terça-feira, 1 de março de 2016

Barnabé Cabard, o Barbeiro Assassino


A história de Barnabé Cabard e Pierre Miquelon, respectivamente barbeiro e padeiro, ambientada na Paris do século 15, inspirou vários autores, surgindo assim o mito sobre "Sweeney Todd, o barbeiro louco da Rua Fleet". O que vão ler a seguir, foi baseado nas informações contidas em uma declaração (pliego de cordel) de 32 páginas do ano de 1877, que pode ser encontrada em formato digital na Biblioteca Digital da Junta de Castilla y Leon (BDCYL). O documento em questão é intitulado “El pastelero de carne humana y el barbero asesino: causa célebre”. Isso nos coloca em 1415, e a modo do relato nos oferece o que poderia ser a origem mais plausível da lenda de Sweeney Todd.

Os acontecimentos se situam em Paris, em 1415. Por essa altura, no Mont Saint-Hilaire, vivia e trabalhava o renomado barbeiro Barnabé Cabard, um homem bem-sucedido. Naquela época tanto nobres como plebeus o procuravam, sempre dispostos a pagar um bom preço por seus excelentes serviços. Como se isso não fosse suficiente, o estabelecimento de Cabard tinha um chamariz peculiar: Marguerite, filha do barbeiro, que era irresistível para qualquer homem que a olhasse. E a menina frágil, de tez pálida e feições tristes, despertava na clientela de Cabard um sentimento de proteção e tal amor, que não foram poucos os homens que tinham solicitado a mão dessa donzela.

Mas Marguerite nunca demonstrou interesse por qualquer um dos seus pretendentes e, nos últimos tempos, começaram a aparecer rumores por toda Paris, dizendo que sobre a menina pesava uma maldição, e que, além de sua aparência lânguida e maneira retraída, muitos dos homens que a tinham cortejado nos últimos anos, tinham desaparecido sem deixar vestígios.

Monsieur Cabard, não era a única celebridade da região. Não é de se surpreender que junto à sua barbearia ficava o estabelecimento de Pierre Miquelon, o pasteleiro mais aclamado da cidade. Miquelon preparava doces e bolos de todos os tipos, mas a sua especialidade era uma deliciosa torta de carne, famosa e requintada, que até os mendigos faziam economia para degustá-la. Como é entendido, a receita do aclamado pastel foi mantido sob o mais absoluto sigilo. Nem mesmo as duas meninas que trabalhavam sob as ordens do padeiro poderiam revelar o segredo.

Nem todos eram prósperos em Saint-Hilaire. Na frente dessas empresas bem-sucedidas, vivia Monsieur Gomire, um ferreiro humilde que mal dava conta de sustentar sua família com oito filhos pequenos. O infeliz Gomire passava horas observando com uma mistura de admiração e inveja, os estabelecimentos de seus vizinhos bem-sucedidos.

Assim estavam as coisas naquela parte de Paris, quando, no outono de 1415, dois jovens da nobreza espanhola chegaram à região e se hospedaram na estalagem Saint-Hilaire, situada ao mesmo ao lado da ferraria Gomire. O gerente, homem observador, percebeu os figurinos requintados e joias que levam os jovens, e fez com que preparassem para os visitantes as melhores salas de modo que tivessem uma estadia longa e agradável. Que iria, naturalmente, lhe render bons lucros.

Foi assim que aconteceu. Os jovens, chamados Andrés e Julio, encontraram na estalagem um ótimo lugar para exercer suas respectivas tarefas. Andrés tinha chegado a Paris para estudar. De modo taciturno, responsável e estudioso, aquele jovem passava horas com seus livros, e se diria que somente falava com a gente daquele lugar para praticar os seus conhecimentos da língua francesa. Por outro lado, Julio era o seu alegre companheiro que não estava nem aí para os livros e tinha ido a Paris para praticar também o francês, mas pela boca das lindas jovens francesas.

Com esse temperamento, não é de se estranhar que Julio não tardara em saber da existência de Marguerite. Começou a reunir informações sobre ela e o gerente da estalagem, muito bondoso e para não perder uma valiosa fonte renda, advertiu o impetuoso jovem para ficar longe da menina cuja alma tinha sucumbido à influência do diabo, e que se aproximasse dela, certamente iria desaparecer como tantos outros homens. Julio zombou do gerente, e entre gargalhadas declarou que é impossível que algo tão belo e delicado como a jovem Marguerite fosse amaldiçoado.

