao voltar à sala nota o desaparecimento da criança. Procura pela casa toda e dá o desespero sem achar explicação para o caso.

No outro dia, porém, na hora da chegada das barcaças à rampa do cais, velhos barcaceiros que voltavam de alto mar ao passarem por determinado local ouviram choro de criança e avistaram entre pedras altas o menino desaparecido, apresentando ainda nos braços a marca terrível das unhas do diabo que o havia carregado como blasfemara a mãe ignorante de tal perigo.

Credo

Vindo da mesma época que as anteriores, não há nesta estória nenhum fundo moralista, apenas uma demonstração de força da palavra Credo, ou seja do Creio em Deus Padre, etc. Nota-se, porém, um afeito geográfico da época das ronceiras embarcações à vela, em que Maçaió ficava tão distante do Recife que se podia envolvê-la nas lendas.

Em casa de certa família que não primava por bons costumes, improvisaram um baile. E veio a frase do dono da casa: Hoje até o diabo dança aqui!

Altas horas da noite foi reparado que um crioulão alto não perdia um número e já dançava com certa dama há tanto tempo, que esta, não suportando mais o cansaço, indagou:

- O senhor não vai parar? Será que estou dançando com o diabo? Credo!!

A essa palavra a mulher sentiu-se só na sala, sem saber como o crioulo desaparecera. Cai, de espanto, ao tempo que todos sentem um cheiro forte de enxofre.

II

Agora, não mais a lenda, mas a realidade. E o Recife das velhas carroças puxadas a boi, levando açúcar turbina e mascavado da estação de São Francisco para os armazéns da rua do Brum. É o Recife em que a chegada do trem das 5 horas da tarde era uma festa para mim. Assistia da minha janela da rua das Calçadas a passagem dos paus de papagaios que iam para as casas que os vendiam no cais da Lingueta. Dos muitos exemplares raros de orquídeas que seguiam para a Inglaterra, por não valerem nada nas nossas matas, onde eram tratadas como parasitas e implicitamente nocivas às nossas árvores. E Recife de véspera de Natal onde ficava embevecido na minha inocência de criança vendo o desfilar do cortejo das carroças enfeitadas, puxadas por velhos bois magros e ronceiros, com velhas colchas nas costas e galhos de gameleira nas carroças a guisa de grinaldas e de festões.

O diabo de hoje já não tem nenhum efeito moralista. Desmoralisou-se por completo. Aparece, porém, ainda, como uma força que só os corajosos vão procurar, nessa ânsia de resolver o problema econômico da vida. É o diabo de uma outra época.

A ânsia de encontrar o ouro criou a alquirma, ânsia de acertar a milhar no jogo do bicho criou o inesperado: a realidade confundida teimosamente com a lenda.

Procurado, em vão, por todos os recantos e encruzílliadas, um diabo que já não mete medo nem provoca receios, sofre talvez, aí, a sua última desmoralização.

Em Santo Amaro das Salinas, o velho Santo Amato dos Viveiros de peixes e dos mocambos, à meia noite em ponto, numa encruzilhada, está parada uma mulher, rezando, para que o diabo apareça e diga-lhe a milhar do bicho, dando assim solução para todo um mundo de misérias em que vive.

Na ponta da rua, lá ao longe, surge um vulto preto, totalmente preto, onde os olhos brancos se realçam e se destacam. Aproxima-se, aproxima-se, e vai passando sem dizer uma única palavra.

A mulher enche-se mais de coragem, avança até ele e fala:

- Diga a milhar, diga!

E a figura do homem que ela julgava o diabo explica-se, deixando-a desapontada:

- Minha senhora eu não sou o diabo, não! Eu sou é carvoeiro que vem do serviço!

A realidade é confundida grosseiramente com a lenda e há assim a desmoralização completa de todos os diabos que ainda amedrontam tolos e crentes.

Fonte: Jangada Brasil  - (RIBEIRO, Chagas. Em Brasil Açucareiro).

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Diabo e seus parentes

Sabendo-se (como se sabe) que o diabo não é um só, mas legiões (precisamente — segundo cálculo de antigos e conspícuos demonólogos: 1.758.064.176 capetas...) é natural que se julgue haver, entre tantos demônio, certas relações de parentesco, mais ou menos estreitas.

Tomando porém, o diabo ou um diabo só — também será natural supor tenha até pai e mãe, e — se casado — mulher e filhos. Pelo menos, o povo simples assim o entende, referindo até, em contos, provérbios e expressões usuais, esse parentesco danado.

