sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Luzinhas misteriosas nos morros do Arraial

Isso de haver luzes misteriosas nos morros onde houve guerra aprendi que é crença entre os celtas com o grande poeta irlandês William Butler Yeats. Homem — esse poeta — como raros europeus de seu tempo, entendido em assuntos de ocultismo, de magia e de sobrenatural e que eu, ainda estudante, conheci pouco tempo antes de ter ele, para meu espanto, se tornado doge ou senador da República irlandesa — ele que tinha uma voz quase de moça e mãos que pareciam plumas, incapazes de esmurrar tribunas e ameaçar tiranos.

Entre algumas populações européias mais rústicas se encontra, ainda hoje — disse-me Yeats há muitos anos — a crença de aparecerem luzinhas misteriosas em antigos campos de batalha. Ou nas suas imediações. Luzinhas esquisitas que aparecem e desaparecem como fachos que se avistassem a mais de légua, do tamanho de lanternas de carro de cavalo. Que mudam de lugar.  Que podem ser vistas a grandes distâncias, como as luzes naturais não podem.

Descobri crença semelhante entre velhos moradores de Casa-Forte e das imediações do morro do Arraial, no Recife, quando, há anos, vivi em íntimo contacto com aquela boa gente de mucambo e de casa de barro. Também entre eles — entre os mais velhos — é crença de que aparecem luzinhas misteriosas nos morros onde se travaram encontros da gente luso-brasileira com a  flamenga; ou onde a gente luso-brasileira teve seu arraial.

Ignoro se continuam a aparecer tais luzinhas. Dizia Josefina Minha-Fé, velha moradora da Casa-Forte e da Casa Amarela, que estava farta de vê-las nas noites de escuro; que  eram almas de soldados que haviam morrido lutando; que eram espíritos de guerreiros  ali mesmo tombados.  Zumbis de campo e não de interior de casa.

Yeats acreditava que no Brasil houvesse muita sobrevivência celta. Perguntou-me se alguém já estudara o assunto. Respondi- lhe que não. Será a crença nessas aparições de luzes misteriosas, em antigos campos de batalha, sobrevivência celta?
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Fonte: Assombrações do Recife Velho - Gilberto Freyre. — Rio de Janeiro:  Record, 1987.

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