Uma manhã, Julio descobriu que não poderia se conter por mais tempo, e decidiu visitar pessoalmente o objeto de seus desejos lascivos. Decidido, dirigiu-se para a barbearia de Monsieur Cabard, a fim de cortejar a filha do barbeiro. Qual foi a sua decepção quando ele descobriu que a menina não estava no local. Sempre solícito, Cabard ofereceu ao jovem espanhol os seus serviços, e Julio pensou que seria bom aproveitar esta oportunidade e aceitar, enquanto aguardava a chegada da filha do proprietário.

Cabard começou a trabalhar diligentemente com sua melhor navalha e olhava para o exterior de seu estabelecimento mais vezes do que o habitual. Julio não percebia. A questão é que, quando o barbeiro notou que na sua porção de rua não tinha ninguém, acionou uma alavanca que fez a cadeira onde estava seu cliente se virar, jogando o jovem para o porão através de um alçapão. Não sem antes ter aproveitado para degolar o infeliz.

Em seguida, bem calmo, Cabard foi visitar seu vizinho Miquelon, e lhe comunicou com alegria: "O negócio está em marcha". O pasteleiro foi para o porão de seu estabelecimento, que era compartilhado e se comunicava com o do barbeiro, e lá encontrou o infeliz Julio, que tinha perdido toda a vontade de cortejar, juntamente com a maior parte do volume de seu sangue, mesmo assim ainda vivo. Sem hesitação, Pierre lhe desferiu 15 facadas, que findou sua agonia. Depois disso, e como se fosse um porco, ele pendurou o jovem no teto de cabeça para baixo ao lado dos corpos de cinco outros infelizes que tiveram a mesma sorte.

Depois de ser devidamente sangrado, o corpo de Julio seria cortado por Miquelon em fatias suculentas, com as quais produziria tortas de carne requintadas e que seduziriam os paladares de Paris. Os lucros, é claro, seriam compartilhados com o eficiente fornecedor de carne, o barbeiro Cabard, como vinha acontecendo há cerca de cinco anos.

Depois de dois dias, até mesmo o Andrés imutável estava realmente preocupado com o desaparecimento de seu irmão rebelde. Relatou o desaparecimento de Julio às autoridades que nada teriam sabido, se não fosse o depoimento do ferreiro Gomire. Aquele pobre homem, sempre envolvido na contemplação do negócio de seus vizinhos ricos, tinha visto quando Júlio entrou na barbearia Cabard, mas até onde se recordava haver observado (cerca de quatro horas) não tinha visto ele sair.

A guarda da cidade foi para a barbearia, onde o ilustre Barnabé Cabard insistiu repetidas vezes não saber absolutamente nada sobre o caso do desaparecimento do nobre espanhol. Talvez tudo teria ficado por isso, mas num golpe de sorte, um dos oficiais acidentalmente acionou a alavanca do alçapão cadeira maldita, deixando à descoberto o "pastel" (se me permitem a expressão).

Uma vez no porão descobriram horrorizados toda a infraestrutura dos negócios que Miquelon e Cabard tinham conseguido esconder até então. Cadáveres pendurados morbidamente do teto, utensílios para cortar carne, entrada subterrânea que ligava pastelaria e barbearia .... Tudo foi posto à descoberto.

Nós abandonamos nesta última parte a história de Monsieur Gomire. Só se pode dizer que ele foi recompensado pelas informações prestadas e que foi o suficiente para ele abrir um novo, e desta vez, próspero negócio.

Pierre Miquelon e Barnabé Cabard foram imediatamente colocados sob prisão. Obviamente, durante o interrogatório, o confeiteiro confirmou que o ingrediente secreto da sua receita de sucesso foi, é claro, a carne humana. Toda a cidade ficou chocada com essa revoltante revelação, pois até mesmo as mesas mais nobres tinham saboreado com prazer as tortas de carne de Chez Miquelon. O pasteleiro também confessou que ele e seu parceiro já tinham esse negócio há cerca de cinco anos, elevando o número de vítimas a cifras incalculáveis (Estimativas recentes sugerem que poderiam ser mais de 143 mortos).

Barbeiro e pasteleiro foram condenados a execução pública. Primeiro passariam pela Roda onde seriam quebrados todos os seus ossos. Mais tarde seriam pendurados numa forca até quebrarem o pescoço, e a fim de exibi-los para maior escárnio público.

Escusado seria dizer que a execução foi extremamente concorrida. Milhares de parisienses tinham aclamado o grande trabalho do barbeiro e as receitas requintadas do pasteleiro. Teria sido desagradável não estar presente no momento da execução.

Bon appétit!


Fontes: Casos Violentos; Paris ZigZAg.

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