Aquele quadro havia, de certa forma, enfeitiçado Aírton. Colecionador de arte, orgulhava-se de conhecer a obra de grandes mestres como poucos. Era capaz de, com um simples olhar, distinguir entre a obra prima e a falsificação, mesmo que quase perfeita. Mesmo assim, aquela tela desafiava seu poder de discernimento.
Na pintura, uma linda mulher entre flores . Um tema muito explorado entre pintores, de iniciantes a gênios universais. Os volumes, as nuances de cores, as diferenças de brilho, tornavam aquela tela especial. Aquela figura feminina exalava vida. Era assim que Aírton definira para si mesmo o quadro.
O que espantava é que a tela simplesmente não tinha história. Não havia assinaturas. O dono da galeria havia encontrado num velho sebo, junto com mobílias antigas. Encantando-se com a obra, comprara-a e trocara a moldura, nitidamente inferior. Aírton não se importou em colocar a pintura desconhecida junto à suas valiosas aquisições, e comprou-a, sem discutir o preço.
Aírton colocou a anônima obra-prima num lugar de destaque, na sala e , obcecado, dedicava, todas as noites, horas a contemplá-lo. Estava apaixonado pela figura daquela mulher, e já nem conseguia trabalhar, ou mesmo comer direito.
Uma noite, adormeceu aos pés do quadro, desejando dar sua vida para que aquela perfeição realmente existisse. Quando acordou, não estava na mesma sala. A seu redor havia flores. Quis mover-se, mas não conseguia. Estava preso.
Era ele que, então, estava no quadro. Era sua vez de esperar a libertação, pelo amor de alguém que o quisesse tanto a ponto de trocar sua vida pelo cárcere daquele mágico quadro.
Escrito por: Zé do Caixão
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