quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A Curva dos Neves


Chovia muito. A família Almeida seguia pela estrada, sinuosa e enlameada. Antônio guiava, preocupado; a mulher e os dois filhos procuravam ajudá-lo, olhando pelos vidros, procurando por alguma indicação. Lá fora a escuridão total, de uma via pouco cuidada, onde o mato cobria as poucas placas que ainda restavam.

Um carro veio buzinando pela outra mão, e fez com que Antônio parasse. Pelas janelas, as duas famílias conversavam. Os Neves, que vinham do outro lado, disseram que uma barreira havia caído, logo depois da curva próxima a eles. Aconselharam a Antônio que desse meia volta e rumasse com sua família até uma cidadezinha próxima, até que a tempestade passasse.

Antônio agradeceu e fez como lhe foi dito. Antes, porém, aproximou-se cautelosamente da curva e observou, apesar da dificuldade de visão, a enorme cratera aberta na pista. Realmente, na velocidade em que se encontrava antes do aviso, talvez não tivesse tido tempo de desviar-se. Poderia ter caído barranco abaixo. Aquela advertência havia salvo a sua vida, e a da sua família.

Ao chegar a cidadezinha sugerida, parou num pequeno hotel, logo na estrada, talvez o único daquele lugar. Encontrou mais duas famílias, esperando por hospedagem naquela noite. Coincidentemente, estavam ali nas mesmas circunstâncias: haviam sido avisados pelos Neves sobre a queda da barreira.

Antônio contou, então, o que vira na estrada, fazendo com que todos se conscientizassem da extensão do perigo que haviam se livrado graças ao aviso em tempo. Outro motorista disse que seguiu atrás do carro que o alertou até a entrada da cidade, perdendo-o de vista, então. Provavelmente aquela gente seria habitante do lugar.

Todos ficaram curiosos, e ao mesmo tempo desejosos de agradecer pessoalmente àquelas pessoas que haviam se dado ao trabalho de parar cada um daqueles carros, sob forte chuva, para alertá-los de um provável acidente.

Como o dono do hotel chegara para atendê-los, perguntaram sobre a família Neves, descrevendo com alguns detalhes o carro em que estavam e a aparência das pessoas dentro dele.

O hoteleiro riu. Só poderiam estar brincando, ele disse. Os Neves realmente haviam morado ali, mas não existiam mais. A família havia morria 5 anos antes, soterrada num desbarrancamento, perto dali, numa noite de chuva como aquela.


Fonte: "Crônicas de terror de Zé do caixão" - Editora Associação Beneficente e Cultural Zé do Caixão, SP, Brasil, 1993.

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