quarta-feira, 6 de abril de 2016

Congresso dos Anticristos


Davi era diferente. Desde criança, havia uma crueldade naquele menino, um ódio no olhar, maldade nas ações.

No jardim de infância, ele decepou o dedo dum colega com estilete; na primeira série, furou o olho duma menina com um lápis; na terceira série, enfiava ratos mortos nas bolsas das professoras. Passagens pela polícia, diretoria e conselho tutelar foram inúmeras.

Joana, sua mãe, não sabia a quem mais recorrer, visitou psicólogos, padres e a cinta lambia a bunda do menino quase que diariamente.

Numa manhã, Davi despertou Joana.

— Mãe, temos de viajar.

— Para onde, Davi?

— Para o sul — a voz sombria revelou.

— Não vamos a lugar algum.

Mas Davi infernizou tanto que convenceu sua mãe. Arrumaram as malas e embarcaram no carro, rumo ao sul.

Treze dias depois, chegaram a um galpão, onde dezenas de automóveis estavam estacionados.

— É aqui — Davi anunciou.

Entraram no galpão, todo decorado em negro e vermelho, uma cruz invertida sobre um palco, figuras de Satanás por todo lado. A mãe se assustou:

— O que é isto, Davi?

— Meu pai me chamou.

Davi descobriu, porém, que seu pai era pai de muitos. Filhos de Satanás? Mais de uma centena, de recém-nascido a idosos, todos congregados naquele culto satânico.

O menino se enfureceu. Só podia haver um anticristo, esta era a profecia, apenas um podia ser o filho do diabo. Como é que Satanás podia ser tão egoísta, tão fértil? Deveria respeitar as predições, existentes desde tempos imemoriais.

Davi roubou o isqueiro dum velho bigodudo, foi até a coxia do galpão e ateou fogo em papéis e tecidos. Por fim, deixou o recinto, trancou as portas e ordenou a sua mãe que fossem embora.

Enquanto o carro se afastava, a fumaça se erguia do galpão.

— O que é aquilo? — Joana cuidava pelo retrovisor.

— Sou filho único agora — Davi ria.

Nova York
19/08/2007


Fonte: Fantasmas, Vampiros, Demônios e histórias de outros Monstros — Henry Alfred Bugalho — Oficina Editora, 2013.

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