Uma médium condenada por bruxaria em pleno século XX? Em meados do século passado, um caso judiciário abalou a Inglaterra, preocupando até mesmo o primeiro ministro Winston Churchill. A razão das aflições do famoso premiê britânico e da movimentação intensa do povo inglês era uma médium, Helen Duncan.
A verdadeira causa de sua condenação ficou oculta durante 35 anos, sendo conhecida apenas quando uma estação de rádio, em 1977, resolveu pesquisar o assunto para divulgá-lo em um programa apropriado. O pesquisador, Alan Crossley, acabou provando, embora tardiamente, a inocência de Helen, uma vítima da época e da legislação medieval que ainda vigorava ela foi incursa na lei contra a bruxaria, feita em 1785.
Helen Duncan (25/11/1897 – 6/12/1956) nasceu em Portshire, Escócia, e desde cedo ajudava no sustento dos pais como trabalhadora braçal. Casou-se muito jovem; seu marido sofria do coração, e Helen tinha então de trabalhar como lavadeira para sobreviver. Sabe-se que desde criança ela mostrava possuir dons mediúnicos, mas ninguém em sua família encorajava-a. Sua mãe, em especial, assustava a dizendo que médiuns acabam na cadeia. Porém, dons tão extraordinários como os de Helen são difíceis de se esconder, e aos poucos ela ficou conhecida.
No ano de 1930, patrocinada pela União Espiritualista Nacional (SNU), ela começou a fazer demonstrações públicas; aos poucos suas faculdades se aprimoraram, e Helen se tornou uma notável médium de efeitos físicos. Recebia espíritos e estes se materializavam. Conheceu seu mentor espiritual, Albert Stewart, que também se materializava e conversava com os assistentes, dando detalhes sobre suas vidas a outras provas impressionantes. Os que o viram descreveram-no como sendo alto e magro, muito diferente da corpulenta e baixa médium.
Alguns dos espíritos que se materializavam nas sessões davam seus nomes e falavam sobre a forma como tinham morrido e a respeito de fatos desconhecidos até dos assistentes, os quais os anotavam para posteriormente checá-los. Outros espíritos, conhecidos de parentes e amigos que estavam na sala, aproximavam se deles, mostrando certos sinais que os caracterizavam (como verrugas, cicatrizes, etc.). Em certa ocasião, um desses espíritos desmaterializou-se de um modo que estarreceu os que assistiam ao fenômeno: ele começou sua desmaterialização pelos pés, e quando chegou à cabeça, esta estava no chão!
Helen não materializava somente figuras humanas; diversas pessoas viram tal fato ocorrer também com relação a animais (cães, um papagaio, a parte de um gato que miava).
Quando as materializações eram de pessoas, estas apareciam trajadas de um branco luminoso a radiante, e por vezes abriam a túnica e batiam no peito, que ressoava. Alguns desses espíritos materializados também falavam, e suas vozes eram completamente diferentes tanto da do mentor de Helen quanto da voz da própria médium.
Uma testemunha que se sentou dentro da cabine, junto de Helen, declarou ter visto jatos de ectoplasma saindo da boca, das narinas, dos ouvidos a do plexo solar da médium. Essa mesma testemunha chegou a apalpar o ectoplasma, e disse que ele era maleável e viscoso ao sair do corpo de Helen, mas que aos poucos enrijecia e tornava se sólido. Era branco a luminoso, mas não refletia a luz vermelha da lâmpada que iluminava a sala.
Como alguns incrédulos dissessem que Helen escondia artigos debaixo de sua roupa, a médium deixava-se examinar severamente por um grupo de mulheres e vestia depois calças pretas, bem justas, e sapatos ou botas. Quanto à suspeita de que o ectoplasma não passava de gaze rala que ela engolia antes da sessão e depois regurgitava, um médico dispôs se a examiná-la, tirando chapas de seu esôfago; tanto o exame quanto as chapas provaram que o esôfago da médium era perfeitamente normal, e que ela não tinha condições de engolir a gaze para depois regurgita-la.
Os incrédulos, não satisfeitos, pediram a Helen que engolisse alguns tabletes de metileno, o que tingiria de azul tudo o que saísse de seu estômago. Ela consentiu e o ectoplasma continuou saindo, não só da boca, como dos outros orifícios de seu corpo, muito alvo e luminoso. Com todas essas controvérsias, Helen continuou fazendo suas sessões de materialização até o ano de 1944, o penúltimo da II Guerra Mundial.
Naquela ocasião, Helen fora convidada para uma série de apresentações na cidade portuária de Portsmouth, e o dia 14 de janeiro seria a data de sua primeira apresentação. Cerca de trinta pessoas estavam presentes. A médium, cuidadosamente examinada por um grupo de senhoras do local, entrou na cabine e a sessão iniciou-se com o surgimento de duas figuras humanas. No momento em que a terceira estava emergindo, um policial de nome Cross, sentado na terceira fileira, derrubou a cadeira que estava à sua frente e tentou agarrar a figura materializada. Outro homem acendeu um farolete e soprou um apito. Sem mais nem menos, um grupo de policiais invadiu o recinto.
O chefe levava um mandado de prisão contra Helen. Enquanto isso, Cross sentia que segurava na mão um pedaço de gaze, mas este desaparecera inexplicavelmente. Não havia homem algum por perto, e nem na sala encontrou-se alguém parecido com o mentor de Helen Duncan. A médium, contudo, começou a passar mal e pediu para que chamassem um médico; quando Cross perguntou lhe onde estava o pano, ela só conseguiu dizer que ele sumira: era ectoplasma, "tinha que sumir".
