sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Condessa Bathory


A família dos Dráculas estende as suas horríveis ramificações por toda a Europa. Irmãos, primos e primas, formam todos uma espécie de teia de aranha venenosa cuja mordedura matará; é como que uma poluição oculta que se infiltra por todo o lado e se espalha como um veneno.

Decadência e obsessão reinam em pleno nas almas pervertidas dos Drácula como prova a história da condessa Bathory.

Esta familiar do príncipe Vlad Drakul, senhor da Valáquia, domina a nobreza austro-húngara pela sua crueldade e luxúria. Ela vivia, «sem luz e sem cruz» – diz-nos Valentina Penrose.

«O seu espírito era desleal e supersticioso. Erzsébet Bathory experimentou várias crises de possessão. Nunca podia prever-se quando tal aconteceria. De repente surgiam violentas dores na cabeça e nos olhos. As criadas traziam feixes de plantas frescas e narcotizantes, enquanto sobre o lume se preparavam drogas soporíferas onde se iriam embeber esponjas para se passarem a seguir pelas narinas da paciente. » (Penrose).

Um dia a condessa, irritada, bateu em uma das serviçais. Logo o sangue jorrou e caiu sobre o seu braço. Tudo se precipita para fazer desaparecer o sangue, mas, entretanto, ele coalhara. Quando por fim se conseguiu limpar a mancha, a condessa contemplou a mão, surpreendida. «No sítio onde o sangue estagnara por alguns minutos, ela viu que a carne tinha um brilho translúcido, como o de uma vela iluminada por outra vela. »

Estamos na fortaleza dos Bathory, sobre a fronteira austro-húngara, no fim do século XV. Um mundo fechado, feito de solidão, neve e altas muralhas.

Nesta região secreta, desenvolvem-se as mais surpreendentes mitologias, mas se se tentar aprofundar um pouco mais para além do mito a realidade é por vezes bem mais aterradora que a própria lenda em si.

Na Hungria, o vampirismo é um título de nobreza como outro qualquer, com a única diferença que doseia o horror e a veneração de uma forma que cada pessoa sente a magia do sangue ainda que a aristocracia construísse os seus castelos no inferno.

Para o mundo de hoje, o vampiro húngaro veste uma camisa de peitilho arrendado, uma capa de cetim negro com dupla face vermelha, à moda dos poetas românticos. Mas quando o coração já não responde a paixões humanas e as mulheres o deixam insensível, a única beldade que lhe diz algo é a do sangue, e vive na angústia da estaca aguçada que trespassará o seu peito. Mas no cinema o vampiro é um modo de exorcizar a verdade, de esconder o verdadeiro rosto dos Drácula, que nada tem de comum com o fantasma da ópera...

No século XV, os vampiros não existem para manter o comércio de imagens de Epinal, mas para a crueldade e perversão que matem ou endoideçam.

Como se viu, a atribuição do nome de Drácula ao arquétipo do vampirismo junta-se à ideia base de a serpente ou de o dragão (Drakul, Drak = dragão) guardarem o segredo do sangue. O brasão dos Bathory tem a enfeitá-lo o motivo de um fantástico dragão.

Nas campanhas húngaras, amedrontado, o homem reconhece as virtudes do sangue. Não é mais nem menos que essa «água de rejuvenescimento» que os poetas tanto cantaram... mas existe o medo, a maldição, a infelicidade para quem tente violar os segredos do sangue eterno, pois que como revela o Levítico: A alma da carne está no sangue.

Desde muito cedo que Erzsébet Bathory contactou com «o leite venenoso dos sonhos». As lendas que embalaram a sua infância foram povoadas de homens e mulheres vampiros à procura da bebida encarnada que imortaliza.

Casada desde os 15 anos, a sua residência é no castelo de Csejthe, a nordeste da Hungria. O marido, valoroso guerreiro, é alcunhado de «herói negro», combatente valoroso, frequentemente em guerra com turcos e habsbourgos.