Num livro interessante, escrito por autor argentino que esteve na Bélgica e lhe vasculhou o folcore, El diablo em Bélgica, de Roberto J. Payrú (Buenos Aires, 1953, p.18) — se divulga uma velha crendice daquele país, segundo a qual "cuando llueve y hace sol, al propio tiempo, para nosotros [os argentinos] 'se casa una vioja', mientras que en Bélgica, 'el diablo azota, a su mujer (o a su madre) y casa a su hija'. En el dicho valón:

S é l'oyal ki bat'si mor
é ki maréy si fèy"

O que significa, em vernáculo: É o diabo que bate na mãe e casa a filha.

Já aí temos, portanto, alguns parentes do diabo: a mãe, a mulher e a filha.

Conheço um provérbio português em que se encaixa também o diabo e sua mãe dele. Vejo-o transcrito num dos livros de Camilo, A corja (Lelo, Lisboa, 1943, p.81), no seguinte passo: "— Pois você que cuidava do barão? Quando eu lhe disser que a burra é preta, olhe-me para o cabelo. Eu não lhe dizia que entre o Macário e a Felícia, que viesse o diabo a escolhesse? Isto tudo é uma corja. Tão bom é o diabo como sua mãe..."

Cá no Brasil, também corre outro adágio alusivo à mãe do diabo. Deparo-o no livro de Guimarães Rosa, Corpo de baile (José Olympio, Rio de Janeiro, 1956, v.1, p.184), referindo-se a um lugar perigoso ou nos cafundós do juda: "O lugar era da mãe do demo".

Dessa mãe do diabo — o povo (que sabe coisas do arco da velha) conhece até o nome!

Ora veja o leitor incrédulo este pequeno conto popular português, que retiro da Revista Lusitana (v.22, Lisboa, 1919, p.125), do estudo que faz José Diogo Ribeiro, acerca do folclore da vila de Turquel (Portugal): "Por divertimento o diabo, uma vez, despediu uma frecha contra sua mãe, e indo-lhe logo no encalço, apanhou-a no ar. Mais tarde inventou ele as armas de fogo; e um dia, pegando, numa dessas armas, apontou à mãe, disparou, e correu no propósito de deter a bala. Mas esta, mais veloz, introduzira-se já no alvo, e era uma vez a 'Faísca-Velha'..."

Em nota a esta Faísca-Velha, diz o autor do estudo: "Segundo o povo, é esse o nome da mãe do Diabo, a qual figurava em tempo — dizem — num retábulo da igreja de Alcobaça".

Sabe-se na Bretanha, que a mãe do diabo era mulher duma força extraodinária, tendo construído, numa só noite, uma grande ponte de pedra sobre um rio. A pedreira, de onde ela tirou os blocos para a construção, ainda se denomina: as pedras da mãe do diabo". (Cfr. Le folklore de la Bretagne, de Paul-Yves Sébillot, Paris, 1950, p.137).

Nesse mesmo livro informativo, temos ciência da existência de mais um parente do diabo — sua avó, mulher tão forçuda como a filha (a Faísca-Velha), segundo a tradição da Bretanha, "elle déposa, dans la forêt de Quéneéan, d'enormes rechers apportés aussi dans son tablier" (id. ib.)

Vimos, acima, que o diabo tem mulher e filha. Naturalmente, presume-se deveria ter também sogra. De fato, teve ele uma sogra tão... sogra que não teve dúvida em passá-la de graça ao primeiro que se apresentou ou se ofereceu para comprá-la.

Vamos ao caso.

Na Espanha corre um provérbio, calcado (segundo se presume) numa pequena história. Quando alguém quer, com empenho, descartar-se de alguma coisa que o aborrece ou lhe é molesta, diz, usando expressão proverbial: "Cuanto por la mula queres? — Vuestra es".

Como se vê, antes mesmo que o interpelante ofereça qualquer dinheiro pela compra da mula, já o vendedor diz, num ímpeto, doido para desfazer-se dela: — Vuestra es.

Agora, o conto popular — referido pelo folclorista Francisco Rodrigues Marins, em seu livro 12.600 Refranes más (Madri, 1930, p.70): "Así cuentam vendió el diablo su suegra: enchándola a las barbas al primero que le preguntó cuánto queria por ella".

Avó, mãe, mulher, filha e sogra do diabo — são estes os parentes a que no refere o povo, além daquele rapaz que se casou com a filha dele — genro infeliz cujo nome a tradição não registrou.

Cinco mulheres e um homem — parentes do diabo.

Se o leitor conhece mais algum, diga...
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Fonte: Neves, Guilherme Santos. "O diabo e seus parentes". A Gazeta. Vitória, 09 de março de 1958.