Muitas são as superstições que andam pelo interior do país, proporcionando vários aspectos do mais vivo interesse folclórico. Entre nós, mineiros, são conhecidíssimas algumas, entre as quais a assombração, o lobisomem, a mula-sem-cabeça.
E o que há de mais interessante é que são diversas as variações sobre estes seres imaginários, de região para região. Sobre a mula-sem-cabeça, por exemplo, dizem uns que um animal gigantesco, de cor branca, que por onde passa faz devastações. Outros, que tem cor escura e no lugar da cabeça há uma bola. Outros mais, na sua alucinação, chegam de cometer o paradoxo de afirmar que a mula-sem-cabeça põe fogo pelos olhos.
A quaresma é sobretudo a época propícia à ação maléfica de todos esses seres, produtos da imaginação fértil do povo. Por isto mesmo, nesta quadra do ano, todos se resguardam, recolhendo-se mais cedo, não trabalhando senão nas horas em que os mesmos são indiferentes. À boquinha da noite, tudo é silêncio. Ninguém ousa arriscar a sua curiosidade. Muito menos afrontar o perigo.
Tudo isto será arraigado nos usos e costumes e nas tradições do povo do interior que chega a constituir, em épocas determinadas, verdadeiros entraves ao trabalho e ao progresso.
Numa fazenda bem próxima a Juiz de Fora, de alto prestígio no passado, de casa grande e senhoril, soubemos de um caso interessantíssimo. Fechada permanentemente, a grande casa, de vez que os proprietários residiam na cidade e rarissimamente visitavam aquela propriedade, os morcegos passaram a habitá-la sem cerimônia.
Acontece que a velha fazenda foi vendida e os novos proprietários passaram a frequentá-la. No princípio, foi uma dificuldade, esconderijo que era de tantos e tão incômodos animais.
Na grande sala encontrava-se duas mesas de bilhar e, de vez em quando, a um movimento qualquer, as bolas, em deslizando pelo tablado, produziam ruídos que, à noite, comunicavam algo de estranho e fantástico. Algumas pessoas mais amedrontadas sugeriam sempre a presença de um espírito mau, de uma assombração, dizendo, então, que a casa estava mal assombrada. Toda casa de mais de um pavimento, seja dito casa velha, tem sempre uma escada de madeira, a qual emite, à noite, ruídos que assustam, o que é francamente explicável. Todavia, para com certas pessoas adiantaram qualquer explicação.
Entre os que começaram a frequentar a casa da velha fazenda, uma senhora que, em verdadeira crise de superstição — para não falarmos em neurose ou psicose do medo — não suportou a idéia de permanecer lá nem mais um minuto, tal o seu horror pela assombração.
E estava tão convencida da veracidade do que, por sua imaginação via e ouvia, que chegou ao cúmulo de afirmar que a casa estava realmente mal assombrada.
É que os morcegos, de noite, voavam em toda a extensão da sala e, de vez em quando, iam de encontro às bolas que, então, em se encontrando, produziam barulho.
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Bastos, Wilson de Lima. “Superstições”. A Tarde. Juiz de Fora, 29 de maio de 1967
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