quinta-feira, 28 de abril de 2016

Chuvas Estranhas

Chuva de peixes em Singapura (16/02/1861).

Chuvas de animais, carne ou sangue, são fenômenos aparentemente lendários, relativamente raros, que aconteceram em algumas cidades ao longo da história. Os animais que costumavam cair do céu eram peixes e sapos, e por vezes pássaros. Em certas ocasiões os animais sobreviviam à queda, principalmente os peixes.

Em muitos casos, no entanto, os animais morriam congelados e caiam completamente encerrados em blocos de gelo. Isto demonstra que foram transportados a grandes altitudes, onde as temperaturas são negativas. A violência deste fenômeno é palpável quando caem apenas pedaços de carne, e não animais inteiros.

Na literatura antiga abundam os testemunhos de chuva de animais, ou de chuvas de diversos objetos, alguns deles orgânicos.

Poder-se-ia remontar ao Antigo Egito se se der crédito ao papiro egípcio de Alberto Tulli (cuja própria existência é controversa) e do qual se diz que registraria fenômenos estranhos, como o surgimento daquilo que a literatura sobre fenômenos paranormais interpreta como um OVNI. De modo particular, registra-se também a queda de peixes e pássaros do céu.

Na Bíblia narra-se como Josué e o seu exército foram auxiliados por uma chuva de pedras que cai sobre o exército amorita. A Bíblia evoca outras intervenções celestiais deste tipo, como o surgimento de rãs, numa das dez pragas do Egito (Êxodo 8:5,6).

No século IV a.C., o autor grego Ateneu menciona uma chuva de peixes que durou três dias na região de Queronea, no Peloponeso. No século I, o escritor e naturalista Plínio, o Velho descreveu a chuva de pedaços de carne, sangue e outras partes animais como rã. Finalmente, na Idade Média, a frequência do fenômeno em certas regiões levou as pessoas a crer que os peixes nasciam já adultos nos céus, e em seguida caíam no mar.

Graças à imprensa escrita, na época moderna produziam-se muitos testemunhos, proferidos por um número cada vez maior de pessoas, o que lhes aumenta sua plausibilidade. Indicamos alguns exemplos:

Em 1578, grandes ratos amarelos caíram sobre a cidade norueguesa de Bergen.

Segundo um tal John Collinges, uma chuva de sapos fustigou a aldeia inglesa de Acle, em Norfolk. O taverneiro do lugar retirou-os às centenas.

Numa cidade do Essex, Inglaterra, aconteceu uma chuva de peixes como salmões, arenques e pescadas. Os peixes foram vendidos pelos comerciantes locais.

Em 11 de Julho de 1836, um professor de Cahors enviou uma carta à Academia de Ciências Francesa, que dizia:

"Esta nuvem trovejou sobre o caminho, a umas sessenta toesas de onde estávamos. Dois cavalheiros que vinham de Toulouse, nosso destino, e que estiveram expostos à tormenta, viram-se obrigados a usar os seus abrigos; mas a tormenta os surpreendeu e os assustou, já que se viram vítimas de uma chuva de sapos! Aceleraram a sua marcha e apressaram-se; ao encontrar a diligência contaram-nos o que lhes acabava de acontecer. Vi então que a sacudir seus abrigos diante de nós, caíram pequenos sapos." — Fragmento da carta de M. Pontus, professor de Cahors, dirigida a M. Arago.

A 16 de fevereiro de 1861, a cidade de Singapura sofreu um sismo, seguido de três dias de abundantes chuvas. Após o final das chuvas, nos charcos havia milhares de peixes. Alguns afirmaram tê-los visto cair do céu, embora outros se mostrassem mais reservados ao dar o seu testemunho. Quando as águas se retiraram, se encontraram outros peixes nos charcos que tinham secado, notavelmente em lugares que não tinham sofrido inundações.

A revista “Scientific American” registra um aguaceiro de serpentes que chegavam às 18 polegadas de comprimento (cerca de 45 cm) em Memphis, em 15 de janeiro de 1877.

