terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

O Êxtase Negro


É nesta atmosfera de caça aos vampiros que a igreja se deparou com a mais terrífica blasfêmia: a maldição do sangue, sangue este de que o Antigo Testamento nos fala como portador do Espírito...! E, pois, pecado mortal por excelência: Um crime contra o Espírito!

E, no entanto, nas histórias de vampiros, a morte aceita este estado de vida intermédio, esse sono do morto-vivo encerrado no seu caixão, tendo o poder de vagabundear durante a noite como ave noturna que descreve círculos concêntricos ao se aproximar da sua presa.

E de noite que o duplo astral do vampiro se transforma em lobo, fogo-fátuo, morcego. Está ligado aos vivos por forças subterrâneas, ligações secretas que vêm se prender como anzóis ao sono de futuras vítimas. Na versão de Bram Stoker – autor do Drácula – a hora do vampiro situa-se entre a meia-noite e a uma hora da manhã, mas as invocações do morto-vivo fazem-se ao pôr do Sol.

O sono não protege. A consciência de quem dorme fica anestesiada, a vontade entra em letargia e qualquer espírito malfeitor pode vir ocupar o seu espírito deixando-lhe ficar uma imagem, um pesadelo que manterá ao despertar sob a forma de uma obsessão.

Pela manhã, a vítima do vampiro se lembra de ter tido um sonho estranho que lhe deixa um profundo cansaço, um estado de extrema debilidade. Ela experimentou aquilo a que os exorcistas do século XVIII chamam: a VIOLAÇAO DA ALMA.

Sintomas de uma manifestação oculta que escapa ao túmulo, ou desequilíbrios psicopatológicos?

Cada um explicará o fenômeno à sua maneira, agarrando-se às suas crenças e terrores, mas isso não modificará em nada a natureza dos sintomas. São de tal forma características que um padre exorcista ou os velhos aldeões que «sabem», conseguem detectar a passagem de um vampiro.

O estudo dos processos verbais e das aparições de vampiros nos séculos XVIII e XIX – sobretudo na Europa central – permite-nos abrir o dossiê médico-psíquico do homem e da mulher tornados vampiros.

Uma mulher ainda nova que recebeu a visita noturna de um vampiro, acorda pela manhã lembrando-se de um pesadelo vago, impreciso, mas aterrorizante. Desde logo, com as visitas noturnas o seu comportamento vai-se sucessivamente modificando. A fraqueza e a prostração parecem ser os primeiros sintomas. Seguidamente estará sujeita a perdas de consciência, novos pesadelos cada noite um tanto mais precisos, êxtases negros onde os ritmos deslizam com a lentidão de um veneno. Porque é bem de um veneno que se trata. A vítima – que não entrou ainda na «cadeia» dos adeptos – vive num estado permanente de sonambulismo e súbitas entradas em transe, que surpreende e horroriza quantos a rodeiam dada a modificação repentina.

Acorda de manhã, umas vezes com dores de cabeça, com enxaquecas sem aparente razão de ser, com a sensação de pesadelos de que se não lembra e a ideia vaga de ter dormido com um peso sobre o peito, uma impressão de asfixia durante o sono.

Outras vezes tem um acordar diferente. Olhos abertos e vítreos, ela persegue ainda o pesadelo noturno, de olhar vago.

Este torpor não durará além de alguns instantes, mas o dia decorrerá entre dois mundos, com ausências, com incompreensíveis sonolências e, por vezes, comas com a duração de dois ou três minutos.

A doença se desenvolverá rapidamente até à morte. Trágico começo no decorrer do qual a vítima se torna «adepta» e cairá no abismo. Ela já não poderá abandonar a cama, e a palidez é tal que nem a febre diminuirá. Deixa de conhecer os membros da família. O sono é cada vez mais frequente e mais profundo, dando-lhe cada vez mais as fácies da morte. O pulso fraco, os olhos parados. Interrogam-se entre si os especialistas. Um deles crê tratar-se de uma «histeria cataléptica».

Raymond Rudorff – que explorou os «arquivos do Drácula» – descreve maravilhosamente um dos transes vividos pela vítima do vampiro:

«Depois de ter interpretado as mais encantadoras melodias, Adelaide atacou temas mais violentos. Um brusco entusiasmo se apoderou dela; os olhos começaram com um brilhar sobrenatural; empalideceu, vacilou, mas recuperou, e de novo, batendo as teclas com vigor redobrado, lançou-se numa série de áreas ainda mais violentas que as primeiras.

»Estranhas visões desfilaram diante dos meus olhos enquanto ela tocava energicamente acordes vibrantes: tempestades em plena montanha, o roncar de mar revolto, assembleias noturnas de bruxos, noite de Walpurgis sobre qualquer cume descampado...

»Adelaide tornou-se cada vez mais pálida, a música cada vez mais violenta até que, largando um grito, Conrad se levanta num salto dizendo:

»– Basta! Por amor de Deus!

»Tremendo dos pés à cabeça, Conrad aproximou-se do piano enquanto Adelaide se levantava olhando-o com ódio.

»– Adelaide – insistiu ele –, suplico-lhe, não toque mais nada! Você está a fazer mal a si própria!

»A transformação que se operou nela foi espetacular. A doce e amável rapariga já não existia. Em seu lugar, erguia-se diante de nós uma cara lívida em fúria, transtornada por uma cólera intensa e, de voz ríspida e fria (que me gelou o coração), vociferou: «Não obedeço senão ao meu senhor! » Sacudida por terrível tremura, deu alguns passos e caiu redonda aos pés de Conrad. »

Todas as manifestações de vampirismo pertencem a estas atmosferas. Nada sustém esta fascinação pelo abismo, este culto do terror!


Fonte: Os Vampiros - Jean-Paul Bourre - Publicações Europa-América (1986)

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