quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Protegei-nos do Mal
Nos séculos XVI e XVII apareciam nas histórias de vampiros os caçadores de prêmios, que prestavam juramento sobre a Bíblia e localizavam o túmulo do monstro, no cemitério da aldeia, a soldo de moedas de ouro ou de prata. Bastava que uma epidemia devastasse a região e logo se contavam pelos dedos os casos de túmulos suspeitos.
Mas os tempos mudaram, e desde o século passado que os caçadores de vampiros procedem liturgicamente, ao combater o que eles chamam «as possessões nefastas». Invocam outras divindades, utilizam fumigações, estranhos e mágicos exorcismos. Não se trata de padres mandados pela igreja, mas sim de médiuns, de feiticeiros um tanto bizarros que acreditam nos mortos-vivos e afirmam conhecer as técnicas de «desfazer o feitiço» e de destruir o «vampiro». Os praticantes, destes cultos dividem em três os gêneros de feitiços: O feitiço do ódio (ou da morte), o feitiço do amor, e o auto enfeitiçamento.
«Nós», afirmam eles, «servimo-nos do primeiro para combater o vampirismo. »
O ritual processa-se à maneira das cerimônias mágicas antigas, apoiando-se em textos manuscritos, alguns dos quais podemos encontrar nos Arquivos da Biblioteca do Arsenal, em Paris, ou no Museu Britânico de Londres. Altar forrado a branco (por oposição à cor preta), uma longa agulha metálica, uma espada com caracteres (de proteção) gravados, um turíbulo, duas estatuetas de cera envolvidas em seda, representando respectivamente uma mulher e um homem.
«As estatuetas são envoltas em seda que serve para isolar», explica o celebrante... Elas representam o vampiro fêmea e macho que será preciso destruir.
Um grande círculo traçado no solo como que enclausura as estatuetas. Atuando sobre as duas estatuetas, destruindo-as pelo fogo, destrói-se o duplo astral do vampiro, que acabará por ser destruído também.
À volta do círculo, os oficiantes escreveram os nomes de divindades protetoras, fazendo uma espécie de muralha intransponível: Adonay, Iah, Elohim. O sumo-sacerdote asperge o centro do círculo com água benta e pronuncia: «Senhor, através do poder atribuído ao carneiro, dá poder a este círculo, e que ele se torne armadilha mortal, de forma a que todos quantos utilizam os objetos do mal sejam para sempre destruídos. Em nome d’ Adonay, de Iah, Shadaie Elohim, em nome das energias cósmicas, solares, astrais e terrestres faz que o nosso inimigo presente neste círculo não possa sobreviver ao meu ato de morte para além de uma Lua. »
Uma vez pronunciadas estas palavras, o celebrante baixa a mão e pegando na longa agulha espeta-a numa e noutra estatueta, como se estivesse a perfurar um coração que ainda pulsasse. Seguidamente desenhou, com um pedaço de carvão, um círculo à volta dos assistentes, espalhando punhados de pregos de ferro.
Na tradição da Europa central, aqueles que traziam consigo pregos de ferro e um pedaço de carvão consideravam-se eficazmente protegidos contra o vampirismo.
No século XIX, Stanislas de Guaita, o Sâr Péladan e o escritor Joris Karl Huysmans, celebravam rituais idênticos a estes e contra os espíritos a quem chamavam «demoníacos».
Muitas vezes estes vampiros fêmeas e vampiros machos não surgiam senão das angústias e dos cérebros febris dos participantes, e então o celebrante acabava por se envolver numa situação infernal que ele próprio tecera.
Alguns conseguem livrar-se dessa situação através de delírios cosmogônicos, para explicar as origens cósmicas do vampirismo, e mostrar que o mal vem de uma outra região do espaço: «Em tempos idos, um planeta situado entre Marte e Júpiter explodiu! ... Esse planeta tinha o nome de ‘Lúcifer’. Os habitantes atingiram a Terra, trazendo consigo todo o tormento do abismo. Estes extraterrestres foram os ‘anjos destronados’, os exilados do planeta ‘Lúcifer’. Colonizaram a Terra, e iniciaram os homens na magia negra, instaurando o crime e a loucura como regras da existência. Foram eles os primeiros vampiros. »
Estas explicações esquizofrênicas nunca atenuaram os terrores e as angústias do mundo da magia. Quando muito – como com muitas teorias fantásticas – reforçam a convicção de que existem seres malfazejos vindos de algures e detentores de sabedoria diabólica. E permanecemos nisto...
Esta fantasmagoria não se trata de uma fantasia com cenário de castelo em ruínas, próprio das grandes obras de romantismo trágico. Perigosa para o ser humano (facilmente sugestionável) ela chega mesmo a ir desenvolver forças que este já não controlará, acabando por lançá-lo num autêntico caos mental.
Os mágicos da Idade Média chamavam a este fenômeno de autodestruição, um «enfeitiçamento».
Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)
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