segunda-feira, 4 de abril de 2016

Caçador de Vampiros? Não, é Sobrevivência!



Na terceira página do tabloide AM New York de 2 de julho de 2007, aparece, numa nota discreta, com título “Pássaro ‘vampiro’ atacado”, uma reportagem sobre um pavão agredido por um jovem. O tipo de notícia que passa despercebido por aqueles que não conhecem o drama de Jim, como chamaremos o rapaz para preservar seu anonimato, morador de Staten Island, NY, Ensino Médio recém-concluído.

Jim não é diferente de mim ou de você; lê X-Men e gosta de filmes de terror, quanto mais trash melhor. Recentemente, completou sua coleção de “A Hora do Pesadelo” e tem procurado no EBay e com colecionadores o raro filme dirigido James T. Flocker, “Ghosts The Still Walk”. Tem suas manias, seus hábitos, seus medos, como todos nós.

Porém, desde o começo deste ano, Jim acreditava que uma vampira o perseguia. Conheceu-a numa festa na casa dum amigo, conversaram pouco, sobre Igrejas Góticas e a invasão dos godos ao Império Romano, mas a menina deixou a festa com outro jovem, gótico como ela.

Ao interrogar colegas, descobriu seu nome e e-mail. Ele era tímido, por isto, muito mais fácil dizer o que pensava através da palavra escrita do que em diálogos, e logo a troca de mensagens eletrônicas esquentou.

No MSN, fizeram sexo virtual, mas Jim mal se aguentava para transar de verdade com Suzanne para, finalmente, aos dezessete anos, perder a virgindade.

Combinaram uma data, Jim emprestou o carro da mãe e, após buscar Suzanne em casa, dirigiu até uma área desabitada.

Beijos e amassos, mão dentro da calcinha, chupões no pescoço; Suzanne se interessava particularmente pelo pescoço. Chupava, chupava até doer. — Tenho outra coisa para você chupar... — Jim baixou o zíper da calça, lembrando-se da fala de algum vídeo pornô que vira na Internet. Não convenceu a menina, que continuava grudada em sua jugular. Constrangido, e talvez assustado, Jim tentou afastá- la, não conseguiu, sua mão, cheia de sangue. Apesar de sua fixação por filmes de terror, Jim era o tipo de pessoa que não podia ver sangue. Desde quando caiu de bicicleta, aos dez anos, e sofreu uma fratura exposta no fêmur, qualquer machucadinho com sangue era suficiente para fazê-lo desmaiar. Sangue na mão? Jim apagou.

Acordou sozinho, no banco do motorista. Torcicolo e zíper aberto. Sangue coagulado na gola da camiseta e na palma da mão. No retrovisor, dois buraquinhos na garganta. Suzanne era uma maldita vampira! Não havia conclusão mais óbvia.

Cortou relações com a menina, não respondia e-mails, não ia a festas nas quais sabia que ela estaria, instruiu sua mãe a dizer que ele estava doente, caso uma menina de cabelos lisos, delineador nos olhos, Ankh dependurada no peito e roupas pretas procurasse por ele.

Após um mês insistindo, Suzanne aparentemente desistiu de Jim.

No entanto, numa noite, após Jim haver assistido a uma reprise de “A Hora do Espanto”, filme escroto, mas divertido, ele teve a impressão de ouvir ruídos na janela. Abriu a cortina e só viu a copa das árvores, e, do outro lado da cerca, as luzes apagadas dos vizinhos que dormiam.

Não estava com sono; na Internet, procurou por fotos eróticas. Batia uma punheta quando novamente ouviu ruídos na janela. Ergueu os shorts do pijama e fiscalizou mais uma vez o que poderia estar acontecendo. Nada. Subiu a janela, enfiou a cabeça pra fora. Nada. Estendeu os braços para baixar a janela, quando um morcego, mocho, ou outra ave noturna, voou por baixo de seu sovaco e entrou no quarto.

