sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Num lençol manchado de sangue

Barão de Escada - Belmiro da
Silveira Lins - assassinado em
eleição senatorial em Vitória.
Estava uma senhora de família pernambucana no interior do estado em visita a parentes do Recife. Feitas as compras nas lojas do centro, foi a sinhá descansar tranqüilamente, sossegada de seu, numa das cadeiras de balanço da casa, depois de desoprimida do espartilho que lhe apertava o busto e das botinas de duraque que lhe apertavam os pés pequenos para torná-los ainda menores.

O corpo à vontade na matinée solta e os pés, ainda mais à vontade, nos chinelos moles. Isto aconteceu nos fins do século passado, que ninguém sabe ao certo nem na Europa nem no Brasil, quando acabou. O Kaiser é que, aconselhado decerto pelos doutores das universidades alemãs, não teve dúvida em considerar o primeiro de janeiro de 1900 o começo do novo século. E assim foi ele principalmente comemorado na Europa e no Brasil.

Não era aquela sinhá do fim do século XIX, como a baronesa de L., apreciadora de um charutinho forte; nem como a mulher do conselheiro J. ou a ilustre Albuquerque, esposa do dr. C, de um bom cigarro de palha, ainda mais forte que os charutos de qualidade, fumados pelos homens. Não fumava ela nos seus vagares ou nos seus ócios. 

Estava simplesmente repousando na cadeira de balanço, sem fumar nem ler nem cochilar, sem ninar menino nem rezar o terço no rosário de madrepérola. Sem que alguma mucama lhe desse cafunés. Simplesmente repousando.

De repente, deu um grito que assustou a casa inteira. Um grito de terror tão grande que até na rua se ouviu a voz da sinhá ilustre.

Acudiram os parentes, cada qual mais aflito ou assustado.  Vieram com suas mãos macias de enfermeiras, de doceiras e catadoras de piolho nos vastos cabelos soltos das senhoras nobres, as mucamas da casa. 

Mandou-se chamar o médico da família, pois a boa sinhá desmaiara. Que viesse a toda pressa, no seu carro de cavalo. No seu ligeiro cabriolé inglês que aos olhos da gente da época parecia voar e não apenas rodar pelas ruas do Recife.

Não tardou, porém, a explicação: à dona acabara de aparecer a figura do tio barão envolvida num largo lençol branco todo manchado de sangue.

Horas depois chegavam ao Recife notícias de Vitória: tiroteio na igreja durante as eleições.  Conflito sangrento.  O barão de Escada fora assassinado.
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Fonte: Assombrações do Recife Velho - "Barão de Escada, num lençol manchado de sangue" - Gilberto Freyre. — Rio de Janeiro:  Record, 1987.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito assustador