quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Cadeia da Vida


A alma de Roberto vagava sem descanso na dimensão dos mortos. Não havia mais dor. A morte fora-lhe um alívio, pois a doença que o consumira durante anos tornara sua vida um verdadeiro inferno.

Roberto não alcançara, entretanto, a paz. Voltava aos lugares que conhecia, procurava os amigos, tentava se comunicar. Não havia como. Do outro lado, vê-se o mundo dos vivos, mas o inverso não ocorre, a não ser em situações muito especiais.

Observando as pessoas morrendo, via o instante do desligamento entre corpo e alma. Novos espíritos, a princípios cegos, juntavam-se a ele. Logo, enxergavam a nova dimensão. Muitos, rapidamente se afastavam, atraídos por uma força maior, outros ficavam perambulando pela vastidão sem fim, como que procurando uma porta de volta ao reino dos vivos. Era o caso de Roberto.

Olhando seus filhos crescerem na sua ausência, chorava com saudades. Sua filha casara-se e ele não a levara pela mão. Agora, ela esperava um filho, o neto que ele nunca teria no colo. Aquelas cenas, como se fosse um cinema contínuo, apesar de alegres, causavam nele melancolia, ao ver inacessíveis seus desejos mais simples.

De repente, Roberto sente dor, como nunca em vida sentira. Sente-se despedaçado e, em desespero, teme que exista morte também para o espírito. É puxado para um turbilhão cósmico e sugado para a escuridão.

Suas lembranças começam a se dissipar e o último som que ouve é um choro de criança, o seu choro. Roberto era agora seu próprio neto, seguindo a cadeia interminável da morte e da vida.


Fonte: "Crônicas de terror de Zé do caixão" - Editora Associação Beneficente e Cultural Zé do Caixão, SP, Brasil, 1993.

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