domingo, 31 de janeiro de 2016

David e Salomão


O rei Salomão em toda a sua glória (Gravura bíblica)

Há pouca dúvida de que David e Salomão existiram. Mas há muita controvérsia sobre seu verdadeiro papel na história do povo hebreu. A Bíblia diz que a primeira unificação das tribos hebraicas aconteceu no reinado de Saul. Seu sucessor, David, organizou o Estado hebraico, eliminando adversários e preparando o terreno para que seu filho, Salomão, pudesse reinar sobre um vasto império. O período salomônico (970 a.C. a 930 a.C.) teria sido marcado pela construção do Templo de Jerusalém e a entronização da Arca da Aliança em seu altar.

Não há registros históricos ou arqueológicos da existência de Saul, mas a arqueologia mostra que boa parte dos hebreus ainda vivia em aldeias nas montanhas no período em que ele teria vivido (por volta de 1000 a.C.) – assim, Saul seria apenas um entre os muitos líderes tribais hebreus. Quanto a David, há pelos menos um achado arqueológico importante: em 1993 foi encontrada uma pedra de basalto datada do século IX a.C. com escritos que mencionam um rei David.

Por outro lado, não há qualquer evidência das conquistas de David narradas na Bíblia, como sua vitória sobre o gigante Golias. Ao contrário, as cidades canaanitas mencionadas como destruídas por seus exércitos teriam continuado sua vida normalmente. Na verdade, David não teria sido o grande líder que a Bíblia afirma. Seu papel teria sido muito menor. Ele pode ter sido o líder de um grupo de rebeldes que vivia nas montanhas, chamados apiru (palavra de onde deriva a palavra hebreu) – uma espécie de guerrilheiro que ameaçava as cidades do sul da Palestina. Quanto ao império salomônico cantado em verso e prosa na Torá hebraica, a verdade é que não foram achadas ruínas de arquitetura monumental em Jerusalém ou qualquer das outras cidades citadas na Bíblia.

O principal indício de que as conquistas de David e o império de Salomão são, em sua maior parte, invenções é que, no período em que teriam vivido, a arqueologia prova que a cultura canaanita (que, segundo a Bíblia, teria sido destruída) continuava viva. A conclusão é que David e Salomão teriam sido apenas pequenos líderes tribais de Judá, um Estado pobre e politicamente inexpressivo localizado no sul da Palestina.

Na verdade, o grande momento da história hebraica teria acontecido não no período salomônico, mas cerca de um século mais tarde. Entre 884 e 873 a.C., foi fundada Samária, a capital do reino de Israel, no norte da Palestina, sob a liderança do rei israelita Omri. Enquanto Judá permanecia pobre e esquecida no sul, os israelitas do norte faziam alianças com os assírios e viviam um período de grande desenvolvimento econômico. A arqueologia demonstrou que os monumentos normalmente atribuídos a Salomão foram, na verdade, erguidos pelos omridas. Ou seja: o primeiro grande Estado judaico não teve a liderança de Salomão, e sim dos reis da dinastia omrida.

Enriquecido pelos acordos comerciais com Assíria e Egito, o rei Ahab, filho de Omri, ordena a construção dos palácios de Megiddo e as muralhas de Hazor, entre outras obras. Hoje, os restos arqueológicos desses palácios e muralhas são o principal ponto de discórdia entre os arqueólogos que estudam a Torá. Muitos ainda os atribuem a Salomão, numa atitude muito mais de fé do que de rigor científico, já que as datações mais recentes indicam que Salomão nunca ergueu palácios.


por Vinícius Romanini 
Para a Revista SuperInteressante

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