Com 20 anos, idade em que normalmente se frequentam bailes e recepções na aristocracia húngara, a prima do príncipe Drácula vive numa quase total reclusão. Amantiza-se com o intendente Thorbes, que a inicia em feitiçaria e que, tendo-a casado com Satanás, lhe transmite os ritos secretos da seita de «Ave negra» – sociedade secreta à qual ele pertence – tais como este:

«Agarrai uma galinha negra, e batei-lhe com uma bengala branca até ela morrer. Recolhei o sangue com que tocareis o vosso inimigo, que perecerá de esgotamento ou acidente. Se não for possível tocar-lhe diretamente, colocai um pouco do sangue sobre as suas roupagens. »

A Ordem da Ave Negra mantém estreitas e subterrâneas relações com a Ordem do Dragão de Segismundo da Hungria. Erzsébet participava nas reuniões de magia com Thorbes, com a sua ama, as duas criadas e o mordomo Johannès Ujvary.

Logo que enviuvou, dispensou a companhia de sua sogra e dos subordinados do marido, para se entregar tranquilamente aos ritos mágicos ensinados por Thorbes.

Uma certa manhã, quando uma das criadas a penteava e acidentalmente lhe arrepelou um pouco os cabelos, logo a esbofeteou. Fê-lo com tal violência que a pobre da moça começou a sangrar do nariz. Algumas gotas caíram então numa das mãos da condessa. Afastando as serviçais mandou chamar duas almas danadas, Thorbes e Ujvary, e informou-os em tom excitado:

«O sítio onde o sangue desta mulher me atingiu deixou a minha pele firme, voltou a ter um aspecto de juventude. » E foi desta forma que a condessa Bathory por um simples acaso, reconheceu quanto o sangue era eficaz. A angústia do envelhecer, o aparecimento das rugas, o perder da juventude e beleza como que encontrava de repente uma paragem, um remédio, porque o sangue poderia enfim conservá-la nova e bonita. Neste seu delírio ela já admitia que banhos de sangue poderiam resultar na flexibilidade do corpo e no não envelhecimento. Então, durante dez anos, Erzsébet Bathory ordenou que fossem degoladas uma centena de jovens camponesas, com a cumplicidade de terceiros, mandadas sob diversos pretextos para Csejthe.

Em novembro de 1610, uma das vítimas conseguiu fugir antes de ser condenada à morte. O rei Mathias II, conhecedor do caso, encarregou o conde Thurzo de investigar as estranhas práticas da condessa. A 30 de Dezembro de 1610 o conde forçou a vedação do castelo de Csejthe. Na sala grande da torre de mensagem, descobriu horrorizado um cadáver em cujo corpo não havia gota de sangue, vasos cheios de sangue ainda não coagulado, e um moribundo barbaramente torturado. Submetido a interrogatório, o mordomo Ujvary confessou ter participado em trinta e sete assassinatos rituais. Uma tesoura, manejada por Erzsébet Bathory, substituía o punhal sacrifical. Os servos desta estranha missa do sangue recolhiam-no para depois prepararem os banhos de juventude de Erzébeth cuja aparência jovem, comentavam os juízes, «não podia ser senão de origem diabólica».

A condessa confessou arrogante e friamente os seus crimes. Os dois necromantes foram condenados à morte. Arrancaram-lhe as unhas, cortaram-lhes a língua, espetaram-lhe os olhos e por fim queimaram-nos em fogo lento.

Erzsébet foi condenada a confessar a sua culpa e a ser decapitada. A sentença foi comutada, tendo em vista a sua origem e posição, para prisão perpétua «a pão e água». Veio a morrer em 1614, passados anos, encerrada entre as paredes de uma das salas do seu castelo.

Esta triste história desenrolou-se há muito tempo numa região onde reinava a superstição e o terror. Aos sacerdotes ortodoxos foi bastante difícil desenraizar as antigas práticas, o culto do sangue, os pactos das possessões diabólicas. Embora os tempos tivessem mudado as coisas, a verdade é que o fascínio mórbido do sangue perturba sempre os cérebros fracos.


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

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