segunda-feira, 13 de junho de 2016

O Circo Humano

Joseph Merrick carte de visite photo c. 1889.

No século XIX principalmente, muitos dos casos clássicos da teratologia – o estudo dos defeitos congênitos – foram também estrelas de circos. Se o estigma do problema físico impedia que o indivíduo pudesse seguir uma profissão convencional, a humilhante – e às vezes lucrativa – alternativa era explorar o fascínio e a ignorância do público, exibindo-se sob a lona dos freak shows (“espetáculos de aberrações”).

O caso mais conhecido é o de Joseph Merrick, nascido em Leicester, Inglaterra, em 1862. Ele tinha 2 anos quando sua mãe notou que a pele do filho crescia de modo estranho, formando calombos na cabeça e no pescoço. Os defeitos tornaram-se cada vez mais acentuados à medida que o menino crescia. O lado direito de sua cabeça cresceu de forma desproporcional. Seu braço direito também era enorme, e o crescimento irregular inutilizou sua mão. Joseph teve de deixar a casa cedo, por incompatibilidade com o padrasto.

Tentou a vida como vendedor de rua e operário, mas o abuso por parte dos colegas era demais. Acabou se empregando com um promotor de espetáculos, que lhe deu o apelido pelo qual ficaria conhecido: Homem-Elefante. Merrick foi então “descoberto”pelo doutor Frederick Treves, que mais tarde seria o médico da família real britânica. Treves exibiu seu paciente célebre nas sociedades científicas da época. Merrick ainda voltaria ao circo, mas acabou sendo acolhido em caráter permanente por um hospital de Londres. Morreu de asfixia, em 1890, ao deitar-se para dormir – o peso de sua cabeça esmagou a traquéia. Sua história inspirou um filme de David Lynch, O Homem-Elefante (1980).

Os médicos da época diagnosticaram a condição de Merrick como elefantíase, problema do sistema linfático que causa inchaço no corpo. Mais tarde, o consenso científico foi de que o Homem-Elefante sofria de um caso extremo de neurofibromatose, moléstia congênita que causa crescimento anormal do sistema nervoso. No final dos anos 90, exames radiológicos do esqueleto de Merrick, conservado até hoje no Hospital Real de Londres, revelaram que o crescimento ósseo era incompatível com os casos conhecidos de neurofibromatose – o Homem-Elefante não tinha, por exemplo, a espinha curvada que é típica desses casos. O diagnóstico mais aceito hoje é de que Merrick sofria de síndrome de Proteu, um distúrbio de crescimento raríssimo que só foi identificado em 1979.

Os siameses Chang e Eng Bunker.

Os gêmeos conjugados são chamados de siameses por conta da fama de Chang e Eng Bunker, naturais do Sião (atual Tailândia). Ligados na altura do esterno, hoje os dois provavelmente poderiam ser separados cirurgicamente, mas quando nasceram, em 1811, a medicina não tinha muito o que lhes oferecer. Chang e Eng fizeram carreira nos Estados Unidos como atrações do célebre circo Barnum and Bailey.

Cansados da vida nos picadeiros, acabaram se estabelecendo como fazendeiros no estado da Carolina do Norte. Cortejaram e se casaram com duas irmãs da comunidade local. Os dois morreram com 63 anos, deixando 21 filhos (11 de Eng e 10 de Chang).

Bem mais triste foi o destino de Julia Pastrana, a mulher barbada que causou sensação ao ser exibida como uma espécie intermediária entre o ser humano e o macaco. Consta que Pastrana era um índia mexicana, nascida em 1834, mas os dados sobre sua origem são duvidosos. Tinha pêlos abundantes e grossos não só no rosto, mas também nos braços. Com pouco mais de 20 anos, ela excursionou pelos Estados Unidos, exibida como a “Maravilha Híbrida”.

Atravessou o oceano Atlântico em 1857 para começar sua carreira europeia, em um espetáculo em Londres que incluía canto e dança. Seu empresário, Theodore Lent, levou-a em seguida a uma longa excursão pela Europa continental. Apesar dos pêlos abundantes, Julia era descrita como uma mulher delicada, talentosa e inteligente. Talvez seduzido por esses encantos, Lent, o empresário, casou-se com ela. Ou talvez tenha sido uma estratégia para preservar seu ganha-pão: Julia sofria por ter uma aparência como aquela e falava a amigos de sua vergonha por ser exposta como uma aberração.

Julia Pastrana

O casal estava em Moscou quando descobriu que Julia ficara grávida. Os médicos temiam que o parto fosse difícil, pois a pélvis dela era muito estreita. Em 1860, deu à luz um menino igualmente peludo, que viveu só 35 horas. Ela mesma morreria cinco dias depois. A história fica particularmente bizarra a partir daqui. Lent vendeu Julia e o bebê para um anatomista russo que os embalsamou com muito capricho. Mais tarde, alegando direitos de marido e pai sobre os dois corpos, Lent tomou-os de volta. Voltou a excursionar pela Europa para exibir as múmias.

Depois de sua morte, sua segunda mulher – que também era barbada! – doou Julia e o bebê a um empresário alemão. A partir daí, as múmias seguiriam um triste périplo, passando de um a outro museu de curiosidades. Em 1990, foram redescobertas no porão de um instituto médico legal em Oslo, Noruega. O médico Jan Bondeson examinou Julia e o filho.

Em seu livro Galeria de Curiosidades Médicas, ele revela que a índia mexicana não só tinha crescimento anormal de cabelos, mas também sofria de deformações dentárias, com hiperplasia da gengiva. Bondeson acredita que essas características encontradas em Julia Pastrana são parte de uma síndrome genética rara.


Por Jerônimo Teixeira (Superinteressante)

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