Morte de Inês, óleo sobre tela, Columbano Bordalo Pinheiro,1901-1904 |
O romance de Pedro, futuro rei de Portugal, com a dama de companhia Inês de Castro marcou a história e a cultura portuguesas. Foi um amor proibido, vivido em atmosfera carregada de disputas de poder. A maior parte da narrativa se baseia em registros históricos. Só alguns detalhes pertencem ao campo da lenda, fruto da imaginação popular e do talento de artistas.
Tudo começou em 1320, com o nascimento do infante Pedro. Ele vivia no vale do rio Mondego, em Coimbra, então capital do reino. Das janelas do castelo real, avistava o mosteiro de Santa Clara, do outro lado do rio. Lá estava enterrada sua avó, Isabel de Aragão, então venerada como uma santa, um reflexo do grande fervor místico da Idade Média.
Outro dado do ambiente medieval europeu eram as constantes guerras causadas por disputas entre reinos. No caso, envolvendo tronos da Península Ibérica. Os arranjos políticos, por meio de casamentos entre nobres, eram parte essencial do jogo de poder da época.
Voltando a Pedro, não lhe cabia decidir o próprio futuro político e amoroso em tal conjuntura de manobras e alianças calculadas. Desde jovem, ele estava prometido a Constança Manuel, filha de um descendente de monarcas dos reinos de Aragão, Castela e Leão.
Pedro não queria, mas se submeteu ao casamento. Constança lhe deu um herdeiro e outros dois filhos. Quanto ao amor, o príncipe foi buscá-lo em outra mulher, logo a dama de companhia de sua esposa. O nome dela era Inês de Castro, jovem de grande beleza, descrita como loura e elegante. Por esses atributos, era chamada de “colo de garça”.
A paixão do príncipe foi correspondida. Mas o nada discreto caso de amor incomodou a Corte. “O escândalo tomou tais proporções que a esposa, d. Constança, decidiu chamar Inês para ser a madrinha da criança que estava esperando, já que esse tipo de parentesco espiritual tornava impossível a união que se esboçava, mais intensa a cada dia”, escreveu a historiadora portuguesa Maria Zulmira Furtado Marques, em A tragédia de Pedro e Inês.
Como os amantes seguiam com o romance adúltero, o pai do infante, o rei Afonso IV, ordenou o afastamento de Inês. Ela deixou o país e se exilou em Albuquerque, em Castela. Mesmo separados, Pedro e Inês continuaram a trocar cartas inflamadas.
Em 1345, Constança morreu num parto, e o príncipe se viu liberto das amarras do casamento de conveniência aos 24 anos de idade. Logo trouxe de volta sua amante para Coimbra, instalando-a em um palácio perto do mosteiro de Santa Clara, que podia ser avistado de seu quarto.
Em 1347, Inês deu à luz ao primeiro de quatro filhos com o infante. Mas o povo comentava e condenava o adultério, enquanto a peste negra, considerada sinal da cólera de Deus, chegava à região. Indiferentes a tudo, Pedro e Inês viviam seu grande amor.
Consta que ele a visitava a alguns passos de seu palácio, na Fonte dos Amores. O local ficava ao abrigo do sol e possuía uma parede coberta de hera, aberta em dois arcos, propícia para o romance e a troca de confidências. A famosa fonte continua hoje a jorrar na quinta das Lágrimas, onde funciona um hotel. Assim, historiadores e turistas podem conhecer o local do mítico romance.
O relacionamento amoroso aproximou Pedro de dois irmãos de Inês, Álvaro e Fernando de Castro. Eles viram na situação a oportunidade de obter o apoio de Portugal na luta que travavam contra o rei de Castela. Por isso, ofereceram ao infante o trono do reino vizinho.
A situação irritou d. Afonso IV. A ligação de Pedro com os Castro trazia o risco de aborrecer Castela, o que ameaçava a independência de Portugal. O rei também temia que os Castro agissem contra o herdeiro legítimo do trono, seu neto d. Fernando, filho de Pedro e Constança, para levar ao poder um dos bastardos.