Porém, a acusação de Cross foi tão firme que o promotor aceitou seu testemunho e indiciou Helen e outras três pessoas de seu grupo por violarem a lei contra vadiagem, de 1824 isso apesar de nada ter sido encontrado, nem gazes, nem pessoas (o policial disse, depois, que as figuras poderiam ser conseguidas por um jogo de luzes). Além disso tudo, a médium acabou sendo enquadrada numa outra lei, criada na Idade Média e ainda então não revogada na época, a lei contra a bruxaria. Segundo essa legislação, alegar que eram produzidas materializações equivalia a dizer que se estava fazendo bruxaria e isso era crime. Não havia meio de Helen apelar, pois ela fazia sessões de efeitos físicos, isto é, materializações. Ela era uma bruxa, e como tal foi processada.
Como era de se esperar, o processo causou polêmica. Centenas de pessoas queriam depor a favor de Helen, provando sua sinceridade; os contrários a ela estranhavam que, naqueles tempos difíceis de guerra, as autoridades fizessem tamanho estardalhaço em torno de uma médium fraudulenta ou não que fazia sessões somente para uns poucos interessados. O próprio Churchill, preocupado, queria estar ciente de tudo o que acontecesse no caso.
Na ocasião do julgamento, milhares de pessoas tentaram entrar no Old Bailey, o famoso tribunal londrino onde corria o processo. Havia depoimentos dos mais curiosos, tanto a favor como contra a médium. Os policiais insistiram na história da fraude, embora continuassem desconhecendo o paradeiro da "gaze" e das pessoas que se passavam por materializações. Pela defesa, um dos testemunhos mais extravagantes foi o do brilhante jornalista inglês Hannen Swaffer, que descreveu uma sessão feita para testar a médium. Nela estavam presentes quatro mágicos (dois amadores e dois profissionais), além de dois médicos que conheciam prestidigitação.
Eles amarraram Helen com 40 jardas (36,5m) de corda e a manietaram na com algemas policiais. Seus polegares foram amarrados juntos com 8 jardas de linha de costura, tão apertada que cortou a pele da médium. Apesar de todos esses cuidados, os fenômenos continuaram inalterados.
Mas não havia possibilidade de escapatória para Helen. Se ela e suas testemunhas alegassem que a gaze era ectoplasma e as figuras eram materializações, incidiria na lei contra a bruxaria; caso contrário, ela estaria incursa na lei contra vadiagem, por praticar atos para fraudar os assistentes. Quando o advogado de defesa propôs se fazer uma sessão no tribunal para convencer o juiz dos poderes paranormais de Helen, este recusou, dizendo que não iria transformar o Old Bailev num circo. Depois de 20 minutos de deliberação, o júri condenou a médium a nove meses de prisão. Motivo: bruxaria.
Helen saiu do tribunal em lágrimas. Seu destino era a cadeia, de onde só saiu após ter cumprido integralmente a pena. Tornou-se uma mulher extremamente amargurada, mas seu processo beneficiou grandemente os médiuns: em 1951, a lei contra a bruxaria foi revogada pelo parlamento britânico, e equiparou-se o espiritualismo às outras religiões tudo isso causado pela condenação da médium de Portshire.
Foi uma estação de rádio, usando uma radionovela, quem descobriu e revelou ao mundo as razões verdadeiras da justiça apelar àquela lei para condenar Helen Duncan. O motivo é dos mais curiosos: nas sessões de materialização de Helen começaram a surgir alguns espíritos que, dando seus nomes e suas ocupações, diziam ser marinheiros de navios de guerra ingleses torpedeados pelos alemães, e que morreram por afogamento. Deram, então, os nomes desses navios: os ‘destroieres’ Hood e Barham.
O Ministério da Marinha sabia do torpedeamento desses vasos; porém, como a Inglaterra passava por tempos dificílimos, o governo achou prudente não revelar esses desastres ao seu povo, tão castigado com os constantes bombardeios. No momento em que o Ministério da Marinha ficou sabendo de boatos sobre o naufrágio de 2 navios, a polícia foi incumbida, para fins de segurança nacional, de descobrir qual era a origem dessas notícias.
Não houve demora para se desvendar a fonte: uma médium! As autoridades, não crendo em tais tolices, ordenaram que se retirasse a médium do convívio com o povo, antes que ela fizesse mais ma1. E isso foi feito. Uma autoridade, consultada sobre a legalidade da acusação, do processo e do julgamento, disse que, segundo a legislação em vigor naquela data, tudo fora feito legalmente.
Dois casos de profecia atribuídos a Helen Duncan são curiosos. O primeiro é sobre o policial que infernizou sua vida: ela disse que ele se suicidaria, e isso realmente aconteceu. O outro foi com Raymond Cass, um cientista que, em anos recentes, recebeu uma bolsa para pesquisar as vozes paranormais em gravadores. Numa vez em que Cass estava presente a uma de suas sessões, Helen disse: "Você vai desenvolver a mediunidade da voz."
Pensou-se então que ela falava da voz direta ou da psicofonia, mas Cass especializou-se em vozes paranormais, em gravadores e fez pesquisas de valor nesse campo.
Texto de Elsie Dubugras - Revista Planeta, número 92 (maio/1980 )
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