sábado, 8 de novembro de 2008

As doze verdades

O diabo chegou um dia ao pé de um pastor que estava a jantar e disse-lhe:

— Eu te salvendo (em vez de "Deus te salve").

— Não é agora, que estou comendo — respondeu o pastor.

— Que estás tu comendo? — perguntou-lhe o diabo.

— Chicarões, aqui a saltar.

— Dás-me deles?

— Eu não, que te podes escaldar.

— Mas eu assopro.

— Só p’ra mór disso não tos hei-de eu dar.

— Sabes que a tua mulher foi à cabrada?

— É porque sabia onde ela estava.

— Ela levou-te um chibou.

— É porque ela na cabrada o achou.

— Ela fez um jantar bom e dele te não guardou.

— É porque ela de mim se não lembrou.

Entretanto o pastor acabou de jantar e foi-se a lavar. Mas as fontes estavam secas porque o diabo as tinha secado todas. Na falta de água, urinou nas mãos e lavou-se.

O diabo, então, muito admirado e irritado, disse:

— Eu t’arrenego, bicho do monte, que ao pé do c... tens a fonte! Já que és tão esperto, diz-me lá, se és capaz, as doze verdades. Diz-me a uma.

O pastor, que estava armado com o sinal da cruz, respondeu com prontidão:

— Digo-te a uma:

— Pro dedo se fez a unha.

— Diz-me as duas.

— Pras mãos se fizeram as luvas.

— Diz-me as três.

— Do pau de pinho se fez o pez.

— Diz-me as quatro.

— Pro pé se fez o sapato.

— Diz-me as cinco.

— Pra cintura se fez o cinto.

— Diz-me as seis.

— Bom vinho bebem os reis.

— Diz-me as sete.

— E mais dura a serpente que o cerne.

— Diz-me as oito.

— Do bom trigo é que se faz o bom biscoito.

— Diz-me as nove.

— Não há cabrinha sem bode.

— Diz-me as dez.

— Não há carneiro sem pés.

— Diz-me as onze.

— Não há metal mais duro có bronze.

— Diz-me as doze.

— As doze não tas digo. Sete raios leva o sol, outros tantos leva a lua, arrebenta diabo, que esta alma não é tua.

O diabo deu um berro e desapareceu..


por José da Rocha

(Em Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.15-16).

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