Dom Afonso foi convencido por três de seus conselheiros – Pedro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco – de que somente a morte de Inês poderia afastar tantos riscos políticos. Em 7 de janeiro de 1355, os três asseclas do rei partiram para Coimbra e encontraram Inês sozinha, pois Pedro havia saído para caçar. Eles a degolaram impiedosamente, e seu corpo foi enterrado às pressas na igreja de Santa Clara.
VINGANÇA De volta, Pedro ficou louco de dor e, movido pela raiva, levantou um exército contra seu pai. O rei revidou. O confronto só terminou com a intervenção da rainha-mãe, dona Beatriz, que propôs e conseguiu que ambos aderissem a um tratado de paz em agosto de 1355. Mesmo assim, o príncipe parecia inconsolável.
Dois anos mais tarde, em 1357, d. Afonso IV morreu. Pedro subiu ao trono de Portugal e seu primeiro ato foi mandar procurar os assassinos de Inês de Castro, refugiados em Castela. Conseguiu que aquele reino lhe entregasse dois culpados, Pedro Coelho e Álvaro Gonçalves. Diogo Lopes Pacheco conseguiu fugir. O novo rei escolheu uma morte particularmente cruel para os homens que destruíram seu objeto de amor. Mandou que lhes arrancassem o coração: de um, pelo peito, e do outro, pelas costas.
A paixão de Pedro e a reparação do mal feito à amante tornaram-se obsessões do agora soberano. Em 1360, ele jurou que havia se casado em segredo com Inês de Castro, o que fazia dela rainha, merecedora de todas as honras. Em abril de 1360, o corpo de Inês foi transferido solenemente do convento de Coimbra para o mosteiro Real de Alcobaça, onde eram enterrados os monarcas portugueses.
Eis um depoimento da época: “Dom Pedro mandou que fizessem para ela um mausoléu de pedra branca, inteira e sutilmente trabalhado, representando, sobre a tampa, sua cabeça coroada como se ela houvesse sido rainha; e foi esse mausoléu que ele mandou colocar em Alcobaça [...]. O corpo viajou em um ótimo cortejo para a época, desses em que há grandes cavalos montados por grandes cavaleiros, damas e donzelas e muita gente do clero; e ao longo do caminho havia mais de mil homens com círios nas mãos, dispostos de maneira que seu corpo seguiu durante todo o caminho entre as velas acesas”.
Reza a lenda que Pedro também mandou colocar o corpo de Inês no trono, pôs uma coroa em sua cabeça e obrigou os nobres presentes a beijar a mão do cadáver. Está nessa narrativa a origem da expressão “Agora, Inês é morta”, que quer dizer algo como “tarde demais”.
O episódio inspirou o francês Henry de Montherlant a escrever, em 1942, a peça de teatro A rainha morta. Montherlant foi um entre muitos escritores, poetas e dramaturgos que se inspiraram na história. Luís de Camões a recontou em versos em Os lusíadas. Garcia de Resende publicou, em 1515, suas Trovas à morte de Inês de Castro. Antônio Ferreira tratou do tema na peça Tragédia mui sentida de dona Inês de Castro, também no século XVI.
O rei Pedro I mandou esculpir sua história em detalhes no próprio túmulo. E quando ele morreu, em janeiro de 1367, seu corpo foi enterrado próximo da bem-amada. Os corpos não foram colocados lado a lado, como seria mais natural, mas um de frente para o outro, para que no dia da ressurreição pudessem se levantar e cair nos braços um do outro.
Os suntuosos túmulos de pedra branca dos trágicos amantes podem ser visitados no mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Sobre o de Pedro, está escrito que os dois permanecerão juntos “até o fim do mundo...”.
Fonte: História Viva.
Um comentário:
Adorei os seus blogues! Abraços!
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