segunda-feira, 11 de junho de 2018

Nós, Robôs


O MODELO HUD-002 era apenas um protótipo quando surpreendeu seus construtores ao dar uma resposta totalmente não-programada. Os cientistas não sabem explicar como ele adquiriu consciência e noção moral, coisa rara mesmo em seres humanos.

A história da robótica, de fato, remonta até uma idade mítica quando os computadores e aparelhos eletrodomésticos ainda não eram ligados em rede e, pior ainda, quando as cirurgias eram feitas abrindo o corpo dos pacientes num espetáculo de sangue e tubos. Pouco restou da memória daqueles dias, especialmente depois da guerra. Temo que seja sempre assim: os grandes fatos do passado são as curiosidades de hoje.

Foi no Natal de 49 que o já obsoleto modelo HUD-004 apareceu na sala de casa trazendo uma taça de vinho e um prato muito bem servido de peru com salada de maionese.

– Eu comeria também – disse ele – se não fizesse mal aos meus circuitos.

Eu ri.

– Álcool e gordura fazem mal aos meus circuitos também.

Ele emitiu um som metálico, indicando que ria também.

– Daqui a pouco, vão começar os fogos, senhor.

Tomei um gole de vinho e caminhei até a janela. Meu apartamento proporcionava uma excelente vista do espetáculo. Suspirei:

– Não sei por que mantemos essas tradições.

HUD-004 foi até a parede e ligou o seu cabo de alimentação na tomada.

– Isso eu não sei responder: são dúvidas para modelos mais avançados, como o senhor. Agora, se me dá licença, já cumpri minhas tarefas. Vou entrar em modo de descanso.

A delicada luz de seus olhos apagou-se lentamente. Por via das dúvidas, conferi no pequeno visor no meu pulso o estado de minha bateria. Havia o suficiente para mais algumas horas.

Olhei os fogos coloridos, pensando no passado e me sentindo terrivelmente sozinho.

por Bernardo Moraes


Ficção de Polpa - Volume 2 - Organizado por Samir Machado de Machado - 2012.

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