Giordano Bruno condenado à morte na fogueira pela Inquisição romana. |
Há um pensamento quase geral que fé e ciência sempre viveram em pé de guerra. Afinal, a história desse conflito é marcada por casos como o do filósofo Giordano Bruno, queimado vivo pela Inquisição em 1600, e o do astrônomo Galileu Galilei, recolhido a prisão domiciliar até sua morte, em 1642. Alguns estudiosos do tema, no entanto, afirmam que isso não passa de mito. Na verdade, eles dizem, razão e religião sempre estiveram "amarradas" - muitas vezes com uma se alimentando da outra.
"A relação entre os dois lados é extremamente complexa, varia conforme a época e o lugar", diz o americano Ronald L. Numbers, professor da Universidade de Wisconsin. Numbers é o organizador do livro Galileo Goes to Jail - And Other Myths about Sciencie and Religion ("Galileu Vai Para a Cadeia - E Outros Mitos sobre Ciência e Religião"). Ele não nega que, ao longo da história, a Igreja censurou, reprimiu, condenou. Mas aponta momentos de extrema aproximação - até de colaboração - entre os dois lados. A crença em Deus inspirou cientistas, enquanto instituições religiosas apoiaram pesquisas e universidades.
Segundo o pesquisador americano, movimentos religiosos surgidos com a Reforma Protestante, no século 16, foram mais abertos a ideias científicas do que a Igreja Católica, cujo Tribunal do Santo Ofício - leia-se Inquisição - condenava qualquer questionamento de sua doutrina. Mas até a Igreja assumiu posturas contraditórias: por um lado, censurou teorias como a do heliocentrismo (o Sol no centro do sistema solar), defendida por Nicolau Copérnico e Galileu; por outro, financiou os primeiros estudos de astronomia. Galileu nunca deixou de ser católico e Copérnico era cônego.
"Nenhum cientista perdeu a vida por causa de suas visões científicas", afirma Numbers. "Alguns, como Giordano Bruno, foram queimados pela Inquisição, mas por causa de suas ideias teológicas." De acordo com o pesquisador, Bruno defendia abertamente o heliocentrismo, mas só foi parar na fogueira porque, entre outras heresias, duvidava da concepção da Virgem Maria e da identificação de Cristo com Deus. Ao afirmar que o Universo era infinito e continha vários mundos, também afrontou o dogma cristão de que os humanos são criações únicas, feitas à imagem do Criador.
Durante 600 anos (da Baixa Idade Média ao Iluminismo), a Igreja Católica financiou mais o estudo da astronomia do que qualquer outra instituição. Quem afirma é o historiador da ciência John Heilbron, da Universidade da Califórnia. No livro The Sun in the Church ("O Sol na Igreja"), ele afirma que muitas catedrais até serviram de observatórios. Foi numa delas - a Basílica de San Petronio, em Bolonha, na Itália - que, em 1665, o astrônomo Gian Cassini confirmou que a órbita dos planetas é elíptica - tal como o alemão Johannes Kepler havia descrito décadas antes.
"A Igreja também apoiou universidades. Em 1500, havia 600 delas na Europa, e 30% do currículo cobria geometria, ótica e assuntos relacionados ao mundo natural", diz o historiador da Michael H. Shank, da Universidade de Wisconsin. "Se a Igreja medieval queria reprimir a ciência, ela cometeu um erro colossal ao tolerar e apoiar universidades." O apoio, no entanto, era seletivo, e também atendia aos interesses da Santa Sé. Ao fomentar o conhecimento, ela podia simultaneamente controlar o que era ensinado aos estudantes, enquanto censurava certos livros pelo suposto atentado à fé e à moral que eles representavam.
Muitos cientistas se inspiraram em crenças religiosas para conduzir suas pesquisas. Um deles foi o inglês Isaac Newton, que estabeleceu as bases da ciência moderna. Anglicano, o formulador da Lei da Gravitação Universal dizia que aprender sobre Deus é o primeiro passo para quem se dedica à "filosofia natural" - como a ciência era chamada no século 17. Kepler também encontrava motivação em sua fé protestante - e acabou descrevendo as leis da mecânica celeste.
"Assim como Kepler e Newton, diversos cientistas do século 17 diziam que haviam sido levados a investigar a natureza porque, assim, descobririam mais sobre Deus", diz o pesquisador Ronald Numbers. O argumento era simples: estudando-se o universo natural, aprendia-se tanto sobre Deus quanto lendo a Bíblia - já que Ele era o autor de ambas.
Texto de Eduardo Szklarz
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