Drama da Angélica (toada, 1943) - Alvarenga e M. G. Barreto
Ouve meu cântico / Quase sem ritmo
E a voz de um tísico / Magro e esquelético
Poesia ética / Em forma esdrúxula
Feita sem métrica / Com rima rápida.
Amei Angélica / Mulher anêmica
De cores pálidas / E gestos tímidos
Era maligna / E tinha ímpetos
De fazer cócegas / No meu esôfago.
Em noite frígida / Fomos ao lírico
Ouvir o músico / Pianista célebre
Soprava o zéfiro / Ventinho úmido
E então Angélica / Ficou asmática.
Fomos ao médico / De muita clínica
Com muita prática / E preço módico
Depois do inquérito / Descobre o clínico
Um mal atávico / Mal sifilítico.
Mandou-me célere / Comprar noz-vômica
E ácido cítrico / Para o seu fígado
E o farmacêutico / Mocinho estúpido
Errou na fórmula / Fez de propósito.
Não teve escrúpulo / Deu-me sem rótulo
Ácido fênico / E ácido prússico
Corri mui lépido / Mais de um quilômetro
Num bonde elétrico / De força múltipla.
O dia cálido / Deixou-me tépido
Achei Angélica / Já toda trêmula
A terapêutica / Dose alopática
Lhe dei em xícaras / De ferro ágape.
Tomou num fôlego / Triste e bucólica
Essa estrambólica / Droga fatídica
Caiu no esôfago / Deixou-a lívida
Dando-lhe cólica / E morte trágica.
O pai de Angélica / Chefe do tráfego
Homem carnívoro / Ficou perplexo
Por ser estrábico / Usava óculos
Um vidro côncavo / E outro convexo.
Morreu Angélica / De um modo lúgubre
Moléstia crônica / Levou-a ao túmulo
Foi feita autópsia / E todos os médicos
Foram unânimes / No diagnóstico.
Fiz um sarcófago / Assaz artístico
Todo de mármore / Na cor do ébano
E sobre o túmulo / Uma estatística
Coisa metódica / Como os Lusíadas.
E numa lápide / Paralelepípedo
Pus este dístico / Terno e simbólico
Cá jaz Angélica / Moça hiperbólica
Beleza helênica / Morreu de cólica !....
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