Jim se apavorou. Não tinha medo de passarinhos, que isso! Mas levou um baita susto quando aquele bicho passou raspando por ele. Deixou a janela aberta e vasculhou o quarto. Acendeu a luz, mas não conseguiu encontrar a ave. Talvez fosse apenas uma corujinha, ou até mesmo uma mariposa. De mariposas não tinha medo, só nojo. Mas nada que o impedisse de dormir.

Preferia deixar a janela aberta, caso o bicho decidisse partir, mas fazia um pouco de frio naquela noite, por isto, foi obrigado a fechá-la, desligou o computador (o pinto já estava mole mesmo), apagou a luz e se deitou. Dormiu um sono leve, acordou várias vezes, sempre com a estranha sensação de estar sendo observado.

Num reflexo, cobriu-se com o lençol. Quando criança, tinha medo de que o monstro do armário saísse e pegasse seu pé. Não havia agonia maior do que cobrir a cabeça com o lençol, e descobrir os pés. Sempre o temor de que o bicho viesse e pegasse uma de suas partes. Jim se lembrou disto, encolhido debaixo do lençol.

Então, barulho de asas. A ave estava dentro de seu quarto, talvez o sobrevoando. Jim tremia, suava até. O bater de asas cessou, alguém estava no pé da cama, uma mão segurou o lençol e começou a puxá-lo. Jim lutou para se manter coberto, aquela frágil proteção contra o mal, 75% algodão, 25% poliéster, mas foi derrotado. O lençol lhe foi arrancado. Suzanne o observava, olhos em brasa, dentes afiados. A vampiresa avançou, detendo Jim, que se debatia, segurando-lhe com força desmedida. Dentes direto no pescoço; Jim perdeu a consciência.

Os amigos de Jim riram da cara dele quando ele lhes contou a história. — Culpa destas merdas de filme que você assiste — lhe responderam. E Jim nem poderia contar com o auxílio deles para matar a desgraçada da sanguessuga.

E, a cada dia que passava, Jim se tornava mais servo de Suzanne. O sangue que ela sugava dele, lhe enfraquecia a mente, lhe turvava o raciocínio. Como que hipnotizado, toda noite, ele abria a janela e permitia a entrada de Suzanne, que o dominaria, que o debilitaria. E ela sempre assumia formas diversas, morcego, coruja, um cão negro ou lobo, como da vez quando Jim foi acampar com amigos na floresta e, sozinho na mata, foi surpreendido por Suzanne, que nunca o deixava em paz.

A sensação de inescapabilidade, de que Suzanne só descansaria quando ele houvesse morrido, ou se tornado uma criatura repugnante como ela, fez com que ele assumisse uma postura de macho.

Abriu a janela, como o usual, e aguardou até que Suzanne, metamorfoseada em morcego, entrasse no quarto. Armado com um bastão de beisebol, passou a investir contra ela, acertando duros golpes e repelindo-a para fora.

— Agora sim vou lhe ensinar uma lição!

Jim correu para fora de casa e acompanhou do voo atordoado do morcego, que passou por cima do telhado de uma casa, desaparecendo na direção do Burger King. Ainda empunhando o bastão, Jim alcançou o estacionamento da lanchonete, viu um pavão e teve certeza de que Suzanne havia mudado de forma para enganá-lo.

Arrebentou o pavão, que não morreu, mas foi eutanasiado dias depois pelo Centro de Controle de Animais.

Felicia Finnegan, atendente do Burger King, apressou-se para fora.

— O que você está fazendo? — perguntou a Jim.

— Estou matando um vampiro! — Jim respondeu.

A polícia foi chamada, mas Jim, com medo da punição e de que ninguém, como ocorreu com seus amigos, acreditasse nele, fugiu.

Hoje à noite, descobri que Jim foi encontrado morto na floresta, feridas abertas no pescoço. Disseram ter sido presa dum raro morcego-vampiro. Mas quem acreditaria em mim se eu resolvesse contar a verdade?

E Suzanne está por aí, dançando nas festas de adolescentes, à procura por um novo namorado.

Nova York
02/07/2007


Fonte: Fantasmas, Vampiros, Demônios e histórias de outros Monstros — Henry Alfred Bugalho — Oficina Editora, 2013.

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