Nos Estados Unidos, se registraram mais de quinze eventos de chuvas de animais, apenas no século XIX.

Em junho de 1880 abateu-se uma chuva de codornas sobre Valência.

Em 7 de setembro de 1953, milhares de rãs caíram do céu sobre Leicester, em Massachusetts, Estados Unidos.

Em Birmingham ocorreu uma chuva de sapos em 1954.

Em 1968, os diários brasileiros registraram uma chuva de carne e sangue, numa área relativamente grande.

Canários mortos caíram na cidade de St. Mary's City em Maryland, Estados Unidos, Janeiro de 1969. Segundo o diário Washington Post de 26 de janeiro desse ano, o voo dos canários interrompeu-se subitamente, como se tivesse acontecido uma explosão, que ninguém viu nem escutou.

Em 1978, choveram caranguejos na Nova Gales do Sul, na Austrália.

Em 2002, choveram peixes numa aldeia nas montanhas do interior da Grécia. O diário "Le Monde" escreveu:

"Atenas não é sempre bela, e menos ainda o são as montanhas no norte de Grécia. Mas as tormentas têm às vezes o bom gosto de ajudar a sorrir e a sonhar. Na terça-feira choveram centenas de pequenos peixes na aldeia de Korona, nas altas montanhas" — Georges, Pierre. Poissons volent. Le Monde, 13 de dezembro de 2002

Em 2007, choveram pequenas rãs em El Rebolledo (província de Alicante, Espanha).

Em 2010, choveram pequenos peixes brancos, muitos deles ainda vivos, em Lajamanu, localidade de 669 habitantes, no norte da Austrália.

Na noite de passagem de ano de 2010 para 2011, mais de três mil aves da espécie tordo-sargento caíram mortas em Beebe, no Arkansas, possivelmente devido ao pânico que o fogo-de-artifício causou nos animais.

Teorias científicas

Um tornado pode ser o responsável pela captura de animais e a posterior queda a grandes distâncias do seu lugar de origem.

Contrariamente à generalidade dos seus colegas contemporâneos, o físico francês André-Marie Ampère considerou que os testemunhos de chuva de animais eram verdadeiros. Ampère tentou explicar as chuvas de sapos com uma hipótese que depois foi aceita e refinada pelos cientistas. Perante a Sociedade de Ciências Naturais, Ampère afirmou que em certas épocas os sapos e as rãs vagabundeiam pelos campos em grande número, e que a ação dos ventos violentos pode capturá-los e dispersá-los a grandes distâncias.

Mais recentemente, surgiu uma explicação científica do fenômeno, que envolve trombas marinhas. Os ventos que se acumulam são capazes de capturar objetos e animais, graças a uma combinação de depressão na tromba, e da força exercida pelos ventos dirigidos no seu sentido.

Em consequência, estas trombas, ou mesmo tornados, poderão transportar animais a alturas relativamente grandes, percorrendo grandes distâncias. Os ventos são capazes de recolher animais presentes numa área relativamente extensa, e deixam-nos cair, em massa e de maneira concentrada, sobre pontos localizados.

Mais especificamente, alguns tornados e trombas poderiam secar completamente um pequeno lago, para deixar cair mais longe a água e a fauna contida nesta, na forma de chuva de animais.

Esta hipótese aparece reafirmada pela natureza dos animais destas chuvas: pequenos e leves, geralmente surgidos do meio aquático, como batráquios e peixes. Também é significativo o fato de que, com frequência, a chuva de animais seja precedida por uma tempestade. No entanto, há alguns pormenores que não puderam ser explicados. Por exemplo, que os animais por vezes estejam vivos mesmo depois da queda, e alguns em perfeito estado. Outro aspecto é o de que normalmente cada chuva de animais se manifeste com uma só espécie de cada vez, quase nunca as misturando nem incluindo algas ou outras plantas. Como nota William R. Corliss:

"... o mecanismo de transporte, qualquer que seja a sua natureza, prefere selecionar uma só espécie de peixe ou rã, ou aquele animal que esteja no menu do dia."

