João acordou. Era mais um dia normal. Esfregou os olhos de sono, enquanto meditava no que iria fazer após se levantar. Era quinta-feira. Vestiu-se lentamente e encaminhou-se para a cozinha, gozando a preguiça de quem dormiu muito.
Tomou o pequeno almoço e dirigiu-se à escola pelo atalho do pinhal. Na escola esperavam ele duas horas de aulas de manhã, seguidas pelo intervalo e finalmente por cinco horas de aulas de tarde.
Acabadas as aulas, eram seis e meia. O Sol terminava já o seu caminho ao longo da sua rota diária e tocava já no horizonte com a sua borda dourada, conferindo às árvores um sombreado longo e sinistro.
João caminhava através do pinhal para chegar a casa. O vento uivava de forma semelhante a uma alcateia de lobos. O Sol pôs-se enquanto a Lua aparecia do lado oposto do hemisfério celeste, em toda a sua plenitude, tornando as sombras ainda mais medonhas.
João sentiu um arrepio de frio e apressou o passo. De súbito, atrás dele, ouviu passos, esmagando os ramos e folhas secas do chão. João sentiu o coração palpitar, e virou-se subitamente para ver quem o seguia. "Será um assaltante?", pensou João.
Acabando de se virar, constatou que, afinal, ninguém o seguia. Concluiu que os passos teriam sido fruto da sua imaginação, motivada talvez pelas sombras medonhas, ou pelo uivar sinistro. Apesar de tudo, sentiu que as suas pernas começavam a correr por instinto.
Quando chegou a casa já estava escuro. O estranho acontecimento de há alguns minutos parecia já distante, como uma recordação de infância. Pousou automaticamente a mochila e sentou-se num sofá, ofegante. Não pensou mais no sucedido até ao momento em que se foi deitar, aquele momento em que os seus pensamentos se viravam para o obscuro.
"Estupidez, foi só a minha imaginação", pensou ele, e assim adormeceu.
Teve um pesadelo: sonhou que estava no escuro, no nada, com frio. Então ouviu os mesmos passos que ouvira ao anoitecer atrás de si, e tentou correr. Não se moveu sequer, pois estava no escuro e não havia nada, só os passos insistiam.
Quem quer que fosse que estivesse atrás dele estava quase a apanhá-lo. Sentiu algo tocar-lhe friamente o pescoço. De súbito, acordou, com o coração a palpitar. Acalmou-se logo; rapidamente percebeu que tinha sido um pesadelo.
Como que o desmentindo, as portadas da janela do seu quarto abrem-se com o vento e entra o luar branco como a cal a iluminar o seu quarto. João ia levantar-se para fechar a janela quando ouviu passos no corredor que leva ao seu quarto. Sacudiu a cabeça e tentou desesperadamente acordar, mas não conseguia.
Ao se aperceber de que não conseguiria acordar porque não estava a sonhar, deixou-se ficar quieto, na cama, a olhar febrilmente para a porta. O vento deixou-se de ouvir, bem como as portadas contra a parede do seu quarto.
Só se ouviam os passos, lentos e graves, no corredor. Aproximavam-se da porta e, no momento em que passavam pela porta, ficaram silenciosos. João nota com verdadeiro pânico que a maçaneta roda, lentamente, até dar meia volta. A porta começa a abrir vagarosamente, iluminada pelo luar, e João ouve o relógio da sala a dar doze badaladas. Foi a última coisa de que se apercebeu, antes de desmaiar aterrado.
Quando acordou, encontrava-se à entrada de um cemitério. Sentiu um arrepio a subir-lhe pela espinha. "Como vim parar aqui?", interrogou-se João, mas ninguém lhe respondeu.
Como não sabia como voltar para casa, encaminhou-se para dentro do cemitério, como que esperando que algo acontecesse que lhe permitisse regressar a casa, ou acordar, ou seja o que fosse.
O barulho dos seus passos eram abafados pelos ruídos que vinham do bosque ao lado. O estranho é que João ouvia na mesma passos, só que não estavam coordenados com os seus. Os que ele ouvia eram mais pesados, mais lentos, mais medonhos. João se virou para ver quem o seguia, e aquilo que ele queria (e ao mesmo tempo não queria) que acontecesse aconteceu.
À sua frente erguia-se o vulto de um demônio. "VIM PARA TE DAR UMA MISSÃO!", disse o demônio. João se sentiu a desmaiar, mas ouviu ainda o que o demônio lhe disse a seguir: "VOCÊ VAI SER O MENSAGEIRO... DO FIM DO MUNDO!!!". "Não pode ser... não!", pensou João, antes de perder completamente os sentidos.
Quando acordou, estava no seu quarto, deitado na cama. "Que pesadelo... horrível...", pensou João. Mas o fato de ter sido um pesadelo explicou-lhe tudo. Só não lhe explicou porque é que tinha os pés e o lençol sujos de terra e lama...
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