sexta-feira, 22 de julho de 2016

O Ressuscitado


Eu vi Lázaro retornar dos Vales das Sombras. Vi com os meus olhos. Sob a ordem do Rabi, removemos a grande pedra, e o olor deletério, expulso do intestino da gruta, foi como um murro no estômago. Retrocedi de asco e de pavor.

O Rabi dissera: “Lázaro, vem para fora.” Com os pés e as mãos atados ao sudário, o defunto saiu, desajeitado como uma enguia em terra, arrastando-se pela superfície áspera e pedregosa de seu túmulo.

Os que se seguiram ao retorno de Lázaro foram dias tensos. Ele caiu num mutismo desesperador. Supúnhamos que Lázaro não gostara nada da experiência da morte. Seus olhos transpiravam os horrores que se ocultavam na eternidade prometida. Era evidente que Lázaro não gostaria de a ela retornar.

Certa feita, Lázaro desaparecera. Fora encontrado nas cercanias da herdade, babando como um lunático e rasgando, com os dentes que ainda lhe restavam, o tenro abdome de uma gorda ratazana.

Com que avidez Lázaro, meu patrão, sugava e extraía, alucinadamente,  do ventre do animal, o seu alimento! Lembro-me bem: era véspera do Sabá, e Marta e Maria haviam deixado Betânia às pressas, condoídas pela notícia da prisão do Rabi.

À terceira hora, quando o solo tremeu (a partir de Jerusalém, porque era morto, naquele instante, o Senhor), os serviçais viram um Lázaro alucinado. O homem lacerava as vestes e se contorcia de dor. Sua tez estava pálida e de sua fronte escorriam grossas bagas de um líquido fétido e viscoso. E, das mãos e dos pés sudorosos, vi que fluía uma substância deletéria, de tonalidade verde-musgo. Os suores eram de uma pestilência pungente, que enodoava os grossos lençóis e infiltrava-se até nas ranhuras do chão de ladrilho.

Então, num átimo, Lázaro gritou. Gritou porque suas carnes, de tão podres, se rasgavam; e sua alma, de tão aterrorizada, retornava ao Sheol, de onde nunca deveria ter-se evadido.

Eu, Levi, filho de Benjamim, fui o único que se atreveu a recolher a massa pestilenta em que se convertera o cadáver do ressuscitado.


Histórias Nefastas - Paulo Soriano - Ed. Corifeu, 2008

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