Uma ilustração do que seria os bordéis de Londres no sec. XIX, com a figura de Jack, o Estripador. |
A sequência de crimes, atenham-se, não se passa numa Londres vitoriana do final do século XIX, mas sim, nos anos 1960. Tanto que se referem a Jack, the Stripteaser, e não a Jack, the Ripper. Mas, vamos aos fatos.
Em uma madrugada que não se sabe bem se foi a de 22 ou de 23 de abril, em 1964, Helen Barthelemy, 22, estava conversando e dançando com garotos e garotas afro-caribenhos no Jazz Club de Westbourne Park Road, em Londres.
Então pediu a alguém que olhasse por sua bolsa, pois precisava dar uma saidinha.
A notícia seguinte que se teve dela é que foi encontrada nua em uma viela da avenida Swincombe, oeste de Londres, na manhã do dia 24. Morta.
Asfixiada, sua roupa estava torcida em torno do pescoço e, embora quatro de seus dentes estivessem faltando, nada sugeria que houvesse levado um soco. Marcas em volta da cintura indicavam que a calça que usava foi retirada com violência depois da morte.
Jack, the Ripper (Jack, o Estripador) e, 80 anos depois, Jack, the Stripper (Jack, o Stripteaser). O primeiro matou e esquartejou 11 prostitutas durante o reinado da rainha Vitória, no final dos anos 1800. Já o segundo matava as prostitutas com muita violência e as jogava por Londres, ou atirava no rio Tâmisa, completamente nuas. Foram seis vítimas, ou oito, o último ataque completando 50 anos. Nenhuma delas violentada sexualmente.
O detetive superintendente John du Rose foi um dos encarregados do caso. Mais tarde, ao referir-se a ele em sua autobiografia, Rose listaria como seis os "Nude Murders" (assassinatos nus, como o episódio também passou a ser tratado pela mídia). Alguns jornalistas e autores (livros foram escritos tratando do caso) consideraram oito.
O primeiro teve como vítima Elizabeth Figg, de 21 anos. Foi encontrada no distrito de Chiswick, ao lado do Tâmisa, em 17 de junho de 1959 – os crimes reconhecidos como do Stripper aconteceram entre 1964 e 1965. Figg foi estrangulada, como as outras, mas apenas os seus seios estavam nus.
A segunda vítima colocada em dúvida foi Gwynneth Rees, 22 anos, encontrada em 8 de novembro de 1963, estrangulada com uma gravata, em um depósito de lixo ao lado do Tâmisa. No corpo havia apenas as meias de náilon, puxadas até os tornozelos.
Notting Hill é um distrito do centro-oeste de Londres, atualmente um dos mais charmosos da cidade, mas já foi palco de muitos crimes, como estes de que tratamos, cometidos em suas proximidades. É claro que, sendo assim, eles passaram a ser chamados também de "The Notting Hill Murders" (os assassinatos de Notting Hill).
Entre os casos reconhecidos como do Stripper há o de Helen Barthelemy, o primeiro a apresentar uma pista importante.
Um dos detetives encarregados, Maurice Osborne, da Scotland Yard, deduziu que o Stripper a colocou em um carro, estrangulou-a, tirou as roupas dela e a escondeu por 24 horas. E aqui cometeu um erro: deixou-a, durante esse tempo, em uma oficina de pintura. Depois levou-a para aquela viela da avenida Swincombe.
Só que, agora, o corpo de Helen Barthelemy apresentava algumas marcas de pintura spray.
Hannah Tailford, 30, também prostituta, deu à luz uma garotinha e conheceu um marinheiro que montou uma casa para ela e a filha. Tudo ia bem até que Hannah resolveu morar sozinha e mudou-se para Notting Hill.
Seu corpo foi encontrado às margens do Tâmisa, perto da ponte de Hammersmith, em 2 de fevereiro de 1964.
O corpo de Irene Lockwood foi encontrado em 8 de abril de 1964, em uma margem do Tâmisa não muito distante do local em que Hannah Tailford foi deixada. Também nua, também estrangulada, ela estava na água havia pelo menos 24 horas.
Mary Flemming chegou a Londres em 1955 e, entre outros endereços, teve um em Notting Hill.
Em 10 de julho de 1964, ela estava em um clube clandestino de bebidas de onde saiu às 5h. Seu corpo foi jogado entre 5h e 5h30 do dia 14 em uma rua do distrito de Chiswick. Tinha as mesmas características dos anteriores, inclusive a mais importante: marcas de tinta spray.
Nascida em Edimburgo, capital da Escócia, Francis Brown chegou a Londres em 1961. Foi logo presa por prostituição em locais públicos. No dia 23 de outubro de 1964, ela passou a maior parte da noite em um bar, bebendo com uma amiga, a também prostituta Kim Taylor. Por volta das 23h, elas abordaram dois homens, em dois carros parados em um semáforo. Acertando seus programas, as duas combinaram de encontrar-se mais tarde em um clube de jazz.
A irlandesa Bridget O´Hara, 28, foi encontrada morta no Heron Trading Estate, atualmente um grande centro de comércio e entretenimento, a apenas alguns metros da linha do metrô, em 12 de fevereiro de 1965. Nua, morta por asfixia, ela também tinha marcas de tinta.
Foi aqui, após a morte de O´Hara, que o detetive John du Rose, da Scotland Yard, entrou em ação.
Uma de suas primeiras ordens, é lógico, foi para que seus homens encontrassem a origem daquelas marcas de tinta. E, surpresa, elas vinham dali mesmo, da Heron Trading Estate, de uma estufa próxima de onde a última vítima havia sido encontrada, e por onde pelo menos outras três das garotas haviam passado.
Sete mil pessoas foram interrogadas, Du Rose se apressou a anunciar. Duzentos detetives e cem policiais fardados se movimentavam como uma gigantesca aranha por todo o distrito de Notting Hill e por bairros adjacentes. Du Rose imaginava seu alvo como um homem nos seus 40 anos, forte e viril.
Os assassinatos, então, pararam.
O detetive não identifica Jack the Stripper em sua autobiografia, mas ele tinha um forte candidato, que citou através de um nome de código, Big John, em um programa de TV da BBC em 1970.
Disse que era um respeitável senhor casado nos seus anos 40. Na verdade, Du Rose se referia a Mungo Ireland, um daqueles 7.000 entrevistados, todos funcionários da Heron Trading Estate, onde era um dos guardas de segurança.
Ireland nem chegou a ser acusado formalmente: não havia uma única prova contra ele. Foi levado à presença de Kim Taylor, a prostituta que estava com Mary Fleming quando as duas se separaram e entraram em dois carros. Kim não o reconheceu.
Mungo Ireland suicidou-se com o monóxido de carbono de seu carro ligado em garagem trancada. Deixou um bilhete para a mulher: "Não aguento mais. Para poupar você e a polícia de procurarem por mim, estarei na garagem".
Assim como Jack the Ripper, Jack the Stripper também é um homem sem rosto.
Anélio Barreto - Folha de São Paulo (4/9/2015)
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