Em alguns casos, certas explicações científicas negam a existência de chuvas de peixes. Por exemplo, no caso da chuva de peixes em Singapura de 1861, o naturalista francês Francis de Laporte de Castelnau explica que o aguaceiro ocorreu durante uma migração de peixes-gato, e que estes animais são capazes de se arrastar sobre a terra, para ir de um charco a outro; como as enguias, que podem percorrer vários quilómetros nos prados úmidos, ou os lúcios que vão reproduzir-se nos campos inundados. Além disso, explica que o fato de ter visto os peixes no solo imediatamente após a chuva não é mais que uma coincidência, já que normalmente estes animais se deslocam sobre o solo úmido rastejando, depois de uma chuvada ou de uma inundação.

Rãs e sapos se deslocam pulando, em meio a um tornado esse comportamento pode tornar mais fácil a "captura" destes animais pelos fortes ventos, o que não ocorreria por exemplo com mamíferos que se escondem das tempestades em tocas. Quanto ao fato das chuvas serem sempre restritas a uma determinada espécie de animal e de não ser acompanhada pela queda de outros organismos aquáticos, dois fatores devem ser levados em consideração.

O primeiro que muitas espécies de uma mesma família taxonômica (ranidae por exemplo) competem entre si, não habitando uma mesma área, onde porventura ocorreria a captura. O segundo que animais de espécies muito diferentes teriam densidades e aerodinâmicas também muito diferentes o que faria com que, caso fossem capturadas juntas por fortes ventos ou trombas d’água, seria grande a possibilidade de que caíssem sobre a terra em pontos diferentes.

Pluie de poissons, gravure d'O. Magnus, 1555

Explicações antigas

Desde há muito tempo, a ciência tem descartado muitas das explicações que são dadas; são consideradas exageradas, pouco viáveis ou não comprováveis.

Em 1859, um testemunho de uma chuva de peixes na aldeia de Mountain Ash, em Gales, enviou uma espécie ao Jardim Zoológico de Londres. J. E. Gray, diretor do Museu Britânico, declarou que "a luz dos fatos, o mais provável é que se trate de uma partida: um dos empregados de Mr. Nixon lhe esvaziou em cima um balde cheio de peixes, e este último pensou que caíam do céu".

Logicamente, as chuvas de animais estiveram sem explicação científica durante muito tempo, enquanto se desenvolviam hipóteses que iam desde as tentativas lógicas de explicar o fenômeno, até às mais absurdas. No século IV a.C., o filósofo grego Teofrasto negou a existência de chuvas de sapos, explicando simplesmente que os sapos não caem durante a chuva, mas esta última os faz sair da terra.

No século XVI, Reginald Scot aventurou-se a dar uma hipótese. Segundo ele, "é certo que algumas criaturas são geradas de maneira espontânea, e não necessitam de pais. Por exemplo, (....) estas rãs não vinham de nenhuma parte, foram transportadas pela chuva. Estas criaturas nascem dos aguaceiros…".

No século XIX pensava-se que a evaporação da água levava os ovos de rã para as nuvens, onde eclodiam e caíam à terra num aguaceiro.

Chuva de cães, gatos e garfos. Caricatura inglesa do séc. XIX

Explicações contemporâneas alternativas

Entre as explicações não científicas do fenômeno, se encontram as interpretações sobrenaturais. Ainda assim persistem as que alegam intervenções de seres extraterrestres. Nas hipóteses sobrenaturais, que podem ser de natureza religiosa, dependendo do tipo de objeto ou animal que cai na terra, o fenômeno é perceptível e seria um castigo, como o caso das pedras que caíram sobre o exército amorita no Antigo Testamento, ou como um sinal providencial de bondade divina, quando se trata de animais comestíveis.

Algumas das hipóteses, impossíveis de provar, são sobre a intervenção de entes extraterrestres, e descrevem estes visitantes reconhecendo grandes quantidades de animais como lastro, para depois os deixar cair antes de abandonar o nosso planeta. As chuvas de sangue e carne estariam vinculadas a uma seleção feita pelos visitantes, para aligeirar os seus armazéns.

Igualmente esotéricas, há hipóteses baseadas na existência de várias dimensões e planos espaço-temporais. Estas hipóteses aceitam a priori a possibilidade do teletransporte, para tentar explicar o porquê dos animais se encontrarem ali onde não deveriam estar. O jornalista Charles Hoy Fort propôs algumas destas hipóteses.

Segundo Fort, existiu no passado uma força capaz de transportar os objetos de modo instantâneo, que já não se manifesta senão em ações desordenadas, como as chuvas de peixes. Outra hipótese com força tem por base a suposta existência de um "mar superior dos Sargaços", uma espécie de reservatório celestial que aspira e esculpe os objetos terrestres.

Referências a chuvas de animais na linguagem e arte

A referência mais conhecida do fenômeno é a expressão em língua inglesa "it's raining cats and dogs" (chove gatos e cães) que se encontra pela primeira vez na forma escrita na obra de Jonathan Swift, "A Complete Collection of Polite and Ingenious Conversation", publicada em 1738, mas cuja origem permanece incerta. Uma explicação será dada pelo francês arcaico "catadoupe" (queda de água, cascata). Outra explicação será a de que na Idade Média, as fortes chuvas varriam os corpos de gatos e cães mortos no cimo dos telhados, fazendo-os cair na rua...

Muitas línguas possuem igualmente expressões deste tipo, mas nada prova que estas expressões sejam inspiradas na realidade. Mesmo assim, o galês tem uma expressão que se pode traduzir por chovem velhas e paus, em alemão há chuva de cachorros e em polaco de rãs.

Literatura e cinema

A documentação mais completa de chuvas de animais deve-se ao jornalista Charles Hoy Fort (natural dos Estados Unidos) que consagrou a sua vida de jornalista aos fenômenos inexplicados. A Biblioteca nacional de Nova Iorque conserva mais de 60 000 fichas feitas por este autor, das quais muitas sobre casos de chuva de animais.

No cinema, Paul Thomas Anderson levou a tela uma chuva de sapos no seu filme "Magnolia". Assiste-se igualmente a uma chuva de peixes no primeiro longa-metragem do realizador francês Luc Besson, "Le Dernier Combat", e na adaptação cinematográfica de "Chapeau melon et bottes de cuir" de Jeremiah Chechik.

No seu livro "Sido", a romancista Colette conta-nos uma chuva de rãs, esquentadas:

"Ao passarem as nuvens, tomei um banho sentada, Antoine molhado, e a capa cheia de água, uma água quente, uma água a dezoito ou vinte graus. E quando Antoine quis virar a capa, o que encontramos? Rãs minúsculas, vivas, pelo menos trinta trazidas pelos ares por um capricho do Sul, por uma tromba de água quente, um desses tornados que em espiral reúne e leva a cem lugares um penacho de areia, sementes, insetos …".

Em "Le Capitaine Pamphile" de Alexandre Dumas, a evocação da chuva de sapos nos jornais suscita um delírio imaginativo de uma das personagens:

"... lembrava-se de ter lido, alguns dias antes, sobre o episódio de Valenciennes, que esta cidade fora local de um fenômeno fortemente singular: uma chuva de sapos caíra com trovoada e relâmpagos, e em tal quantidade, que as ruas da cidade e os tetos das casas estavam cobertos. Imediatamente depois, o céu, que duas horas antes era cor de cinza, era agora azul índigo. O contratado do Constitutionnel olha para cima, e, vendo o céu negro como tinta e Tom no seu jardim, sem saber o modo como ele tinha entrado, começou a acreditar que um fenômeno parecido com o de Valenciennes estava a ponto de se repetir, com a única diferença de que em vez de sapos, choveria ursos. Um não era mais surpreendente que outro; o granizo era mais grosso e perigoso: e é tudo." — Alexandre Dumas, Le Capitaine Pamphile, cap. VIII.




Texto extraído e adaptado do link Wikipédia - Chuva de Animais, onde se encontra toda a referência bibliográfica sobre o assunto.

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